Ele já percorreu os cerca de 100 quilômetros do maior manancial de Venâncio Aires. De ‘cabo a rabo’, conhece todas as curvas naturais e os desvios feitos pela ação do homem. Sabe onde são os pontos mais rasos e os mais fundos. Já pescou, em outros tempos, as traíras mais carnudas e até dourado.
Como um pai zeloso que cuida bem do filho, também sugere e já tomou as próprias atitudes quando julgou necessário. Esse é Pedro Paulo Führ, 67 anos, aquele que pode ser considerado um guardião do arroio Castelhano.
Pedro ‘Fia’, como é chamado (na pronúncia apressada do sobrenome tremado), nasceu para os lados de outra barranca, de outro arroio. Natural de Cruzeiro do Sul, nos limites do Sampaio, veio para Venâncio com apenas dois anos, depois que o pai, Arlindo, começou a trabalhar na Venax.
Na década de 1950, a família se instalou na várzea do Castelhano, local ao norte da rua Sete de Setembro, a última nesse lado da cidade. Hoje, seria nas imediações da rua Getúlio Vargas. Mas, há cerca de 60 anos, onde tudo era só campo, moravam os Führ, os Mayer (que deu origem ao nome Vila Mayer) e a família de Pedro Grünhauser (que hoje é nome de rua no bairro União).
Tão logo trouxe a família, Arlindo já tratou de levar o filho Pedro dentro de um caíque, uns caniços e passavam horas, todos os sábados, sobre as águas do Castelhano. “Dava piava, jundiá, carpa, traíra e até dourado. Hoje não tem mais nada”, conta o pintor aposentado, saudoso dos tempos de um arroio recheado de peixes e cuja água se bebia direto, com a mão. Vale lembrar que ainda hoje mais de 50 mil pessoas bebem dessa água, mas depois que ela é tratada e distribuída pela Corsan.
PREOCUPAÇÃO
O gosto pela pescaria não foi o único herdado do pai. Pedro conta que Arlindo sempre o aconselhou a plantar árvores. “A gente comia uma fruta, o pai dizia: vamos largar a semente, que daqui uns anos outros vão poder comer e reflorestar também, daí a beira do arroio fica protegida.”
Já adulto, Pedro foi trabalhar em Boqueirão do Leão, oportunidade que conheceu a nascente do arroio, em Linha Datas. Da região serrana até o rio Taquari, onde o Castelhano desemboca, são cerca de 100 quilômetros, já percorridos pelo aposentado de barco. “Mas tem lugar que não tem mais como passar, de tanto galho, entulho ou só cascalho. Onde já tinha seis metros de fundura, hoje tem 30 centímetros”, relata.
Respeito pela natureza
Pedro estudou só até a quinta série na escola Monte das Tabocas, mas carrega um conhecimento invejável sobre meio ambiente e botânica. Muitas das árvores frutíferas e outras tantas que se identificam na área da várzea, entre o começo do Acesso Grão-Pará até o arroio, foram plantadas por ele. Há espécimes de cedro, pitanga, angico, salseiro, laranjeiras, bergamoteiras, limoeiros e bananeiras. Tem fruta o ano todo.
Atento à limpeza do arroio, já perdeu a conta de quanto lixo e ‘tudo que se pode imaginar’ tirou ou encontrou na água. “Pneus, plástico, boi, capivara, ovelha, cachorro e gente que morreu, seja afogada ou por outro motivo”, relata.
CURIOSIDADES
As décadas ao redor do Castelhano também guardam histórias curiosas e uma aconteceu nos anos 1970, quando a ponte principal era um pouco antes de quem seguia no sentido sul-norte do acesso. Naquele tempo, o traçado do arroio ainda não havia sido desviado para a construção da antiga Estação de Tratamento de Água (ETA).
Era uma madrugada de sábado para domingo e Pedro e um amigo pescavam no hoje chamado ‘Castelhano velho’, quando ouviram um estouro. Um casal, que voltava de um casamento a bordo de um Fusca, bateu na cabeceira da ponte e o veículo caiu dentro do arroio. “Vi uma moça baixando e subindo na água, era fundo, gritando por socorro. Me joguei atrás e consegui arrastar ela até a borda.”
Apesar de um ferimento grave na perna, Pedro conta que a mulher lamentou muito outro fato. “Ela tava mais preocupada com o sapato, que perdeu na água”, lembra, entre risos.
Há 65 anos morando na parte baixa da cidade, o aposentado destaca que a força do Castelhano o surpreendeu em 1974, quando viu a maior enchente da sua vida. “Foi água até no Clube Leituras.”
FUTURO
Levado pelo pai, Pedro já navegava no Castelhano desde que aprendeu a segurar uma vara de pescar. Assim foi com os filhos dele, Marlon (37 anos) e Paulo (que faleceu muito jovem, com apenas 19 anos).
Agora, ele diz que a meta é levar o afilhado, João Vitor, 6 meses, e o primeiro neto, João Pedro, de 3 meses. “Eu gostaria muito de levar eles. Por mim, assim que eles estiverem maiorzinhos, quero levar pra ensinar a pescar, plantar umas frutas e cuidar da natureza. Vou ensinar tudo sobre o arroio.”