Sol alaranjado, fumaça e risco de chuva preta: os reflexos das queimadas na região

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Por conta das intensas queimadas registradas no Brasil ao longo das últimas semanas, cerca de 60% do território nacional, o equivalente a 5 milhões de quilômetros quadrados, ficaram cobertos por fumaça, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). Venâncio Aires não ficou de fora desta estatística. Nos últimos dias, foi impossível não ver ou sentir os reflexos na cidade: o sol laranja intenso chamou atenção no início da manhã e no fim da tarde, uma nuvem de fumaça cobriu a cidade e grande parte da população sentiu os efeitos da poluição do ar, com agravamento de tosses e outros problemas respiratórios.

Segundo o Núcleo de Informações Hidrometeorológicas (NIH) da Univates, a fumaça que atinge o Rio Grande do Sul nas últimas semanas se originam dos incêndios na Região Amazônica, Pantanal e países vizinhos (Argentina, Bolívia e Paraguai), mas a parte maior vem de fogo que ocorre na Bolívia e no Sul da Amazônia brasileira.

“A fumaça das queimadas é transportada ao estado através de correntes de vento de Norte para Sul pelo interior do continente em uma altitude próxima de 1.500 metros, conhecida como corrente de jato em baixos níveis, que se origina no Sul da Amazônia e desce até o Rio Grande do Sul. A fumaça deixa o céu acinzentado, como se estivesse nublado e com o sol avermelhado e laranja. No entanto, no estado, o clima favorece a limpeza da atmosfera. As frentes frias que sopram do Sul para o Norte, somadas à formação de nuvens de chuva, afastam a fumaça do território”, explica a responsável pelo NIH, Luana Lermen Becchi.

Em meio ao céu cinza, sol laranja intenso chamou atenção nos últimos dias (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Ainda conforme Luana, as partículas na fumaça de incêndios florestais podem reduzir a qualidade do ar e prejudicar a saúde. “Os aerossóis de fumaça também podem influenciar o clima, modificando a formação de nuvens e alterando a quantidade de energia do sol refletida ou absorvida pela atmosfera. A fumaça densa dos incêndios florestais que pairam perto do solo pode bloquear a luz em níveis suficientes para reduzir as temperaturas da superfície. Claro que o efeito varia dependendo da distância da origem do incêndio, do tamanho e da quantidade de fumaça gerada.”

Chance de chuva preta

O cenário deve mudar, a partir de hoje, com a chegada de uma frente fria, que trará chuvas que devem ajudar a limpar a atmosfera. No entanto, com o grande volume de partículas dos incêndios suspensas na atmosfera, como fuligem e poluentes, elas podem se misturar à precipitação, causando o fenômeno conhecido como chuva preta. OCentro Socioambiental da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) emitiu nota destacando os potenciais riscos ambientais, afetando a qualidade do solo e das águas superficiais, além de representar uma ameaça à saúde humana.

Mestre e doutorando em Tecnologia Ambiental, o professor Bruno Deprá integra o Centro Socioambiental da Unisc e comenta sobre os efeitos dos incêndios florestais.

Como a fumaça chegou até a região dos vales do Rio Pardo e Taquari?

Professor Bruno Deprá atua no Centro Socioambiental da Unisc (Foto: Arquivo pessoal)

Bruno Deprá: A fumaça que alcançou a nossa região foi transportada por correntes de vento (as mesmas que trazem as chuvas) que trazem partículas das queimadas no Brasil, especialmente da Amazônia e Cerrado, além de regiões vizinhas na Bolívia e Argentina. Esse transporte atmosférico ocorre em altitudes elevadas e é impulsionado por condições climáticas de seca e calor intenso. A falta de chuvas agrava a situação, pois acaba impedindo que essas partículas se dissipem ou sejam lavadas pelo ar, permitindo que a fumaça se espalhe por vastas áreas.

O que é a chuva preta? Há risco deste fenômeno na região?

Bruno Deprá: Existe um risco considerável de ocorrer chuva preta na região dos vales. Esse fenômeno ocorre quando a fuligem e partículas de carbono suspensas no ar se misturam com a água da chuva, resultando em uma precipitação de coloração escura. A presença intensa de fumaça no ar devido às queimadas eleva a possibilidade de que esse fenômeno aconteça, especialmente se a chuva se formar em meio a concentrações altas de poluentes atmosféricos.

Quais os possíveis prejuízos ambientais e para a agricultura com a chuva preta?

Bruno Deprá: A chuva preta pode trazer impactos significativos para o meio ambiente e para a agricultura. A fuligem contida na chuva pode alterar a composição do solo, afetando sua capacidade de absorção de nutrientes e prejudicando o desenvolvimento das plantas. Além disso, pode contaminar corpos d’água, afetando a fauna aquática e diminuindo a qualidade da água usada para irrigação e consumo. Nas plantações, a presença de poluentes pode queimar folhas e prejudicar o ciclo de crescimento, reduzindo a produtividade agrícola.

Impacto do clima no aumento de problemas respiratórios

Problemas respiratórios, como tosse e congestão nasal, costumam ‘atacar’ muitas pessoas durante o inverno no Rio Grande do Sul. Não foi diferente durante o mês de agosto em Venâncio Aires, situação que segue nestes primeiros dias de setembro.

Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), por exemplo, houve um aumento no número de atendimentos nas últimas semanas: no dia 2 de setembro foram 268 e mais 253 no dia 3 (a média de atendimentos nos últimos dois meses girou em torno de 200 atendimentos/dia.). Segundo o superintendente administrativo da UPA, Rodrigo da Silva, a maioria chegou por queixas respiratórias, como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), bronquites e infecções respiratórias, mas estaria dentro da normalidade para a época.

“Não está interferindo no momento no nosso fluxo, estamos dando conta da demanda. Seguimos com bastante atendimentos, mas sem grandes problemas. Claro que o inverno sempre requer mais cuidado para pacientes com comorbidades, como insuficiência cardíaca, hipertensão e diabetes. Isso é normal e também temos recebido mais pacientes neste sentido”, explica Silva.

No Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), a informação da diretoria é de quem também está tendo uma grande procura devido a problemas respiratórios, mas o que é considerado normal para o período, levando situações semelhantes de anos anteriores.

Problemas respiratórios são agravados por conta da fumaça (Foto: Divulgação)

Oscilação da temperatura e o agravante da fumaça

Para o médico otorrinolaringologista, Renato Fragomeni, o momento se deve muito à oscilação climática no Brasil. “Estamos num surto de quadros respiratórios, com tosse e congestão nasal, com agosto e setembro no mesmo padrão. Acredito que essa oscilação climática que houve no Brasil nesse período do ano foi um grande fator. O tempo de seca no Centro-Oeste, com queimadas, vindo toda aquela fumaça para cá. E aqui no Sul, oscilando períodos de frio intenso ou com muita umidade, o que inflama a via respiratória”, cita.

Ainda conforme Fragomeni, o corpo funciona numa temperatura de 36 graus e a umidade do ar, para ser confortável, gira em torno de 60%. Ele cita que na segunda-feira, 9, por exemplo, a umidade era de 85%. “Essas oscilações de umidade alta ou frio seco inflamam vias respiratórias, desencadeando uma reação que é a tosse e a congestão.”

O pneumologista André Puglia também observa o aumento de casos no inverno, período mais ‘agressivo’ para quem é sensível nos brônquios. Somado a isso, ele explica que toda substância química, que não seja o ar puro, como fumaça ou cheiro de substância química, é potencialmente prejudicial para as vias respiratórias.

“Inicialmente a fumaça estava na parte superior da atmosfera, mas agora se acumulou tanto que as pessoas já estão respirando ela. Esse é mais um fator, além das mudanças de temperatura. A fumaça está irritando mais as pessoas e gerando tosse”, comenta, ao acrescentar que é difícil se proteger da fumaça, já que ela invade todos os ambientes. “Uma máscara normal não é capaz de filtrar a fumaça. O indicado seria utilizar uma do tipo N95”, orienta.

Orientações

1 O Governo do Estado divulgou orientações para que a população evite atividades ao ar livre em períodos de elevada concentração de poluentes e mantenha portas e janelas fechadas.

2 Crianças, idosos e gestantes devem estar atentos a sintomas respiratórios e, se necessário, buscar atendimento médico imediatamente.

3 O uso de máscaras de modelos respiradores (tipo N95, PFF2 ou P100) são adequadas para reduzir a inalação de partículas finas por toda a população.

4 Outro alerta está relacionado à chuva com coloração escura, que pode apresentar contaminantes nocivos à saúde humana, tornando-a imprópria para consumo humano.

5 O médico Renato Fragomeni também reforça a importância da hidratação. “Se hidratar bastante e se agasalhar bem. Mesmo estando quente na rua, dentro de casa o ambiente pode estar mais úmido e frio. Então é preciso tentar manter um controle desse ar inalado, principalmente idosos e crianças”, comenta.

    

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