
O Brasil deu um passo inédito na gestão de resíduos plásticos com a publicação do Decreto nº 12.688/2025. Pela primeira vez, o país estabelece metas nacionais obrigatórias de logística reversa, reciclagem e incorporação de conteúdo reciclado em embalagens. A meta inicial é recuperar 32% do material já em 2026 e chegar a 50% até 2040. Já o conteúdo reciclado em novas embalagens deve atingir 22%, em 2026, e 40%, em 2040.
As novas regras se aplicam a fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, que passam a dividir responsabilidades pela coleta, retorno e destinação das embalagens, incluindo produtos plásticos equiparáveis, como copos e talheres. O texto determina ainda que a estruturação do sistema deve priorizar cooperativas e associações de catadores.
AVALIAÇÃO DO SETOR
O setor produtivo reconhece avanços, mas pede maior precisão regulatória. A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) afirma que o decreto representa “um avanço importante”, mas alerta para pontos que considera pouco definidos. Para o presidente executivo da entidade, Paulo Teixeira, “as obrigações dos fabricantes de embalagens e dos fabricantes de produtos embalados em plásticos foram equiparadas no texto, mas deveriam estar mais claramente delimitadas e detalhadas”. Ele também destaca que a exigência de conteúdo reciclado demandará “reestruturação gradual” de toda a cadeia.
Para garantir rastreabilidade, o decreto exige comprovação por meio de auditorias independentes e integração ao Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir). A expectativa é que a regulamentação pressione a expansão da coleta seletiva, estimule investimentos em triagem e aumente a demanda por resina reciclada.
Legislação é vista como avanço, mas deve enfrentar desafios estruturais
Para o advogado, doutor em Direito Ambiental e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Cássio Alberto Arend, o novo decreto é “um avanço importante” ao tratar reciclagem, reaproveitamento e economia circular como obrigações de caráter progressivo. Ele destaca especialmente a adoção de metas crescentes de recuperação e a exigência de conteúdo reciclado em novas embalagens. “Isso transcende a simples coleta e fecha o ciclo da economia circular”, afirma.
Arend ressalta que a participação dos catadores é finalmente tratada como elemento central do sistema. Segundo ele, a legislação “exige a priorização de cooperativas, associações e outras formas de organização popular” e obriga que esses grupos tenham acesso à matéria-prima e à remuneração: “As cooperativas de catadores são agentes importantes e devem ser encarados como prestadores de serviço”.
ENTRAVES
Arend alerta para entraves estruturais. “O grande desafio será a articulação entre poder público, setor produtivo e consumidores”, afirma. Para ele, a coleta seletiva segue sendo o principal gargalo: “Sem isso não será possível o cumprimento das metas obrigatórias”.
O professor também avalia que a expansão da infraestrutura e da tecnologia de reciclagem ainda está distante do necessário. Ele observa que o decreto aposta em instrumentos como os Certificados de Crédito de Reciclagem, que podem impulsionar investimentos, mas não eliminam a necessidade de políticas públicas mais robustas.
A efetividade, destaca Arend, depende da transparência prevista no texto: “O decreto foca na rastreabilidade, transparência e auditoria como contraponto à mera burocracia”. Mecanismos como auditorias anuais e o uso do Sinir deverão ajudar a evitar declarações fictícias de recicláveis.
No longo prazo, afirma, a mudança depende também da população: “Educação e facilitação do descarte correto são cruciais para engajar o consumidor”. O professor vê na política uma oportunidade de transformação, desde que acompanhada de fiscalização e cooperação entre todos os setores.
Cumprimento das obrigações
Arend destaca que o decreto reúne instrumentos capazes de evitar que o cumprimento das obrigações se torne apenas burocrático, sem resultados ambientais concretos, entre os quais:
- Métricas claras: Dois índices obrigatórios (Recuperação e Conteúdo Reciclado) exigem resultado concreto.
- Auditoria anual: Notas fiscais e retorno das massas precisam ser confirmados por verificadores independentes.
- Transparência no Sinir: Dados ficam disponíveis na plataforma nacional para fiscalização pública.
- Sistema caixa-preta: Auditoria amostral confere a veracidade das informações declaradas.