Dores em todo o corpo, fadiga, distúrbios do sono, ansiedade e cansaço excessivo. Esses são os principais sintomas da fibromialgia. A síndrome acomete desde crianças até idosos e, na maioria dos casos, os pacientes desenvolvem outros problemas de saúde, como a depressão.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 15.176 de 2025, com o objetivo de facilitar das pessoas que vivem com a síndrome para políticas públicas, vagas de trabalho e benefícios sociais. A legislação, que foi aprovada pelo Congresso Nacional no dia 2 de julho, determina que os pacientes que tenham a condição de saúde sejam enquadrados como pessoa com deficiência (PcD).
A medida tem gerado uma série de discussões e, conforme a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a síndrome não pode ser equiparada a uma deficiência. “As leis que enquadram um paciente como PcD dizem que ele deve ter uma doença incapacitante, deformante e que não tenha cura. Essa não é uma opinião minha, mas da classe médica”, explica o médico reumatologista Eduardo Pochmann, de Santa Cruz do Sul.
A SBR estima que 5% da população brasileira tem fibromialgia e sofre com as consequências da síndrome. Entre eles, está Sandra Teresinha Becker, 40 anos. Moradora da divisa entre Linha Cachoeira e Linha Cipó, na região serrana de Venâncio Aires, a esposa do Tárcio e mãe de Tiago e Mateus sempre gostou de estar na lavoura, trabalhar na horta e liderar os afazeres de casa. Mas, há alguns meses, a rotina começou a mudar.
Sandra relata que há alguns anos trata problemas na coluna e, por isso, já havia limitado o trabalho na roça. Porém, em janeiro deste ano, percebeu que as dores pareciam ter se espalhado, além de se sentir muito cansada e passar noites sem dormir. “E quando eu dormia bem, parecia que acordava muito mais cansada. Tomar banho era um drama, parecia que minha pele estava queimando. E também não tinha um dia sem dor”, relata. Sem diagnóstico, começou a procurar ajuda médica, com a parte emocional já bastante afetada. “Me sentia triste, tinha vontade de ajudar em casa, mas eu parecia inútil. Chorava, me angustiava, dando vontade de me isolar de tudo.”
Em meio ao sofrimento, ouviu de uma amiga, pela primeira vez, a palavra ‘fibromialgia’. “Comecei a pesquisar o que era e muitos dos sintomas que apareceram eu já tinha há muito tempo”, conta.
Diagnóstico da fibromialgia
No dia 10 de maio, foi para Santa Cruz do Sul, em consulta com o reumatologista Eduardo Luis Pochmann. Ele orientou a realização de alguns exames e, na reconsulta, no dia 29 do mesmo mês, foi confirmado o diagnóstico de fibromialgia.
Hoje, Sandra lida com a síndrome e, junto disso, com a depressão. Acordar, varrer a casa, cuidar da horta ou ir à lavoura se tornaram tarefas desafiadoras de serem cumpridas. “Me pergunto: por que comigo? Gostava tanto de fazer essas coisas.”
Na propriedade, onde a família planta tabaco, milho e aipim, além de criar gado, porcos e galinhas, o trabalho nunca para. Tárcio Becker, 50 anos, pretende plantar 40 mil pés de tabaco na safra deste ano, sendo a cultura a principal fonte de recursos da família. “Ele chega em casa muitas vezes e não tem comida pronta, mas nunca ouvi uma reclamação. Sempre esteve ao meu lado”, observa Sandra. O filho mais novo do casal, Tiago, 14 anos, se encarrega de alguns afazeres em casa. Já Mateus, de 20, reside em Linha Saraiva, mas costuma auxiliar os pais quando possível.
Apesar das dificuldades, os medicamentos fazem parte da rotina. Agora, Sandra ainda aguarda na fila de espera para conseguir ser atendida por uma psicóloga, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “É uma dor que ninguém vê. Muita gente não entende o que é e diz que não é nada. Mas precisamos de apoio, algo que considero o principal”, lamenta.
Carteirinha
Em Venâncio, o paciente com o diagnóstico de fibromialgia pode solicitar gratuitamente a carteirinha de atendimento preferencial na Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, mediante apresentação de documentos que comprovem a condição de saúde. O secretário de Saúde, Alan Flores da Rosa, explica que, através da Rede Bem Cuidar, são promovidos atendimentos com equipes multiprofissionais para auxiliar o paciente no tratamento, especialmente nas unidades básicas.
Referência para reumatologia é Monte Alverne
O diagnóstico para a fibromialgia é feito somente por médicos reumatologistas. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, Venâncio Aires possui uma importante demanda atualmente. Os pacientes são encaminhados de acordo com regulação feita pelo Estado, via Gercon – sistema de regulação de consultas especializadas do SUS. As consultas ocorrem no Instituto Regional de Especialidades, que fica em anexo ao Hospital Beneficente Monte Alverne.
Segundo os dados da pasta, entre julho de 2024 e julho de 2025, foram encaminhados 373 pacientes para consultas reumatológicas, não necessariamente relacionadas à fibromialgia. Dessas, 270 foram autorizadas.
Médico destaca principais sintomas e tratamentos da fibromialgia
O diagnóstico de fibromialgia ocorre a partir dos sintomas apontados pelo paciente. Entre eles estão dores constantes, cansaço excessivo, insônia e formigamentos nas mãos e pés. O médico reumatologista Eduardo Luis Pochmann explica sobre os sintomas, tratamento e outros aspectos da síndrome. A entrevista com o profissional, realizada pela jornalista Cassiane Rodrigues, será reproduzida durante o Folha 105 – 2ª edição desta terça-feira, 5. O programa vai ao ar na rádio Terra FM 105.1, a partir das 18h.
O que é a fibromialgia?
Ela é uma síndrome, não sendo classificada como uma doença. Ocorre por um desequilíbrio nas mensagens entre o cérebro e o corpo. É como se fosse um curto-circuito, onde a gente tem a sensibilidade para, por exemplo, não tocar no fogo. E essa sensibilidade está descontrolada nos pacientes, que sentem dores exacerbadas, que podem ser em todo o corpo, mesmo sem terem um dano, uma lesão ou deformidade. Ela pode ocorrer em qualquer idade, mas a faixa etária mais comum é entre 20 e 40 anos e, principalmente, mulheres.
Quais os principais sintomas?
Principalmente, dores após qualquer tipo de toque na pessoa, sem falar nas crises que, em alguns momentos melhora, em outros piora. Junto com cansaço excessivo, insônia, fraqueza, formigamentos nas mãos e pés, muita dor de cabeça. E essa série de sintomas faz com que a pessoa se sinta muito debilitada para executar atividades básicas, porque com qualquer esforço já se sente cansada e a dor vem com mais intensidade.
Quanto tempo duram as crises?
Elas são variáveis para cada pessoa, mas em média podem durar de duas a três semanas. Eu oriento os pacientes a ficarem em locais tranquilos, sem muito barulho e evitar fazer qualquer tipo de atividade. Muitos tentam fazer pilates ou acupuntura, mas não pode, só piora. É só repouso mesmo.
Como é realizado o diagnóstico?
É feito por um reumatologista. Realizamos de acordo com critérios, a partir dos sintomas do paciente. Primeiro fazemos exames para descartar qualquer outra doença. Se não apareceu nada nos exames de laboratório, vamos avaliar o paciente, para entendermos o que ele sente. No Brasil, cerca de 5% da população já tem diagnóstico, dado exclusivamente após avaliação de um médico reumatologista, pois temos o treinamento para diferenciar a dor da fibromialgia de outras doenças. E esse problema acarreta em atestado ou, quem sabe, aposentadoria por invalidez. E é só o laudo do reumatologista para definir isso.
Tem algo que acarreta o problema?
Sempre questiono os pacientes na primeira consulta. Todos eles dizem que o gatilho para começar a sentir as primeiras dores é junto a problemas emocionais, ao estresse, como após perdas de entes queridos e problemas no trabalho, familiares ou conjugais. Ou seja, quem tem depressão pode desenvolver mais fácil a síndrome. Já aqueles que estão no grau acentuado da fibromialgia tendem a desenvolver uma depressão muito intensa, já que a sociedade acaba julgando, pois não tem manchas, inchaço ou nada visível.
Qual o tratamento?
O pilar são os medicamentos não anti-inflamatórios, com analgésicos desde os mais fracos, como Paracetamol ou Dipirona – que o paciente muitas vezes já usa, até os mais fortes, como Codeína e Tramadol. Junto com isso, estão antidepressivos como o Fluoxetina, já que eu preciso tratar a dor e reabilitar o paciente. Muitos deles, por causa da dor, ficam deitados o dia inteiro, precisando ainda de fisioterapia ou outras atividades.
A fibromialgia tem cura?
Infelizmente não. Muita coisa ainda está em estudo sobre essa questão e não existe nem remédio específico. Meu sonho é que criem algo logo, mas acho que ainda vai durar alguns anos.