João Vicente, que foi gerado em barriga solidária, nasceu no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) na manhã desta segunda-feira, 25.
Entre tantos partos que o Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), de Venâncio Aires, registra diariamente, naturalmente todos são especiais. A chegada de qualquer criança, planejada ou não, sempre será motivo para celebrar. Mas, às 9h38min desta segunda-feira, 25, veio ao mundo um menino que representa uma história até então inédita para o hospital venâncio-airense e para a própria família. Hoje, nasceu João Vicente de Melo Avelar, a primeira criança nascida no HSSM gerada por meio de uma barriga solidária.
O pequeno (na verdade nem tão pequeno assim) nasceu com 50 centímetros e 3,405 quilos, de cesariana, a qual foi submetida Sandriele da Silva Soares, 36 anos, a mulher que ‘doou’ o útero para realizar o sonho dos amigos Édson Miguel de Barros Avelar, 40 anos, e Júlio Mateus de Melo Nascimento, 37, o casal que decidiu ter um filho por meio de gestação de substituição ou cessão temporária do útero, como também é conhecida a barriga solidária. Essa história a Folha do Mate contou em primeira mão, em fevereiro de 2025, quando a gestação tinha cerca de dois meses.
“A partir de agora, um novo ciclo que começa. Estou muito grato pelo João ter nascido com saúde e por tudo que a Sandri nos proporcionou”, comentou Júlio. Edson também destacou que o momento é de gratidão. “Um dia especial, uma emoção que não tem como controlar. Agradecer à Sandri, ao hospital pelo acolhimento e toda família que nos apoia pela chegada João. Ele veio com saúde e é isso que importa nesse momento.”
O nascimento
Sandriele da Silva Soares, a amiga do casal, começou a ter muitas contrações durante a madrugada. Às 4h foram para o HSSM e, inicialmente, o desejo dela era ter parto normal. No então, não foi possível e João nasceu de cesárea, após 39 semanas e um dia de gestação. No bloco cirúrgico, puderam acompanharam o parto Edson e Júlio, além de Gilberto Beier, noivo de Sandriele.
João, ou JV, como é chamado pelos pais, é saudável e bastante cabeludo. Logo após o parto, foi paparicado pelos avós Mariza de Melo Nascimento, 64 anos, e Lidio Mateus Nascimento, 71 anos (pais de Júlio), além da irmã Isadora, 15 anos, filha de Edson, fruto de um relacionamento anterior dele com uma mulher. A previsão, é de que o bebê tenha alta nesta terça-feira, 26, assim como Sandriele, a dona da barriga solidária, que se recupera bem. “Até comentei que, nos últimos anos, sempre vínhamos ao hospital por coisas ruins. Mas hoje foi por um motivo lindo e feliz, o nascimento do nosso primeiro neto. Rezamos muito para ele chegar com saúde e para a Sandri também ficar bem”, destacou a vovó Mariza.
Ainda antes de João nascer, Júlio, Edson e Sandriele decidiram que ela não iria amamentar o bebê e, desde que nasceu, ele tem recebido fórmula infantil (leite artificial) na mamadeira. Conforme Júlio, ele terá direito a uma licença paternidade de quatro meses e Edson de 15 dias. Já Sandriele terá atestado de 15 dias para se recuperar da cesariana.
Hospital
O Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) foi cenário, ontem, de um parto inédito. Segundo a gerente de Qualidade da instituição, Susan Dettenborn, a preocupação foi em buscar entender o processo e oferecer o que era necessário. “Para o hospital, o nascimento do João Vicente veio corroborar com o cuidado, atenção e acolhida que buscamos oferecer aos nossos pacientes. Não houve nenhuma diferenciação de tratamento. Houve uma busca por entender todo processo da barriga solidária e oferecer o que seria preciso para que o processo acontecesse seguindo todos os fluxos que garantissem segurança assistencial aos envolvidos.”
Fertilização in vitro
No Brasil, a barriga solidária também é popularmente chamada de barriga de aluguel. No entanto, é proibido qualquer tipo de pagamento à mulher que vai gerar a criança. Deve acontecer de forma totalmente altruísta, sem nenhuma recompensa financeira.
A gestação em barriga solidária ocorre por reprodução assistida e o principal método é a fertilização in vitro, caso de João Vicente. De acordo com a Associação Brasileira de Reprodução Humana, o procedimento realiza o encontro do óvulo com o espermatozoide (a fertilização) em laboratório, formando embriões que serão cultivados e transferidos ao útero da mulher.
São necessários os óvulos e espermatozoides do casal para formar o embrião. Mas, como esta história envolve dois homens, o gameta feminino veio através de um banco de doação, já que não poderiam ser usados óvulos de Sandriele, que foi a barriga solidária. A doação anônima de óvulos não pode ter fins comerciais e o anonimato protege a identidade do casal receptor e da doadora.
Como Edson já é pai biológico de Isadora, se decidiu que o bebê teria a carga genética de Júlio, por isso o espermatozoide é dele. Já o óvulo foi de doadora, portanto João Vicente não é filho de Sandriele. Embora se tenha troca sanguínea e de fluidos, a criança não tem a carga genética dela, ou seja, se fizer um teste de DNA, não haverá identificação de Sandriele como mãe.
O processo de idealizar um filho por meio de uma barriga solidária precisou de aprovação do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers). A implementação de um único embrião ocorreu dia 13 de dezembro de 2024, no Centro de Reprodução Humana, no Hospital Bruno Born, em Lajeado, e a gravidez aconteceu na primeira tentativa.
São dois pais
Ainda que não seja algo novo, já que há mais casos no Rio Grande do Sul e outros estados, Júlio e Édson acreditam que sejam um dos primeiros casais homoafetivos com barriga solidária na região dos Vales. “Ainda é incomum e gerou muita curiosidade. Talvez as pessoas vão dizer ‘como assim, essa criança não tem mãe?’, mas ela tem dois pais.”
Para dividir a alegria da paternidade e ajudar outras pessoas que pensam em tentar o mesmo método, Édson e Júlio mantêm um perfil no Instagram @sao2pais. Nele, dividem fotos e relatos sobre a jornada.