“Está curto”, “ai, é decotado”, “o que as pessoas vão pensar se te verem usando isso?”, “vai sair assim?”, “tu realmente acha essa roupa adequada?”, “tu vai mesmo trabalhar assim?”, “está pedindo para ser estuprada”, “vai ouvir comentários e não pode reclamar”, “ou muda de roupa ou a gente não sai”, “isso não é roupa adequada para trabalhar.”
A ‘Maria’ ouviu uma dessas frases na semana passada. A ‘Joana’ ouviu no início dessa. ‘Camila’ ouviu os comentários preconceitos sobre sua blusa decotada – que, diga-se de passagem, estava coberta por um lenço. ‘Alice’ teve que mudar de roupa antes de ir trabalhar, porque o marido não gostou do comprimento. ‘Verônica’ se olhou no espelho, gostou, mas trocou porque sabia que o chefe iria comentar. ‘Bianca’ não ouviu comentários, mas sentiu os olhares, que não eram poucos, analisando-a e em seu pensamento e lá no fundo da alma, soube do que se tratava.
“Por que saia e não uma calça?”, “por que vermelho e não bege?”, “por que tu não colocas uma blusa mais fechada?”, “precisa usar uma calça tão colada?”, “e esse vestido? isso não é roupa para trabalhar, sabia?”, “tu não se preocupa com o que os outros vão achar ou pensar quando te verem vestida assim?”.
Não, meu caro. Não me preocupo. E você também não deveria se preocupar. Afinal, sou maior de idade, vacinada, pago minhas contas, sou dona do meu nariz e conheço meu corpo melhor do que ninguém. Se o fulano pensa que sou oferecida por usar uma saia mais curta, azar o dele. Se o ciclano pensa que estou tentando seduzir alguém por usar decote, ele que se dane. Se o beltrano acredita que vou ser taxada de ‘fácil’, ‘piriguete’ ou qualquer outro termo que ele ache ‘adequado’, desejo que ele vá para aquele lugar.
Sabe por que eu não me preocupo mais (aliás, algum dia, de fato, eu me preocupei?), porque de forma alguma eu irei agradar a todos. Minha roupa sempre vai ser curta, chamativa, de cores fortes e ‘seduzentes’, que vão contra a moral e os princípios de algo ou alguém. Não importa o que eu use, meu caro, porque sempre haverá alguém para reclamar, apontar o dedo e falar que está errado.
Usar saia mais curta ou qualquer peça mais colada é ser vulgar, mas usar uma ‘burca’ é sinônimo de submissão e de não conseguir se impor perante as próprias vontades. Mas, na verdade, nada disso faz sentido. Nada disso realmente importa.
O que precisa ficar claro para mim, para você, para a ‘Maria’, para a ‘Alice’, a ‘Bianca’, a ‘Verônica’, para o ciclano, o fulano e o beltrano é que ninguém – exatamente, ninguém – tem o poder de decidir a minha roupa. Ninguém pode dizer o que eu devo ou não usar, o que é ou não apropriado, o que vai ou não chamar a atenção.
O que as pessoas precisam entender (e de modo geral é a grande maioria delas) é que o mundo não se baseia em vontades supremas. Ele se baseia em diferenças que precisam ser aceitas e, principalmente, respeitadas. Você precisa entender que a ‘Verônica’ gosta de usar saia curta, mas que nem sempre ela vai usar. Que a ‘Joana’ prefere decotes, porque tem um lindo colo, mas ela vai saber o momento certo de não usar. Que a ‘Camila’ prefere cores mais atrativas, como vermelho e vinho, mas que ela também sabe usar preto, azul e verde.
Você, assim como todo o resto da sociedade, precisa compreender que as pessoas tem gostos, vontades e opiniões próprias. E não é com base nelas que você pode julgar ou rotular alguém, porque, convenhamos, fazer isso de qualquer forma é ridículo. Então, que fique claro, você não tem o poder de decidir a roupa que eu, ‘Joana’, ‘Maria’, ‘Alice’, ‘Bianca’, ‘Verônica’ ou qualquer outra mulher deve ou pode usar. O corpo, o gosto, a vontade, o desejo e as escolhas são minhas. Quem cuida disso tudo sou eu. E somente eu.