Foto: Letícia Schuler / Tudo e TodasO que você vai ser quando crescer?
O que você vai ser quando crescer?

E não é que ele perdeu mesmo o sono. 

– Filho, agora dorme, amanhã tem aula.

Nada de fechar os olhos.

 – Vamos, Bruno, deita, ou vai ter muito sono amanhã.

– Mas, mãe, estou preocupado, e se as pessoas não gostarem da minha loja…

– Vão gostar, filho, mas se você não dormir, vai estar cansado na aula e não vai ir bem na escola, daí, sim, vai ter problemas com a tua loja.

Foi difícil para o menino dormir naquela noite. Era quase impossível parar de pensar, havia um turbilhão de ideias precisando ser externalizado. A conversa iniciou tranquila, como já havia acontecido em outras situações, mas foi logo ganhando entusiasmo, ganhando euforia, simplesmente explodiu. O quarto escuro brilhava naquele momento. Havia fogos de artifício saindo da cabecinha do Bruno. A imaginação da criança se misturava à sensatez de um adulto e ele me deu a tarefa de anotar tudo e organizar o planejamento de seu negócio.

– Ai, mãe, quero fazer logo 18 anos.

Meu pequeno empreendedor havia começado a conversa avaliando qual profissão iria seguir, a minha ou a do pai, ficou cansado só de pensar em ter que escrever muito, estudar muito, não parecia divertido. Até que a ideia veio num estalar de dedos.

– E se?

– E se o quê, filho?

– Mãe, e se eu tiver uma loja de brinquedos?

Seria uma opção bem óbvia para uma criança de sete anos. Não fosse o que a sequência do diálogo revelou.

– é uma boa ideia, filho, pode ser.

– Minha loja precisa de um nome.

– Claro.

Foto: Letícia Schuler / Tudo e TodasVoa alto, filho
Voa alto, filho

Acabamos fazendo um brainstorming digno das maiores agências de publicidade. E como é fácil realizar uma tempestade de ideias com uma criança. Nunca havia visto a técnica funcionar tão bem. Logo a loja tinha nome:

– Isso, mãe, já escolhi, vai se chamar Divershow. Anota.

E Bruno seguiu como uma metralhadora, listando tudo que eu deveria anotar:

– Mãe, a Divershow vai ter doze metros.

– De frente, filho?

– Não, mãe, de altura, vão ser três andares.

Pensei comigo, esse guri estudou arquitetura enquanto eu dormia?

– Anotei, Bruno.

– De frente, são quinze metros e de fundo também… Deixa eu pensar. Vai escrevendo enquanto eu falo, vou precisar de cinco vendedores e de um funcionário para atender no caixa. Cada um vai receber mil reais por mês. Eu vou ficar na loja vendo se os clientes estão sendo atendidos e se acharam o que procuravam. Se todos os vendedores estiverem ocupados, posso atender também.

– Claro, filho, tem que ajudar.

– Vou precisar colocar uma propaganda na Folha do Mate: – Contrata-se vendedores.

– Sim, colocar uma propaganda na Folha do Mate é bem importante.

– Anota outra, então: – Quer comprar um abajur, apenas R$ 12,99.

– Bom preço, Bruno, vou querer um destes.

– Mas, mãe, a minha loja ainda não está funcionando.

– Ah, quando estiver, então, vou querer um. Agora que está tudo anotado, pode dormir.

– Ainda não. E como eu vou ter dinheiro? Quando chegar a hora, tu me ajuda, mãe?

– Claro, a mãe te ajuda, mas vamos precisar financiar uma boa parte no Banco. Ainda mais pensando que você quer uma loja de três andares…

– E ir pagando aos poucos, com o dinheiro que ganhar na loja?

– Sim, meu economista, é isso mesmo.

 Naquela noite, Bruno sonhou acordado. E sonhou tanto que quase não conseguiu dormir. Naquela noite, ele me fez dormir sonhando. E se?