Em um período marcado pela ascensão tecnológica por todos os lados, algumas tradições ainda seguem lutando contra o tempo e resistem na rotina, especialmente do interior. Na localidade de Centro Linha Brasil, Lori Adela Röhsler, de 70 anos, mantém um ‘backofen’. O forno de barro e tijolos alimentado à lenha ainda é usado para assar pães, além de outras delícias caseiras, como cucas. Mais do que valorizar essa cultura, cria um elo com o passado e resgata os muitos sabores e aromas da infância.
Dona Lori, como gosta de ser chamada, aprendeu os segredos e as técnicas para preparar um bom pão, feito com farinha de milho, ainda na infância, observando e ajudando a mãe. A família, composta por sete irmãos, vivia na região de Paredão, hoje pertencente ao município de Sério, quando a localidade ainda integrava Lajeado. Naquele tempo, conta ela, os filhos participavam desde cedo das ‘lidas’ de casa e da roça.
Anos mais tarde, Lori conheceu Arnildo Röhsler, hoje com 72 anos. Os primeiros encontros ocorreram nos jogos de futebol, uma das poucas opções de lazer na época. “Era difícil ter baile, então a gente ia nos jogos. Foi lá que conheci ele”, relembra. Casados há 51 anos, construíram uma família com cinco filhas, sendo Veridiana, Rosane, Adriane, Lisete e Elisandre, e um menino, já falecido. O casal também tem sete netos.
Aposentados, eles mantêm a rotina simples do interior, sem internet e com um telefone residencial. Em Centro Linha Brasil, moram há cerca de sete anos, nas proximidades da casa da filha Adriane, mas antes residiram em Linha Bem-Feita, onde cultivavam principalmente tabaco. Lori gosta de cuidar da casa e da horta, enquanto seu Nildo prefere estar pelo pátio ou junto ao fogão a lenha. Nos fundos da casa, está o forno, erguido há cerca de cinco anos por Nildo, com barro e tijolos. Sobre o segredo da construção, afirma em tom de brincadeira: “É só querer e fazer”.
Fornada
Dona Lori costuma fazer pão no backofen cerca de uma vez por mês. Aproveita a fornada para preparar uma boa quantidade, já que o forno comporta até sete formas de uma vez. Como o trabalho é demorado, ela reserva um período do dia só para isso. Primeiro, Nildo recolhe gravetos e lenhas menores. Lori acende o fogo e separa os ingredientes: banha, sal, fermento, farinha de trigo e água. A massa é feita sem medidas exatas, mas ‘a olho’, como ela diz. Antigamente, lembra, também adicionavam raspas de batata-doce ou inhame para deixar o pão mais macio.
Depois de sovada, a massa descansa para crescer. Enquanto isso, Lori se ocupa com pequenos afazeres e uma cuia de chimarrão, ideal para o tempo passar mais rápido. Quando chega o ponto, unta as formas, distribui a massa e aguarda mais um tempo até que ela cresça novamente. A lenha queima até o forno atingir a temperatura ideal e, então, as brasas maiores são retiradas. Após, com a ajuda de um pedaço de madeira, Lori acomoda as formas no backofen. “Aproximadamente uma hora é o tempo certo, mas a gente vai cuidando pela coloração do pão”, ensina. Entre uma olhada e outra, ainda sobra tempo para lavar a louça e fazer alguns bolinhos de chuva.
O momento de abrir a portinha do forno, feita com uma lata e alguns arames, é sempre especial. O cheiro característico do pão assado à lenha, morno e adocicado, preenche o ambiente, remetendo às casas de vó. A casca dourada, levemente tostada pelas brasas, protege o interior macio e úmido. “A gente até compra pão no mercado, ou quando o tempo está ruim fazemos no forninho elétrico, mas nada se compara. O sabor do pão feito no forno é outro”, garante Lori.
Depois de prontos, os pães descansam para esfriar. “Pode até comer na hora, mas depois a gente não sabe o que vai acontecer”, brinca. A fornada é consumida pelo casal e pelas filhas, especialmente Adriane, que mora ao lado. O restante vai para o freezer, para ser servido no mês. “A gente gosta disso tudo e se sente bem por ainda conseguir fazer”, comenta Lori, orgulhosa.
Backofen
O backofen chegou à região junto com os imigrantes alemães que colonizaram o Vale do Rio Pardo. A palavra, traduzida do alemão, significa ‘forno para assar’. O modelo adotado é o mesmo tradicional da Alemanha e, em tempos anteriores ao fogão a gás, era a principal estrutura utilizada para o preparo de pães, cucas e assados. Os primeiros fornos eram feitos de pedra e barro, mas hoje foi possível incorporar os tijolos e cimento em parte da construção.