Não existe conservação da água sem conservação do solo. “Quando falamos em solo, estamos automaticamente falando em água”, esclarece a engenheira agrônoma Cláudia Alessandra Peixoto de Barros, mestre e doutora em Ciência do Solo. Por conta disso, garantir que exista água de qualidade e em quantidade necessária para abastecer a população passa, necessariamente, pelos cuidados com o solo. “Ao falarmos de degradação do solo, a preocupação não é só apenas pensando no solo para cultivo, para a agricultura, mas também na água que chegará nas nossas casas”, explica.
Embora isso possa passar despercebido, no dia a dia, a relação mútua entre solo e água é fácil de ser entendida. Um solo de boa qualidade consegue ‘segurar’ a água da chuva, que, por sua vez, contribui para uma ‘terra viva’ e de qualidade.
Quando a água cai sobre um solo com cobertura vegetal, ocorre um processo de infiltração de forma mais eficiente, por meio do qual as plantas absorvem a água e armazenam ela no solo. “É essa água da chuva que se infiltra de forma lenta e profunda que mantém a vazão dos rios e arroios ao longo do tempo”, explica Cláudia, ao se referir à água que alcança o lençol freático e à água de subsolo.
Já um solo ‘pobre’, manejado inadequadamente, sem cobertura vegetal, não consegue reter a água da chuva. “Em solo degradado, a água escoa superficialmente, vai embora e carrega consigo, além do solo, o adubo e os agrotóxicos, o que gera aumento nos custos de produção”, cita a venâncio-airense, que estuda conservação do solo há cerca de dez anos e é professora do Departamento de Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Hoje, muitos produtores já perceberam que não adianta ter o melhor implemento agrícola se não tiver cuidado com o solo”, comenta.
Erosão hídrica do solo
Os climas tropical e subtropical do Brasil favorecem a erosão hídrica, por conta de chuvas mais intensas e volumosas. “Se o solo não está bem protegido, não consegue reter a água, ocasionando a desagregação do solo, pois a chuva, com sua energia, pode remover as partículas do solo e levar embora qualquer elemento químico, como os nutrientes, adubos corretivos e agrotóxicos aplicados na lavoura, causando o processo de erosão hídrica do solo”, explica Cláudia.
A partir disso, se cria um processo contínuo, como um ciclo vicioso, no qual o solo empobrece cada vez mais e não consegue reter a água. Dessa forma, a água que escoa rapidamente, ‘carrega’ a terra e causa o assoreamento de cursos d’água. Um rio ou arroio assoreado tem maior risco de transbordar em uma enchente, já que os sedimentos que se acumulam no leito do rio dificultam a passagem da água.
Assoreamento
• O assoreamento é um dos principais problemas relacionados ao arroio Castelhano, enfrentados, atualmente.
• Na opinião da doutora em Ciência do Solo, Cláudia Barros, além da retirada do material, seria importante um estudo para descobrir a origem do sedimento que está no arroio, para se pensar em ações preventivas.
• “Existem técnicas e estudos que permitem saber se esse sedimento vem das margens, das lavouras ou mesmo de estradas. É importante que haja um estudo da bacia hidrográfica, do que há no entorno do arroio”, observa.
Solo coberto é garantia de proteção
Garantir um solo rico e protegido, que ajude a reter a água, exige um manejo correto. A principal forma de fazer isso, conforme a professora Cláudia Barros, é cobrindo o solo. “Ele não pode ficar descoberto, precisa de proteção, por meio das plantas, pois é vivo. Nele estão milhares de micro-organismos que atuam na formação da matéria orgânica do solo (qualidade do solo) e são dependentes da presença das plantas que estão se decompondo. É preciso ter plantas cobrindo o solo longo dos 365 dias do ano”, orienta.
Segundo a doutora em Ciência do Solo, diversas técnicas podem ser utilizadas na agricultura, entre as mais difundidas estão o sistema de plantio direto – que incorpora, ou não, o mínimo revolvimento do solo -, a rotação de culturas e plantas para a cobertura do solo. Também existem outras práticas, como o cultivo em contornou ou em nível, e a própria prática de adubar e corrigir o pH do solo conforme as análises químicas. São as chamadas práticas conservacionistas, que promovem melhor qualidade física, química e biológica do solo e protegem contra aos processos de degradação, como a erosão hídrica.
“A diversidade de plantas também faz a diferença. As gramíneas, como o milho, geram maior quantidade de palhada e as leguminosas, como soja, nabo e ervilhaca, captam o nitrogênio da atmosfera e transferem para o solo, o que reduz a necessidade de colocar adubo nitrogenado”, complementa Cláudia.
“Na maioria dos casos, se bem manejado, o solo vai receber a água e possibilitar que ela se infiltre. A água da chuva tem que cair e ficar na lavoura, não ir para as valetas das estradas e ir embora, ocasionando a enchente.”
CLÁUDIA BARROS – Doutora em Ciência do Solo
Cultivo em contorno ou em nível
Uma das orientações da engenheira agrônoma e doutora em Ciência do Solo, Cláudia Barros, é o ‘cultivo em contorno’ – com o plantio de forma transversal ao declive do terreno. Assim, a água encontra barreiras para escoar e freia a velocidade da enxurrada. “Menos água escoa e assim há menos degradação do solo.”
Na cidade
Conservação de solo não é um assunto que merece atenção apenas nas lavouras. Um terreno com grama, árvores e demais plantas, na cidade, contribui para evitar que toda a água da chuva vá para o bueiro ou alague e invada casas. Ao mesmo tempo, a água que permanece no solo é uma aliada nos momentos de falta de chuva e calor intenso.
A utilização de passeio público (calçada) com uma um terço da área permeável é uma exigência, em Venâncio Aires, para as novas construções. A ação, inclusive, é uma das iniciativas que garantem desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pelo programa IPTU Mais.
A importância da mata ciliar
Assim como as práticas conservacionistas são estratégias fundamentais para proteger o solo e ‘segurar’ a água na lavoura, a mata ciliar tem um papel essencial para proteger os rios e arroios. Como o próprio nome diz, ela atua como os cílios dos olhos, protegendo as margens e evitando que a água chegue com força e leve o solo e demais resíduos para o leito do arroio.
“A mata freia a água e protege a margem com as raízes, reduzindo a erosão. Se quisermos ter sucesso para garantir água de qualidade, precisamos trabalhar com um conjunto de ações, desde o trabalho de preservação das nascentes e as práticas conservacionistas do solo junto aos produtores rurais até a mata ciliar”, reforça.
Confira o caderno Nascentes: