Se existe um pecado cruel, que deve ser evitado, é a cobiça. Querer o que é do outro. Invejar coisas alheias. Mas, confesso:

– Eu pequei.

E não foi uma nem duas vezes, foram mais. E não foi sozinha, pequei em dupla, com quem deveria ter me ensinado a não cobiçar o que é do próximo.Explico. Eu e minha mãe sempre adoramos crianças. Das recém-nascidas às já grandinhas. São fofas, inocentes, amorosas, divertidas. Permitem-nos despir das amarras do que um adulto pode ou não fazer e voltamos a brincar na areia, correr um atrás do outro, virar estrelinha ou cambalhota. Voltamos a brincar de super-herói, de carrinho, de skate ou patinete. Podemos assistir juntos a filmes de animação e dar gargalhadas altíssimas, fazendo caras e caretas.

E essa foi a motivação de nosso pecado, que acontecia toda vez que entrávamos de férias e íamos para a praia. Bastava avistar uma família com crianças, que surgia aquela sensação de ausência, e o comentário, endossado pelo Cristiano, vinha na sequência:

– Ai, como eu queria um gurizinho para colocar embaixo do guarda-sol. Para fazer castelo de areia, levar no mar pela primeira vez, catar conchinha e cavar um buraco até o Japão. (ou vai dizer que na infância você nunca fantasiou com isso?)

Não havia maldade, apenas o desejo muito grande de ter um pequeno só nosso, para amar, passar protetor e perguntar dezenas de vezes se queria alguma coisa para comer. Alguém por quem andássemos carregados até a areia da praia. Que nos fizesse reorganizar a rotina e levar muito mais do que um guarda-sol e algumas cadeiras para curtir o litoral. Alguém que nos fizesse incluir entre as bagagens, baldinhos, pazinhas, moldes coloridos de siri, estrela do mar e barquinho. Além de toalhas, protetores, roupão e bermudinhas extras.

Eis que ele chegou. Em pleno mês de janeiro. Mas naquele ano só havia conhecido o mar de dentro de minha barriga. Ou barrigão. No verão seguinte, lá estávamos nós, com aquele menino tão sonhado debaixo de nosso guarda-sol. Todas as atenções voltadas para ele. Foi-se a cobiça e veio a realização. Na primeira ida à praia, Bruno ainda nem caminhava. Mas não precisava, andávamos em disputa para ver quem o levaria ao mar.

Alguns anos se passaram e Deus foi tão generoso que multiplou por quatro nosso desejo. Não temos mais um menino embaixo do guarda-sol. Nem ao menos podemos nos dar ao luxo de carregar apenas um guarda-sol para a beira da praia. As bagagens aumentaram proporcionalmente ao aumento de crianças. Hoje, nos vimos em meio a quatro garotos. Nosso guarda-sol recebeu a companhia de uma tenda, e quase precisamos de uma mala para as bermudinhas extras.

Percebi que a cobiça nos foi perdoada, talvez por não conter maldade em nosso desejo. Apenas uma vontade enorme de ter alguém para amar incondicionalmente. E para dividir com essa (s) pessoinha (s) nosso amor pelo mar e por todo o seu entorno. Assim como pela possibilidade de nos reunirmos para, uns aos outros, curtirmos a alegria de estar juntos, de pés descalços e alma leve, nos permitindo reviver sensações e alegrias que a infância sempre traz.Obrigada aos meninos de minha vida: Bruno, Thomaz, Arthur e Rafael. Também ao Guilherme, ao Lucas, ao Matheus, que já nos permitiram um teste drive em verões mais remotos. Vamos tentando, uma hora dessas ainda chegamos no Japão.

Foto: Paula Carvalho / Tudo e TodasGuarda-sol repleto, sonho realizado
Guarda-sol repleto, sonho realizado