A educação tem um papel imprescindível no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Garantir esse direito é um dos principais objetivos no combate ao trabalho infantil. Em uma região com grande destaque da agricultura familiar, como no Vale do Rio Pardo, iniciativas educacionais que estimulam o vínculo e a permanência dos jovens no interior se destacam.
Entre os exemplos está o da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), que atende alunos de diversos municípios da região. A instituição, que oferece o curso técnico em Agricultura junto com o Ensino Médio, trabalha com a pedagogia da alternância, metodologia por meio da qual os estudantes permanecem uma semana na escola e outra em casa, de forma intercalada.
“O trabalho realizado pela escola, com essa perspectiva pedagógica, faz com que o jovem crie responsabilidade na propriedade, mas compreende que eles não são os responsáveis pelo trabalho. São os aprendizes. É dessa forma que passa a criar gosto pelas atividades, seja no cuidado com os animais, ao manter a horta com produção de alimentos, na área experimental. Tudo isso, respeitando o tempo do adolescente”, cita o professor João Paulo Reis Costa, da área de Ciências Humanas da escola.
Ele também ressalta a importância do envolvimento da família nas atividades de ensino dos filhos na propriedade. “Na pedagogia da alternância os pais são responsáveis pelo processo de aprendizado na propriedade. E sabemos o quanto o aspecto afetivo é um indutor do aprendizado. Assim, a chance de gostar daquela ação é muito maior”, explica.
De acordo com ele, isso possibilita que os estudantes vislumbrem oportunidades na agricultura – opção de renda, mas também de qualidade de vida. Consequentemente, permanecer no interior se torna uma escolha para os jovens. “Diferente do que acontecia quando muitos começavam a trabalhar ainda crianças e quando tinham uma oportunidade acabavam indo embora e não retornavam, porque eram explorados”, analisa.
Opção pelo interior
Para o morador de Centro Linha Brasil, no interior de Venâncio Aires, Gean Peise, 16 anos, as experiências na Efasc têm contribuído para reforçar a gosto que ele tem pela vida no campo, desde a infância, e a certeza de que quer ficar no interior. Desde criança, o contato com os animais sempre esteve entre os passatempos preferidos. “O que mais gostava era ficar com os terneiros. Sempre gostei de tratar os animais. Se não pudesse fazer, acho que ficaria doente”, brinca.
Com o incentivo de um amigo, que já estudava na Escola Família Agrícola, Gean ingressou na instituição no ano passado. A família abraçou a ideia e passou a ampliar as atividades agrícolas na propriedade de dois hectares. Exemplo disso é a área experimental, um espaço para cultivo de alimentos, onde Gean coloca em prática a teoria aprendida na sala de aula. “Gosto muito da escola porque lá não é só estudar para passar na prova. O estudo inclui fazer as práticas e envolver a família.”
A mãe, Marilene Giehl Strassburger, 39 anos, tem um salão de beleza, e o padrasto, Clênio Strassburger, 47 anos, é técnico em Enfermagem do posto de saúde da localidade. Quando Gean está na escola, é a mãe a responsável por garantir que tudo esteja ‘em ordem’ na propriedade. “Temos que ajudar, pois vejo o quanto ele gosta disso. É algo que vem da família”, afirma Marilene, ao elogiar a forma de trabalho da escola.
Para Gean, que também tem como referência os avós e o padrinho, que cultivam tabaco, permanecer no interior sempre foi uma escolha natural. Ele sempre acompanhou o dia a dia da família, mas nunca houve a obrigação de trabalhar na lavoura. “Quando eu era pequeno, eles iam para a roça e eu ficava com a vó e a bisa”, conta.
Com relação aos planos para o futuro, Gean espera poder unir seu amor aos animais com a profissão. Uma possibilidade é o curso de Medicina Veterinária. “O que tenho em mente é ficar na comunidade.”
Na próxima segunda-feira, 12 de junho, é celebrado o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. A data foi estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2002.
“Construir o gosto pela agricultura só é possível quando se respeita o processo de vida”
Doutor em Desenvolvimento Regional, o professor João Paulo Reis Costa observa que, ao longo dos anos, houve avanços significativos no combate ao trabalho infantil nos municípios da região do Vale do Rio Pardo. “Há 20 anos, era comum crianças não irem para a escola em época de colheita de tabaco. Hoje a situação é bem diferente. As famílias têm maior respeito ao processo da criança e do adolescente”, considera. Ele também destaca a importância das políticas públicas e o fato de a geração dos pais ter mais estudo e acesso a informações.
O respeito ao desenvolvimento da criança inclui tanto a garantia de estar na escola quanto o tempo para brincar, assim como não realizar atividades acima das condições físicas e que coloquem em risco a integridade, como contato com agrotóxicos e ferramentas perigosas, por exemplo. “Construir o gosto pela agricultura só é possível quando se respeita o processo de vida da garotada, o tempo dele para realizar as atividades”, destaca.
Costa acrescenta que, por muito tempo, no entanto, a ideia de que as crianças já deveriam realizar trabalhos pesados foi naturalizada. “Historicamente se fez valer a lógica do trabalho de sacrifício como um valor”, contextualiza Costa, que é professor de história. Ele comenta, inclusive, que ainda hoje muitas pessoas não compreendem a relação de doenças e problemas na coluna da vida adulta com o fato de terem começado a trabalhar muito cedo, quando sua estrutura física ainda não estava totalmente formada. “Infelizmente muitas pessoas estão doentes, mas não reconhecem isso, acham que começar a trabalhar na infância não fez nenhum mal.”
“É importante que se permita que o jovem escolha ser agricultor e faça por gosto. Que não seja só um trabalho para sustento, mas que também promova prazer pessoal e profissional. Que não seja agricultor por exclusão, mas por desejo.”
JOÃO PAULO REIS COSTA
Doutor em Desenvolvimento Regional
Escola Família Agrícola
- Localizada em Linha Santa Cruz, a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul oferece o Ensino Médio com curso técnico em Agricultura. A instituição é voltada a filhos de agricultores familiares que residem no meio rural.
- Em 14 anos de história, a Efasc já formou 346 jovens. Atualmente, são em torno de 130 alunos, de mais de 80 comunidades do campo da região, dos municípios de Santa Cruz do Sul, Vale Verde, General Câmara, Venâncio Aires, Sinimbu, Passo do Sobrado, Vera Cruz, Boqueirão do Leão, Rio Pardo, Gramado Xavier e Herveiras.
- Empresas, instituições e prefeituras auxiliam na manutenção das atividades.