Nos últimos anos, passou a ser comum ver pessoas fumando narguilé, em Venâncio Aires. Além de tabacarias e bares, o Parque Municipal do Chimarrão tem sido um local frequente para o uso do aparelho de fumo, nos fins de semana, principalmente, por jovens. Mas, afinal, essa é uma prática legalizada? Existem regras sobre isso? Narguilé faz mal para a saúde? Qual a diferença dele para o cigarro?
Nesta edição, abordamos o assunto, a partir de depoimento de usuários e entrevistas com profissionais da saúde. Boa leitura!
Por trás da fumaça
O narguilé, arguile ou shisha, é uma versão maior de cachimbo de água. Estudos indicam que ele foi inventado na Índia, no século XVII. Entre a população árabe, o narguilé tornou-se um passatempo, que se popularizou entre jovens e idosos.
No Oriente Médio, ele é associado ao cultivo da paz, descanso e relaxamento mental. Na região, normalmente, fuma-se acompanhado de chá, café ou aperitivos leves.
A utilização no Brasil tem aumentado na última década e, em Venâncio Aires, jov
ens se reúnem no Parque do Chimarrão ou em casas específicas para o uso de narguilé.
Entre os jovens que costumam utilizar o ‘nargui’ estão Geane Gabrielle Bairros, 20 anos, e Gustavo Schwertz, 23 anos. O casal tem três equipamentos e fuma, em média, duas vezes ao dia.
A guria conta que experimentou pela primeira vez há uns 3 anos, mas como teve muita tosse deixou de lado. Há 2 anos, fuma com mais frequência. “Conheci através de amigos que usavam e falavam sobre o narguilé, mas eu ficava sem entender nada. Depois de um tempo comecei a fumar e gostei”, comenta Geane.

Ela e o namorado compram a essência (fumo aromatizado), que é colocada no fornilho do narguilé e tampada com papel alumínio e carvões para queimar o fumo. Na parte da base ou vaso, é colocada água para ‘filtrar’ a fumaça. De acordo com o casal, a essência custa de R$12 a R$15.
Os aparelhos de narguilé têm valores variados, conforme o material e tamanho – em uma das lojas que comercializa o utensílio, em Venâncio, o de vidro custa de R$ 98 a R$ 198. Um dos utilizados por Geane e Gustavo, no entanto, custou mais R$ 1,5 mil.
Em relação aos riscos para a saúde, Geane tem dúvidas sobre o que é mito e verdade. “Às vezes, se não fumo sinto falta, porém não fico na necessidade de usar. Uma vez já paramos por um mês, e foi normal”, reflete. Porém, ela também acredita que o narguilé abre portas para outras drogas, de acordo com a consciência de cada um. “Acho que a curiosidade de ver muitas pessoas usando faz querer provar e acabar gostando.”

Palavra de especialista
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma sessão de narguilé, de 20 a 80 minutos, corresponde à exposição de componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 cigarros.
O médico pneumologista e intensivista André Luiz Rocha Puglia explica que o narguilé possui pouca diferença do cigarro, pois o fumo é queimado com uma brasa, aspirado e passa dentro da água. “Muitos acham que a água filtra, mas filtra coisa nenhuma. Ali se tem uma quantidade maior de alcatrão, que provoca doenças no pulmão, como bronquite e câncer”, destaca.
Sobre a nicotina do narguilé, o especialista comenta que não tem como dimensionar, pois no cigarro se sabe quantas miligramas do produto tem, mas no aparelho não. Ele lembra que o alto consumo de nicotina pode levar a ataque cardíaco, além de ser a substância que causa o vício. “No caso do cigarro, a pessoa fuma 4, 5 por dia. No narguilé, ela fica horas fumando e não sabe a quantidade de nicotina usada”, observa.
“Estudos da Sociedade Brasileira do Pneumologia mostram que o narguilé é mais agressivo que cigarro. Principalmente porque atinge uma população jovem, que ainda não tem o pulmão formado. Por isso, o prejuízo é mais intenso nos jovens.”
ANDRÉ PUGLIA – Médico pneumologista
De acordo com o médico, o narguilé entra no grupo de drogas, assim como o cigarro. Puglia coloca que qualquer droga, seja álcool, maconha ou tabaco, é uma porta de entrada para outras. “A pessoa que fuma tem mais facilidade de beber e usar outras drogas, porque ela acha natural usar uma substância aditiva. Quando o efeito do que usa fica fraco, procura algo mais forte”, salienta.
O médico afirma que a essência é uma forma de estimular o vício, pois é um sabor colocado no fumo, que acaba deixando o gosto melhor. “O gosto de tabaco em geral é muito ruim, a essência é como um cigarro de sabor, que ajuda a pessoa a se acostumar com isso. O único objetivo é fazer com que o usuário vicie para continuar comprando.”
SAIBA MAIS
Afinal, é legalizado ou não?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe, no artigo 81, a venda de “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida”. Apesar disso, não existe uma citação específica sobre narguilé.
Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 4431/2016, que prevê a proibição da “venda de produtos fumígenos, cachimbo, narguilé, piteira e papel para enrolar cigarro a crianças e adolescentes.”
O documento já passou pela Câmara dos Deputados e teve parecer favorável da Constituição de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. De acordo com o projeto, a alteração tem o objetivo de ampliar a abrangência da lei, já que não existe proibição da “venda de aparelhos, instrumentos, acessórios e insumos utilizados no tabagismo praticado com narguilé”.
“É um fumo como qualquer outro”
Para a terapeuta ocupacional Angela Cristina Martins, do Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Caps i), o narguilé é uma ‘bengala’ utilizada para descontrair e fugir de problemas. Porém, ela explica que é um fumo como qualquer outro, que também leva ao vício. “O hábito de fumar cria um perfil dependente. Essa mania também influência o comportamento dos jovens, pois muda a maneira de agir e a percepção de mundo”, ressalta.
A profissional explica que a essência utilizada no narguilé é um tabaco com aroma, no qual também há componentes químicos. Por isso, de acordo com ela, mesmo que não seja tragada, a fumaça entra na boca e afeta o pulmão e o cérebro. “É pior para adolescentes e crianças, porque os órgãos estão em formação. O fumo pode atrofiar e deixar esses órgãos mais lentos”, alerta.
Alguns casos relacionados ao uso de narguilé já chegaram ao Caps i. Além disso, o Conselho Tutelar de Venâncio Aires também já recebeu pais que buscam orientação sobre a situação. Os casos são encaminhados para acompanhamento no Caps i.
COSTUMES
- Na Índia antiga, ter um narguilé em casa não era apenas para fumar, mas também sinônimo de prestígio.
- Algumas pessoas colocam gelo junto com a água no vaso, o que deixa a fumaça mais refrescante.
- Narguilés de madeira são considerados muito bons, mas não permitem que se fume mais de um sabor de essência nele, já que o gosto da essência ‘pega’ na madeira.
- O material mais comum para narguilés é o cobre, sendo fácil de limpar e possível de usar essências de diferentes sabores.
Fonte: abracocultural.com