A terça-feira, 28, poderia ter sido marcada por apenas mais um júri na carreira jornalística do repórter Álvaro Pegoraro, que há mais de três décadas atua na Folha do Mate. Mas não foi. A fotografia de um beijo clicada por ele, naquela manhã, acabou se tornando mais do que um registro do júri, mas a imagem que passou a documentar um dos capítulos mais comentados da história dos júris da Capital do Chimarrão e do país.
Até o pensador Fabrício Carpinejar. Não tem quem não falou e palpitou, ao longo desta semana, sobre a atitude da jovem que beijou, em pleno tribunal de júri, o homem que foi condenado por tentar matá-la, em agosto do ano passado, após disparar sete tiros contra ela. Cinco lhe atingiram.
A imagem do beijo viralizou e ‘rodou’ jornais, programas de TV e sites do país todo. Até a imprensa mexicana repercutiu o fato. Depois da postagem da foto e notícia no site da Folha do Mate, às 11h21min da terça-feira, precisou alguns segundos para o assunto ‘explodir’ na internet. Foram 146 mil usuários que acessaram essa notícia no site folhadomate.com naquele dia. Destes, mais de 2 mil dos Estados Unidos, para exemplificar que os acessos vieram de toda parte. Sem contar os milhares de compartilhamentos e comentários nas redes sociais. Em pouco tempo, veículos de imprensa de toda região, estado e país começaram a buscar informações sobre o julgamento que ainda acontecia no tribunal e teria sentença lida horas depois: 7 anos em regime semiaberto, sendo 5 pela tentativa de feminicídio e 2 pelo porte da arma.
A foto desacomodou e incomodou. O incomum provocou reações e despertou sentimentos diversos na população, principalmente o da indignação. Ora, como aceitar a jovem agredida perdoando aquele que quis matá-la? Ela teria enlouquecido? Ela precisa de ajuda? Foi tudo encenado? Ela o ama, mesmo? Ela se sente refém deste relacionamento? Ela vai se vingar dele? As infinitas perguntas sobre o relacionamento entre ela e ele, fizeram com que milhares de pessoas se manifestassem. Inclusive psicanalistas, psicólogos, terapeutas tentaram explicar aquilo que ainda tentamos compreender.
Antes do beijo (e da foto), este seria mais um júri de uma tentativa de feminicídio do país. Mas, a partir da atitude de Micheli, de beijar quem atirou contra ela, se formou um novo tribunal do lado de fora do júri: o das ruas e das redes sociais. Até o jornal foi questionado por ter divulgado a foto e ter dado destaque ao fato, o que inclui a capa da quarta-feira, 29. A Folha era o único veículo de comunicação, naquele momento, no plenário do tribunal, portanto, o único a registrar a hora do beijo e o perdão da jovem Micheli diante dos jurados (cinco homens e duas mulheres). Entretanto, se o beijo não fosse algo tão surpreendente, não teria sido amplamente divulgado e não receberia aval ‘editorial’ de tantos veículos.
Tudo isso aconteceu poucos dias depois de Venâncio Aires chorar pela morte da jovem Juliani Klamt e de mais de duas mil mulheres prometerem, de mãos dadas, em ato público no centro do município, que “ninguém solta a mão de ninguém”. Sim, as mulheres, especialmente engajadas com o movimento feminista, se sentiram e estão ofendidas. Tristes e/ou envergonhadas.
Porém, se a foto não existisse, não estaríamos fazendo essa reflexão e falando dos riscos, alertas e medos. Se a foto não existisse, o beijo seria apenas um relato de quem lá esteve. Seria um júri ‘silenciado’, no máximo comentado, ignorado pela ‘massa’.
Mas o perdão de Micheli, continuaria existindo. O recomeço do relacionamento, que quase terminou em tragédia, também. Por aqui, continuaríamos a fazer de conta que nos conformamos que as mulheres perdoam quem agride e fere. Se a foto não existisse, o amor não estaria sendo explicado e conceituado pelos ‘Freuds’ das redes sociais e os da vida real.
O que vimos e ouvimos nesta semana foi (e é) para o movimento feminista, uma atitude que desmoraliza e machuca. Para o promotor, definida como uma atitude que representa um desserviço diante da luta, diária, contra a violência doméstica. Para o jornalismo, o fato e a foto, foram mais um momento de debater com a sociedade e mostrar que ainda temos muitos desafios a ser vencidos.