Entrevista com oncologista esclarece dúvidas sobre a fosfoetanolamina sintética

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Graduada desde 2006, Sheila Calleari Marquetto é médica oncologista clínica em Venâncio Aires. Trabalha diariamente com pacientes acometidos pelo câncer e, nesta entrevista, aborda o desenvolvimento de novos medicamentos, de acordo com o que já foi postado aqui

Há mais de 20 anos, as pílulas já vêm sendo distribuídas. Cerca de 800 pessoas já experimentaram, e não houve relatos contra a eficiência da substância. No entanto, ainda não há confirmação de testes realizados em seres humanos. Em sua opinião, por que isso ocorre?

O período total de desenvolvimento de um medicamento, desde sua concepção no laboratório até sua comercialização, pode chegar a 15 anos e ter um custo de milhões de dólares. A substância distribuída pela Universidade de São Paulo (USP) não passou pelas fases de testes clínicos em pacientes e, portanto, não recebeu aprovação legal para sua comercialização.

Infelizmente, moramos em um país onde muito pouco (ou nada) é investido em pesquisas clínicas. Não estamos dizendo que a fosfoetanolamina não funcione. Apenas que não há estudos científicos que comprovem e permitam o seu uso para o benefício de um paciente.

Para se ter uma ideia, países desenvolvidos da Europa e também os Estados Unidos têm a prática rotineira de realizar estudos internacionais multicêntricos, por muitas vezes escolhendo o Brasil como um dos centros. Isso acontece, pois, além de no nosso país haver um alto índice de câncer, também contamos com uma população heterogênea. Para aprovar um estudo clínico de um novo medicamento de uma indústria estrangeira no Brasil, é preciso uma aprovação ética da CONEP (Comissão Nacional de ética em Pesquisa), uma aprovação técnica da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e uma aprovação do comitê de ética local de cada centro de pesquisa.

é triste saber que o atraso na liberação dos estudos por parte dos comitês de ética faz com que os grandes laboratórios não tragam estudos novos para o Brasil. Um estudo em países desenvolvidos leva até três meses para ser liberado e, aqui no Brasil, cerca de um ano e meio. Uma agilidade nestes trâmites poderia fazer com que muitos brasileiros fossem beneficiados com novas drogas para o tratamento do câncer.

Como profissional da área da saúde, o que acha sobre a distribuição das pílulas?

Sou completamente contra pelo único motivo de que não há comprovação científica de sua eficácia, segurança e tolerabilidade. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais de cada medicamento. No caso da fosfoetanolamina, nem podemos considerá-la um medicamento, apenas uma substância.

Há maneiras de mudar essa situação? 

A única maneira de mudar essa situação é investindo em ensaios clínicos para que se possa estudar a substância em humanos e comprovar ou não sua eficácia.

é necessário desburocratizar a pesquisa no Brasil, para que o paciente possa ser beneficiado pelo uso de novas drogas quando estas confirmem sua segurança e resposta satisfatória no controle da doença.

Em sua opinião, quem deveria tomar providências?

Nenhum paciente deve abandonar o tratamento orientado pelo seu médico. Sempre que se for buscar tratamentos alternativos, o médico deve ser informado, para que possa orientar o paciente sobre os riscos e benefícios. O problema é quando pessoas com boas chances de recuperação abrem mão do tratamento padrão para se arriscar em terapias não comprovadas. O paciente perde um tempo precioso de tratamento.

Para pessoas que veem as pílulas como uma última chance para tentar sobreviver, o que você recomenda? 

Uma vez que os tratamentos convencionais não conseguem conter a evolução do câncer, é natural ver pacientes recorrendo a tratamentos alternativos, muitos dos quais não têm comprovações científicas. Segundo a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), cerca de 80% dos pacientes com câncer fazem uso de algum tratamento alternativo. Embora muitos desses tratamentos sejam inofensivos, é preciso tomar muito cuidado! A sociedade é enfática: não há nenhum indício de que esses tratamentos contribuam para a regressão ou a cura do câncer.

Além de não contribuir para a melhora, terapias alternativas podem interferir nos resultados das terapias padrão. Muitas dessas substâncias são metabolizadas no fígado e podem alterar a absorção de quimioterápicos, sua eficácia e eliminação.

Saiba mais sobre o desenvolvimento de um medicamento:

O processo de desenvolvimento de um medicamento é longo, elaborado, custoso e que envolve diversos profissionais.

Para melhor entender o funcionamento do mesmo, desde a criação até a aprovação do medicamento, a médica oncologista clínica Sheila Calleari Marquetto explica:

Inicialmente, moléculas são testadas em células e animais, nas etapas chamadas de Estudos Pré-clínicos. Durante essa fase, o potencial tóxico da molécula é minuciosamente investigado, como sua capacidade de causar mutações e teratogenicidade. Uma vez que a molécula prove ser segura em animais e células, ela começa a ser testada em humanos, na fase chamada de Estudos Clínicos, (divididas em outras três fases). Durante esse período, a droga passa por diversos testes para averiguar segurança, eficácia, dosagem, dentre outros. Após a droga apresentar segurança e eficácia nessa fase, ela começa a ser comercializada. A última fase, chamada de fase quatro ou ‘Estudo Pós-clínico, investiga-se a eficácia da droga já sendo comercializada e efeitos em longo prazo na população.

Conteúdo divulgado, inicialmente, no caderno Mais Saúde, da edição de sábado, 24, e domingo, 25, do jornal Folha do Mate.

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