Por Leonardo Pereira e Juan Grings
Passadas as ações emergenciais de salvamento e auxílio às vítimas das enchentes do rio Taquari e arroio Castelhano, inicia uma nova etapa nas próximas semanas e meses: a análise e estudos para reduzir os impactos das próximas cheias em Venâncio Aires e região. Entre as hipóteses mais citadas nas últimas semanas está o desassoreamento do rio Taquari e de outros rios e arroios, em especial a dragagem. No entanto, a ação divide opiniões entre especialistas e representantes de instituições e municípios.
Mas qual a diferença entre desassoreamento e dragagem?
É necessário, inicialmente, esclarecer a diferença entre desassoreamento e dragagem – que, para muitos podem ser sinônimos. O desassoreamento é uma tentativa de retirar os sedimentos depositados, para que o rio volte a ter a profundidade original, enquanto que a dragagem não necessariamente é realizada em lugares que sofreram com o assoreamento e acúmulo de material.
Conforme o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integrante do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), e doutor em Hidrologia, Walter Collischonn, os rios transportam não apenas água, mas também sedimentos, entre eles argila, que são partículas pequenas, o silte (que é maior e mais fino), a areia (que pode ser fina, média ou grossa), e os seixos ou cascalhos. “Os seixos e cascalhos podem se depositar no leito do rio Taquari e, com isso, o leito do rio passa a ser menos profundo do que era antes”, explica.
Para o vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Taquari-Antas, Júlio Salecker, o desassoreamento e, inclusive, ações de dragagens, são técnicas que estão entre prioridades das reuniões – que envolvem Secretaria Estadual do Meio Ambiente, comitê do Taquari-Antas, prefeitos e associações. “Essa prioridade vai para o Estado. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente vai contratar um estudo, que indicará onde é adequado realizar o desassoreamento”, explica.
Nesse planejamento constará os trabalhos de campo, que incluem topografia, topobatimetria, verificação do canal, capacidade deste, velocidade da água e outros pontos. “O estudo trará quais os locais adequados e em que profundidade e volume de material será necessário”, frisa Salecker.
Dragagem como alternativa
A dragagem pode ser realizada por máquinas escavadeiras ou por bombas de sucção, dependendo do tipo de sedimentos que se pretende retirar. Ainda assim, ela é diferente do desassoreamento, pois pode ser realizada em um rio que não sofreu alteração. “São exemplos locais onde é necessário aprofundar o leito por alguma outra questão, como permitir a navegação”, elenca o professor.
De acordo com Collischonn, a dragagem pode ser uma alternativa interessante nos trechos de rios em que for comprovado que houve um assoreamento e que compromete o funcionamento hidráulico daquele trecho. Para isso, é necessário realizar um procedimento chamado de batimetria, com medições da profundidade do rio em vários pontos. Com a batimetria, é possível comparar o mesmo local em 2018 ou 2020, para assim observar se o leito está mais elevado e, então, comprovar o assoreamento.
Além da comparação de batimetrias, é necessário realizar cálculos hidráulicos para verificar se o nível de água nos locais mais críticos, junto às cidades por exemplo, seria alterado como resultado de uma dragagem. “Existem locais que ficam assoreados em que a dragagem pode não trazer nenhum benefício”, frisa.
Valores
Conforme o professor Walter Collischonn, é importante analisar a dragagem também do ponto de vista econômico, comparado a outras alternativas. A estimativa do professor é um custo estimado em R$ 400 milhões na dragagem do Taquari, que reduzir o nível de água máximo em até 35 centímetros durante a cheia. “A sociedade precisa se perguntar se não seria mais inteligente gastar este recurso com outras alternativas, inclusive a construção de novas moradias em locais mais altos”, questiona.
É necessário ainda analisar a sustentabilidade econômica da dragagem. Em alguns casos, os efeitos podem ser duradouros, enquanto outros podem durar apenas poucos meses. “Precisamos debater com dados concretos. Acredito que pode ter ocorrido assoreamento no Taquari, mas também pode ter ocorrido erosão em outros pontos, em que o rio pode estar mais profundo.”
De acordo com o vice-presidente do Comitê Taquari-Antas, Júlio Salecker, não há como precisar o valor que custaria o processo, porque primeiro é preciso analisar onde e como ser feito. Ele explica que precisa ser elaborado um levantamento através de uma topobatimetria, com a utilização de sonares que medem o volume de material que precisa ser retirado. “Precisamos entender que não existe mais valor alto depois dos danos que o Vale sofreu, com destruição de casas, vidas, animais, produção agrícola, comércio, indústrias e infraestrutura pública.” Salecker diz que há recursos em fundos mundiais para desastres naturais e, também, nas esferas federal e estadual.
“Creio que a dragagem e o desassoreamento devem ser considerados como alternativas, mas não devem ser realizados ou contratados antes que se saiba onde dragar, quanto deve ser dragado, e qual o benefício da dragagem em termos de redução do nível da água durante as cheias, entre outras questões.”
WALTER COLLISCHON
Doutor em Hidrologia e integrante do IPH da UFRGS
O que ocorre no rio Taquari
Segundo o professor Walter Collischonn, em rios como o Taquari, os sedimentos mais finos, como argila, silte e areia são levados pela água com facilidade, especialmente durante as enchentes. “Esse tipo de material mais fino não se deposita por muito tempo no leito, por causa da velocidade da água durante as cheias”, explica.
No entanto, a areia pode se depositar quando a água chega no rio Jacuí e no Guaíba, onde a velocidade da água diminui. Enquanto que silte e argila, materiais mais finos, são levados adiante até a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. “Trechos do rio sofreram uma grande transformação porque foram depositados mais sedimentos do que havia antes.”
A dragagem é uma atividade realizada rotineiramente em diversos cursos d’água, que consiste na retirada de materiais de um trecho para ser depositado em outro local. Existem diversos maquinários para realizar a dragagem, dentre eles dragas de cabo, de escavadeiras hidráulicas, plataformas com retroescavadeiras, guindastes (conhecidos como draglines), navios para levar o material e entre outras possibilidades.
Dessassoreamento e dragagem na pauta da Amvat
A Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), composta por 27 municípios da região, coloca o desassoreamento como uma das principais pautas das reuniões. Conforme o presidente da Amvat e prefeito de Bom Retiro do Sul, Edmilson Busatto, o tema já foi discutido com o promotor de Justiça regional do Meio Ambiente, Sérgio Diefenbach, e também no Comitê da Bacia Hidrográfica do Taquari-Antas. “Na sexta-feira, 28 de junho, tivemos um encontro em Caxias do Sul, onde um dos eixos debatidos foi exatamente esse. De fato, é algo que pode dar resultado para reduzir as enchentes, mas ainda não há certeza absoluta”, diz.
Busatto destaca que, após o retorno dos prefeitos do Rio Grande do Sul de Brasília – onde participaram de uma marcha em busca de recursos para a reconstrução do estado –, o objetivo é reunir os chefes do Executivo do Vale do Taquari para analisar as possibilidades. “Dragagem, barragens e outras alternativas precisam ser colocadas em pauta, para mitigar as enchentes”, afirma.
Professora alerta para riscos ambientais e sociais em Venâncio
Assim como acontece nos municípios que são banhados pelo rio Taquari, a necessidade de dragagem do arroio Castelhano, em Venâncio Aires, é uma necessidade reconhecida pela Prefeitura. No entanto, a professora da Univates e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, a venâncio-airense Sofia Royer Moraes, defende que esse trabalho só aconteça depois de muito estudo. Como explica, uma dragagem feita de forma inadequada ou em um local arriscado pode ter repercussões desastrosas do ponto de vista ambiental e humano: “Na prática, pode fazer com que a água desça com muito mais velocidade. Ou seja, se não for bem projetado, uma casa que não alagava pode inundar e de uma forma muito rápida”, exemplifica.
Além disso, outro problema que pode ser gerado, a partir de uma dragagem mal planejada, se refere ao próprio assoreamento do arroio pela erosão provocada pela água em outros pontos, a partir da dragagem, o que pode até ter efeito inverso do planejado – ao retirar sedimentos do recurso hídrico, podem ser potencializadas as condições de erosão e assoreamento, além de desmoronamentos e perda de áreas ribeirinhas. “É necessário ter estudos e análises técnicas para fazer a dragagem nos locais adequados e não causar erodibilidade das margens, agravando o assoreamento. É importante analisar toda a dinâmica dos cursos de água e a antropização que o cerca, tanto urbana, quanto rural”, pontua.
Há, ainda, a necessidade de se analisar quais materiais ficam no fundo dos rios e arroios. A especialista conta que o sedimento retirado pela draga tende ter altas taxas de contaminantes, o que pode gerar grande impacto na qualidade da água. “O que a comunidade científica vem alertando para as autoridades é que façam estudos técnicos de dragagem antes para se ter uma análise certeira, de onde ser feito e como ser feito”, diz.
Contexto
A professora afirma que, muito mais do que entender a vazão da água, a sedimentabilidade do Castelhano e a sua profundidade, os estudos também precisam levar em consideração os aspectos sociais, o contexto regional e o seu comportamento histórico. “A mudança do curso da água é muito natural. O rio está o tempo todo mudando de lugar. Outro fato interessante é que cada um dos afluentes compõem uma grande bacia hidrográfica. A água que passa pelo Castelhano chega ao lago Guaíba, por exemplo, e isso significa que a discussão por soluções precisa ser analisada pelo contexto de bacia hidrográfica, com olhar sistêmico sobre soluções conjuntas”, cita. O arroio Castelhano integra a bacia hidrográfica Taquari-Antas.
Indicativos
Por ser venâncio-airense, a professora, que é uma das principais referências sobre a dinâmica do arroio que atravessa o município, conta que já ouviu relatos de moradores que ratificam indicativos de que a dragagem é necessária, como, por exemplo, trechos em que a profundidade é mais rasa do que já foi. Também há outros pontos com bastante material acumulado. Na sua maioria, galhos de árvores e pedaços de madeira. Porém, Sofia alerta que essas informações precisam de mais embasamento: “Não sabemos em quanto tempo essa dinâmica ocorreu. É importante analisar e compreender o que ocorre em dois, 10 ou 30 anos.”
Ações conjuntas
Somente a dragagem não vai resolver os problemas da enchente na região baixa de Venâncio Aires. A engenheira ambiental defende que sejam utilizadas técnicas conjuntas para avaliar onde há necessidade de dragar. Para além da remoção dos sedimentos, pode ser pensada a instalação de lagoas de retardo, especialmente na parte mais alta e média do Castelhano. As análises precisam ser feitas considerando o arroio a partir de sua nascente, ainda na região de serrana – na divisa da Capital do Chimarrão com Santa Cruz do Sul, até sua foz, no rio Taquari. Bacias de retardo ou leitos de amortecimento têm a capacidade de diminuir a velocidade de escoamento da água. Na bacia hidrográfica do arroio, a maior altitude chega a 680 metros.
“Diminui a velocidade de escoamento da lâmina d’água, faz dragagem onde precisa e realiza replantio da vegetação nativa. São ações sistêmicas. Nunca é uma ação sozinha que resolve. Não podemos não aceitar análises sintéticas, temos que avaliar o conjunto, município, bacia hidrográfica, levar em consideração aspectos físicos, hidráulicos, químicos, sociais e ambientais. Se não, é mais do mesmo, muito se investe e nada é resolvido”, provoca.
“A água sabe mais do que a gente por onde ir. A gente sabe muito pouco.”
SOFIA ROYER MORAES
Engenheira ambiental e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental
Diferença do Arroio Castelhano para o rio Taquari
Por se tratar de um arroio, é muito mais fácil, rápido e barato realizar estudos e posterior dragagem no Castelhano – na comparação com rios como o rio Taquari, de acordo com Sofia Royer Moraes. É um canal mais estreito, menos profundo e com acesso mais simplificado. A especialista projeta que um estudo do arroio dure pelo menos dois meses para análise da condição de dragagem, a depender das condições do tempo.
Deputado apresenta projeto para buscar repasses para desassoreamento
O deputado estadual Guilherme Pasin (PP) propõe o Projeto de Lei nº 145/2024, que criaria uma política estadual de apoio e fomento ao desassoreamento de rios, arroios, açudes, lagos, lagoas e lagunas. O objetivo, conforme ele, é prevenir e minimizar efeitos e danos causados por enchentes, inundações e alagamentos, além de reconhecer o caráter social da atividade de desassoreamento para o Rio Grande do Sul.
Ex-prefeito de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, Pasin afirma que a experiência como chefe do Executivo de uma cidade cortada por rio e a convivência com líderes municipais na mesma situação, o fez colocar em pauta o tema. “Todos percebemos a burocracia existente e a falta de uma visão estratégica para os corpos hídricos no estado, onde a legislação inexiste e somos regidos por decretos, instruções normativas e visões de governos ou grupos técnicos, câmaras técnicas de plantão. Acredito que falta uma visão de longo prazo”, enfatiza o deputado.
Segundo ele, o desassoreamento é uma possibilidade real de voltar a enxergar a navegabilidade dos rios, do retorno das profundidades originais e minimizando o impacto das cheias. Está marcado para o dia 15 de julho, uma audiência pública na Assembleia Legislativa, com a intenção de ampliar o debate sobre a proposta. “Não tenho a pretensão de que o projeto seja aprovado exatamente como está. Penso que a contribuição de outros deputados, de técnicos, da sociedade civil, é fundamental para qualificá-lo, inclusive”. Completa.