Foi no fim de setembro que Venâncio Aires recebeu três famílias de El Salvador, país da América Central. Esse é o registro mais recente, mas o município tem recebido refugiados nos últimos anos e, desde 2007, cerca de 50 pessoas de diferentes nacionalidades passaram por aqui.
Os números são do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, por meio da Associação Antônio Vieira, de Porto Alegre, que faz a intermediação no Rio Grande do Sul. Segundo a coordenadora do programa, Karin Wapechowski, Venâncio já recebeu famílias de palestinos, colombianos, venezuelanos e agora salvadorenhos. “Venâncio desde sempre foi parceira. Todas as famílias que passaram por aqui sempre tiveram assistência e isso é vital para o programa”, afirmou Karin.
Ela esteve no município nesta terça-feira, 26, para participar do workshop “Reassentamento de Refugiados e Integração Local”, que aconteceu na Prefeitura. O evento foi para profissionais da rede de atendimento, entre Saúde, Educação e Assistência Social.
Karin Wapechowski é representante de uma das organizações parceiras do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Trata-se de uma agência da ONU que existe há mais de 60 anos no Brasil e, desde então, é a responsável pela proteção e assistência de refugiados.
Da Acnur, esteve em Venâncio a oficial de reassentamento, Gabriela Cortina Butureira. Segundo ela, o Brasil tem, conforme dados de dezembro de 2018, mais de 11 mil refugiados reconhecidos. De solicitações, são mais de 161 mil. “A Acnur seleciona, avalia critérios e dá a assistência técnica que o Governo Federal precisa para dar o suporte a essas pessoas.”
Só no Rio Grande do Sul, já foram mais de 520 pessoas, via programa de reassentamento, recebidas desde 2003. A maioria é de famílias afegãs, sírias e cubanas.
- QUEM É REFUGIADO?
De acordo com a Acnur, são pessoas que estão fora do seu país de origem devido a temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento a um determinado grupo social. Assim como à violação de direitos humanos e conflitos armados, de pessoas que não podem voltar porque não contam com proteção estatal.
ENTENDA
Em Venâncio Aires, as famílias recebidas vieram por intermédio do programa de reassentamento da Acnur. Durante um ano, elas são acompanhadas de perto por profissionais da agência e da associação do Serviço Jesuíta.
Para mantê-las, o município recebe recursos do Governo Federal para gastos com aluguel e alimentação, por exemplo. “A Prefeitura não tem despesa. Vem tudo via Ministério da Justiça”, destacou o secretário de Habitação e Desenvolvimento Social, José Arnildo Camara.
Ainda conforme Camara, para que essa participação seja possível, é necessária a manutenção da destinação de recursos aos municípios integrantes do programa. “Dependemos de recurso, então é importante que o Governo enxergue que o repasse é essencial para manter esse atendimento.”
Essa assistência federal se mantém durante um ano. Depois, as famílias não têm mais acompanhamento ‘exclusivo’ e seguem suas vidas. Algumas permanecem, outras se mudam. Por isso, não há certeza de quantos refugiados estão na cidade.
Como qualquer cidadão, os refugiados têm a assistência pública nos serviços. “Eles têm os mesmos direitos de qualquer pessoa, como documentação, escola e atendimento de saúde. Quanto ao trabalho, isso cabe a cada um”, destacou a assistente social da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, Daiane Führ.
Segundo a coordenadora do programa, Karin Wapechowski, Venâncio Aires foi a primeira cidade do Brasil a incluir refugiados no programa federal Minha Casa Minha Vida, em 2011.
“Ninguém se torna refugiado, mas é reconhecido porque já é refugiado. Todo caso será analisado, mas geralmente envolve perigo ou ameaça à liberdade e à própria vida.”
GABRIELA CORTINA BUTUREIRA – Oficial de Reassentamento da Acnur
Refugiados de outros tempos
Falar sobre a vinda de refugiados ao Brasil, não é algo recente e que remeta, apenas, a nacionalidades sul-americanas ou africanas. É algo que faz parte da história do mundo, há décadas.
Um caso interessante envolve a família de Egon Sniedze, assessor de Secretaria da Fazenda de Venâncio Aires. Ele, que é filho de refugiado, contou essa história à reportagem da Folha do Mate, durante o workshop sobre reassentamento, na Prefeitura.
O pai de Egon, Eriks (1920-2004) era natural da Letônia e foi sargento durante a Segunda Guerra Mundial. Durante quatro anos, esteve no grupo que combateu o exército russo, avançando sobre o território da antiga União Soviética. “Em 1945 ainda, foi prisioneiro dos ingleses e trocou sua medalha da Cruz de Ferro por um pedaço de pão”, conta Egon.
Com o fim da guerra, durante dois anos, Eriks ficou em um campo de refugiados na Alemanha, até que, por intermédio da ONU, teve opção de ir para um país ‘o mais distante possível’. Por isso, veio para o Brasil em 1947, passando pelo Rio de Janeiro até chegar em Porto Alegre. Na capital gaúcha, por não saber nada da língua portuguesa, trabalhou em uma mina de carvão.
Em 1956, conheceu Herta, natural de Rolante, e que estava em Porto Alegre morando com uma tia. O casal teve a primeira filha, Ingrid, em 1958. Seis anos depois, devido a problemas de saúde de Eriks, a família se mudou em definitivo para Rolante, onde em 1965 nasceu Egon. Depois que veio para o Brasil, Eriks ficou 20 anos sem poder se comunicar com familiares e faleceu em 2004, sem nunca ter voltado para a Letônia.
Ao lembrar da história do pai, Egon Sniedze entende que o acolhimento é extremamente importante. “É uma questão humanitária. Há muitas pessoas à mercê da vulnerabilidade, da perseguição, dos conflitos. É uma oportunidade de recomeçar, como meu pai teve.”