De tardezinha, Deus chama Seu Filho para tomar um chimarrão. Não se sabe como esse hábito chegou ao Céu, talvez foi coisa do Pedrão ou das propagandas da Fenachim. Mas lá estão os dois, Deus e Jesus, tomando um mate no recanto mais aprazível da Eternidade. Vista daquele lugar por olhos humanos, a Terra seria como um grão de areia na praia de Capão. Não para os olhos divinos, que tudo veem com a nitidez de um telão 4k. E a prosa corre solta entre os dois.

— Filho, as coisas lá na Terra não estão indo nada bem — diz Deus com um olhar pensativo.
— Concordo, Pai. Já faz mais de dois mil anos que lá estive. Melhorou, depois piorou — responde Jesus.
— No início, eu agia com rigor. Quando Adão e Eva pecaram no Paraíso, inventei o trabalho para castigá-los. Aí, começaram a povoar a Terra. Surgiram novos pecados. Mandei o Dilúvio, só salvei os bons na arca de Noé. Não adiantou. Resolveram construir a Torre de Babel que, na vaidade deles, seria tão alta para me alcançar aqui no Céu.
— Aí, o Senhor acabou com a língua única que eles falavam, eles não mais se entenderam e pararam a obra.
— É. Se fosse hoje, de nada adiantaria criar outras línguas, pois existem os cursos de inglês e o Google Tradutor. E as naves espaciais estão voando cada vez mais alto, quase atropelando os nossos anjos. Mas o Mal continuou avançando.
— Foi aí que eu entrei em ação — diz Jesus.
— Sim. Tu quiseste viver no meio dos homens a fim de doutriná-los para o bem.
— Eu achava que era melhor parar com os castigos violentos e lhes ensinar o amor.
— E isso adiantou alguma coisa? Olha o que fizeram contigo. Bastou eu me distrair um pouco e, quando olho para baixo, te vejo pregado numa cruz! Aí, tenho o trabalho de te ressuscitar e trazer-te de volta ao Céu…
— Mas, Pai, minha passagem terrena trouxe uma nova ordem à humanidade.
— Que os nossos representantes na Terra resolveram deturpar! — exclama Deus, um tanto irritado, derramando a erva da cuia. — Inventaram um monte de privilégios, venderam indulgências, comercializaram cadeiras no Céu, ungiram reis como se fosse um direito divino que eu nunca ordenei! Queimaram inocentes na inquisição e mataram milhões nas guerras religiosas em meu nome. Sem falar nas outras guerras. Agora mesmo, estão guerreando feito loucos lá naquele lugar onde tu mesmo estiveste pregando a paz. E aquele russo querendo tomar conta do mundo por um lado e aquele loiro de topete querendo tomar conta por outro lado. Isso ainda vai acabar numa guerra nuclear que pode exterminar toda a minha criação. Me dá vontade de voltar aos velhos métodos e fazer uma limpa por lá!
— Se quiseres, eu volto à Terra.
— Nem pensar! São outros tempos, Jesus. Se voltasses à Terra, como irias te fazer notar? Como conseguirias atrair multidões? Sermão da Montanha já era! Terias que alugar um canal de televisão? Tornar-te um jogador de futebol, quem sabe um cantor sertanejo ou de funk? Filho, temos milhões de planetas para nos preocupar.
— Mas, Pai, a Terra é o lugar mais bonito que Tu criaste, as pessoas têm uma alma boa. Olha agora lá para baixo. – Aponta Jesus, emocionado. – Vê a luz que o planeta emana, os sorrisos das crianças. Todos os anos eles comemoram o meu nascimento e a minha ressurreição!
— Com Papai Noel e Coelhinho!
— Que seja! O importante é que a maioria queira melhorar. Eu acredito sempre no recomeço, Pai!
Deus olha para Jesus com ternura e diz:
— Somente um filho assim tão bom pode convencer o pai. Então, daremos outras chances à humanidade. Me serve mais um mate. Se o tal de chimarrão se espalhasse pelo mundo, haveria mais paz e fraternidade!