Bailes nas comunidades, trajetos feitos sobre a carroceria de caminhões, concursos inesquecíveis e muitas histórias para contar. Quando se pensa em ‘tradição’ em Venâncio Aires, o Carnaval do interior é quase um sinônimo.
Em muitas localidades, os foliões não são apenas participantes assíduos de décadas. Eles guardam em casa um item característico de cada bloco: as camisetas. Em Linha Antão, por exemplo, alguns integrantes têm as peças até hoje, como Noêmia Keller e Carline Linck. Além delas, o casal Elaine e Orci Vogt também mantém camisetas e, somando essas coleções, o Ritmo Quente tem peças de todos os anos a partir de 2001 – o bloco foi fundado 1997 e é o caçula da Associação Carnavalesca do Interior de Venâncio Aires (Aciva), o qual integra desde 1998.
“Descobrimos que mais gente guardava as camisetas quando fizemos o histórico do bloco, em 2020”, conta Elaine, atual presidente do Ritmo Quente. Desde então, foi criado um perfil no Instagram (@ritmoquente.rq), onde há fotos e informações gerais sobre o grupo. O bloco também é tradicional nas participações dos concursos de rainha do Carnaval do interior e, desde 1999, elegeu sete representantes nos trios, entre elas a atual rainha, Amanda Müller.
Para dar ‘peso’ à torcida durante as escolhas, desde 2018, o Ritmo Quente conta com mais um integrante: o mascote Nêne (boneco confeccionado nos moldes da figura que estampa as camisetas – inclusive com uma barriga saliente). “Ele é um diferencial da turma e como nas torcidas vale a criatividade, pensamos em ter um mascote”, explica Elaine.
Anfitriões e convidados
A Associação Carnavalesca do Interior de Venâncio Aires (Aciva) tem sete blocos associados ao Departamento Adulto. O mais antigo é o Imperadores da Folia, de Linha Cecília, criado em 1973. Embora seja uma trajetória de quase 50 anos, mesmo os mais novos fazem questão de saber sobre as histórias de outros carnavais.
É o caso de Luana Henckes, 21 anos, atual primeira princesa do Carnaval do Interior de Venâncio e que integra o Imperadores da Folia. Para ela, o Carnaval do interior é tradicional, em especial, porque cada bloco promove sua própria festa, fazendo com que os foliões se sintam tanto anfitriões quanto convidados. “Levam a animação para determinada festa retribuindo e esperando a mesma emoção e empolgação na festa de seu bloco. É uma tradição prestigiar cada cantinho do nosso interior e valorizar cada localidade pela dedicação nos detalhes pensados para que tudo aconteça.”
A paixão de Luana pelo Carnaval foi, durante muito tempo, alimentada a distância. Ou seja, ela não participou de grupos infantis, por exemplo, mas desde criança vibrava quando via as cortes desfilando. “Eu sempre prestigiava sambando e sempre com o intuito de estar na corte algum dia. Até na festa de Comunhão, eu subi ao palco e fiz uma apresentação de samba. Hoje se torna realidade e levo comigo a essência de cada pessoa para que todos se identifiquem e sintam essa mesma emoção, dos que cultivam desse mesmo amor que é o Carnaval do interior.”
Rainha do Carnaval e da Fenachim no mesmo ano
Curiosamente, um fato ‘incomum’ dentro do conceito de tradição também faz parte da história do Carnaval do interior. Incomum porque foi muito breve. No início de 1985, com apenas 17 anos, Simone Schwingel, que até então não tinha envolvimento direto com carnaval, foi convidada para representar o bloco do Santa Tecla, o Pé Trocado. E acabou eleita rainha no primeiro concurso do Carnaval do interior. “Na época era uma escolha diferente. Naquele tempo era avaliada apenas a beleza e a desenvoltura das meninas, não precisava ter ‘samba no pé’”, conta Simone, que está com 54 anos e é terapeuta holística.
Poucos meses depois, em agosto de 1985, ainda com 17 anos, ela também foi pioneira em outro concurso importante para aquela que se tornaria a maior festa de Venâncio Aires: Simone foi eleita rainha da primeira edição da Festa Nacional do Chimarrão, que aconteceria em 1986.
No Carnaval seguinte, já como soberana da Fenachim, Simone entregaria a faixa para a rainha do Carnaval do interior de 1986, Lisane Stohr, e encerraria assim seu breve envolvimento nas festividades. “Muita gente se decepciona até hoje, perguntam por que não segui participando das atividades. Mas eu era muito nova e tudo era novidade. Depois vi que não era para mim, eu sempre fui muito ‘na minha’. Foi breve, mas valeram todos os momentos”, relata Simone.
Uma faixa que guarda as memórias da infância
Tão tradicional quanto o Carnaval adulto, o infantil também é destaque histórico. Muita gente, quando criança, ‘pulou’ ao som de ‘Ilariê’ da Xuxa ou com as marchinhas nas tardes de sábado e domingo. É o caso de Roselaine Jaqueline Gerlach, 49 anos, natural de Linha Marechal Floriano.
Ela foi eleita uma das princesas no primeiro concurso da corte infantil, realizado em 1985, quando tinha 12 anos e representou o então bloco Beija Flor, hoje Os Noventinhas. Até hoje, guarda a faixa recebida e mandou um depoimento muito bacana à reportagem. Confira o que ela disse:
“Puxa vida, como nós esperávamos por esta época do ano! Lembro daquele domingo à tarde de Carnaval no Salão Rio-Grandense, em Arroio Grande. A escolha da rainha e princesas, era o primeiro concurso, tudo bem simples, sem ensaios, coreografias ou fantasias e sem praticamente divulgação pela mídia. Era apenas o início. Pena não ter foto…
Íamos numa camioneta com carroceria aberta, gritando o nome do bloco e ‘Viva o Carnaval’ a viagem toda e, quando chegávamos no salão, era a hora top! Naquela tarde participei da escolha com a cara e a coragem. Passei antes na casa da minha amiga Elaci Câmara Rupenthal, onde a irmã mais velha dela, Glaci Nagel, me maquiou levemente e lembro que eu tinha umas estrelinhas coladas no rosto em volta aos olhos.
Aconteceu o desfile e, enquanto aguardávamos num quarto no salão, lembro que a 2ª princesa Marta Rupenthal, da Linha Brasil (já falecida) estava ansiosa pelo resultado. Mas era notório o destaque da rainha Fabiana Olga Rupenthal, dos Palmeirinhas, também do Arroio Grande. Ela tinha uma fantasia linda e estava bem produzida, sabíamos que venceria por merecimento.
Mas mesmo assim nos divertimos muito e curtimos cada minuto daquela tarde! Teve até valsa depois do resultado anunciado. Isso mesmo, valsa! Convidei meu amigo Gilson Ludwig (também já falecido) para ser meu par. A dança foi meio atrapalhada, cada qual pisava mais nos pés do outro…
Voltamos para casa fazendo festa e comemorando muito o título. Tenho minha faixa guardada até hoje e, sempre que a vejo, recordo com carinho aquela tarde e tantas outras que nos divertimos na infância. Tenho certeza que tudo isto nos deu estrutura para a vida e até hoje rende muitas risadas entre amigas quando vem em o assunto Carnaval infantil.”
Aventuras a bordo de um caminhão
Algo que foi, durante muito tempo, característica marcante dos carnavais do interior, as viagens a bordo de caminhões não saem da cabeça dos foliões das antigas. Entre as décadas de 1980 e 1990, principalmente, quem nunca precisou se equilibrar sobre a carroceria após o solavanco causado por um buraco na estrada?
Quem muito andou de caminhão pelo interior afora, partindo da Linha Marechal Floriano, foi o vice-presidente da Aciva, Jairo Bencke. Ele conta que, além dos veículos maiores, era comum alguns viajarem a bordo de caminhonetas. E foi com uma dessas que ele lembra de um Carnaval de 1989, quando tinha 8 anos. Na época, participava do bloco infantil Beija Flor e ia para as festas de outras localidades na C10 1974 de cor vermelha do senhor Elemar Dreissig.
Como eram muitos integrantes e cada um levava os pais, a caminhonete logo lotava. Assim, todos viajam em pé e, quando tinha uma subida muito íngreme, precisam descer e caminhar. “Numa dessas, quando subimos novamente consegui um lugar bem na frente, onde pegava todo o vento no rosto. Mas deixei minha mão onde fecha a porta do motorista. Ele a bateu, prensou meus dedos e comecei a gritar. Como tínhamos o costume de passar o caminho todo cantando ou gritando o nome do bloco, meus colegas acharam que eu estava gritando o nome do bloco e começaram a gritar também. Sorte que com a outra mão consegui bater no vidro e o motorista percebeu. Lembro que chorei um pouco, mas nada que impedisse de aproveitar a tarde quente e animada de uma folia.”
Blocos integrantes da Aciva
Departamento Adulto
• Geração 90 – Linha Marechal Floriano
• Ritmo Quente – Linha Antao
• Imperadores da Folia – Linha Cecília
• Os Palmeirenses – Linha Arroio Grande
• Imma Knill – Santa Emília
• Mestres do Ritmo – Linha Andréas
• Os Imigrantes – Centro Linha Brasil
Departamento Infantil
• Os Noventinhas – Linha Marechal Floriano
• Os Palmeirinhas – Linha Arroio Grande
• Turma do Barulhinho – Linha Brasil
• Os Travessinhos – Linha Travessa
• Os Malandrinhos – Linha Andréas
• Os Fofinhos – Vila Deodoro
• Turma da Folia – Linha Cecília
• Os Imigrantes – Centro Linha Brasil
Relação de rainhas Carnaval infantil do interior
1985 Fabiana Ruppenthal
1986 Melene Unser
1987 Luciane Richter
1988 Juliana Andress
1989 Luciane Klamt
1990 Joice Seibt
1991 Rosiele Klafke
1992 Carine Fengler
1993 Adriana Gollmann
1994 Carine Neivert
1995 Carla Ruppenthall
1996 Jéssica Lorena
1997 Juliani Klamt
1998 Carin Specht
1999 Patricia Metz
2000 Angela Roberta Bencke
2001 Janaína Lais Wagner
2002 Ana Paula Peiter
2003 Andriele Bergmann
2004 Paula Vogel
2005 Veridiana Röshler
2006 Ana Luiza Bencke
2007 Janine Schwendler
2008 Fernanda Schwaickardt
2009 Mikaela Bade
2010 Amanda Carolina Campos
2011 Janine da Rosa
2012 Natalia Fengler
2013 Ana Carolina Eggers
2014 Larissa Bencke Fengler
2015 Camille Alana Vogel
2016 Maria Eduarda Fengler Kist
2017 Ketlyn Roberta da Silva
2018 Thayla da Costa
2019 Nicole Bublitz
2020 Lunara Mello
2022 Valentina Bencke
Relação de rainhas Carnaval adulto do interior
1985 Simone Schwingel
1986 Lisane Stohr
1987 Patricia Goebel
1988 Márcia Elise Fürst Gollmann
1989 Angela Schwengber
1990 Melene Unser
1991 Angela Ribeiro
1992 Luciana Oliveira de Oliveira
1993 Marilei Metz
1994 Cinara Schwengber
1995 Alessandra Ludwig
1996 Mavi Aline Christmann
1997 Luciani Klamt
1998 Carla Welter
1999 Elenice Ines Eggers
2000 Juliana Fernandes
2001 Giovana Ferreira Bencke
2002 Barbara Fischer
2003 Mariana Henckes Frey
2004 Rozana Reckziegel
2005 Joice Fabiane Hickmann
2006 Francine Fengler Etges
2007 Letícia Wacholz
2008 Juliana Jacobsen
2009 Débora Dezan
2010 Veridiana Röhsler
2011 Monizi Packert
2012 Jéssica Fernanda Zarth
2013 Camila Finkler
2014 Luana Konrad
2015 Evelin Heller Pacheco
2016 Danyela Dreissig
2017 Alessandra Parckert
2018 Karolain Vogt Xavier
2019 Josiane Wolschick
2020 Taliana Silva
2022 Amanda Müller