No salão de Linha Cachoeira, na quinta, 21, houve o encontro anual dos grupos Amigas da Serra e Unidas de Paredão, com mulheres acompanhadas pelo Cras Volante e Emater (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
No salão de Linha Cachoeira, na quinta, 21, houve o encontro anual dos grupos Amigas da Serra e Unidas de Paredão, com mulheres acompanhadas pelo Cras Volante e Emater (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Para marcar o ano em que o Sistema Único de Assistência Social completa 20 anos, como o trabalho social impacta nas famílias de Venâncio.

Fazer uma atividade física, dançar, cantar ou até preparar uma torta. Fazer algo por si, para se sentir bem, pode partir de ações diferentes. Mas, muitas vezes, o que precisamos é aquele empurrãozinho, alguém que diga “vai, porque você é capaz” ou apenas uma oportunidade de começar. E, para muitas pessoas em Venâncio Aires, as oportunidades e os incentivos partiram de serviços ligados ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), que completou 20 anos em 2025.

Uma política pública que ganhou força nos últimos anos e se consolidou como ferramenta de fortalecimento de vínculos, de convivência comunitária e importante para assegurar direitos. Na matéria a seguir, a Folha do Mate destaca algumas dessas histórias, além de informações gerais sobre serviços que vão além de uma ajuda isolada e que buscam garantir o acompanhamento contínuo de quem é atendido pelo trabalho social.

O trabalho social pelo fortalecimento de vínculos e um encontro com a autoestima

“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais.” Esses versos compostos por Almir Sater e Renato Teixeira iniciam a conhecidíssima ‘Tocando em frente’, um dos maiores clássicos do sertanejo nacional. A música, que também é uma verdadeira poesia, fala sobre aceitação, desafios e aprendizados, conceitos que fazem parte das histórias de mulheres que se encontraram na quinta-feira, 21, em Linha Cachoeira, no interior de Venâncio Aires.

Durante o 4º encontro de integração dos grupos de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), oferecido em parceria pelos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Emater de Venâncio Aires, ‘Tocando em frente’ foi cantada durante uma palestra para as cerca de 60 mulheres que lá estiveram. São agricultoras dos grupos Amigas da Serra (de Linha Cachoeira e arredores) e Unidas de Paredão (de Linha Alto Paredão Pires). Esse encontro é anual, mas, todos os meses, há uma atividade com cada um desses grupos, com o intuito de levar apoio, acolhimento, empoderamento e assistência para moradoras de áreas de difícil acesso, nesses casos, que vivem na região serrana do município, nas localidades mais longínquas da área urbana de Venâncio.

Trabalho social e suporte técnico

As atividades são lideradas pela assistente social vinculada ao Cras Volante, Alícia Oliveira, e a extensionista rural social da Emater, Viviane Röhrs. Com viabilização das atividades por meio de recursos da Assistência Social, as participantes têm vínculo com o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). “Conseguir dar suporte, tanto social, quanto técnico, conseguir incluir famílias no meio social, como é o caso desses grupos, e conseguir inclui-las em programas governamentais, é algo muito gratificante. Essas mulheres se sentem pertencentes à sociedade, incluídas e criaram vínculos entre elas”, destaca Viviane Röhrs.

Ainda segundo a extensionista rural social da Emater, os encontros mensais oportunizam, por exemplo, oficinas de culinária, mas a saúde emocional e a autoestima também são demandas trabalhadas. “Com as atividades propostas, isso vai agregando para evolução delas, enquanto mulheres, enquanto agricultoras. Mas os resultados vão além, como de situações de tirar alguém da violência doméstica ou agregar conhecimento. Esse é o objetivo: promover autoestima, protagonismo, empoderamento, fortalecer vínculos e geração de renda”, completa Viviane.

Josieli da Silva, de Linha Alto Paredão Pires “Os encontros nos trazem alegria e autoestima” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“É muito bom compartilhar sentimentos e conviver”

Josieli Fátima da Silva, 36 anos, mora em Linha Alto Paredão Pires (localidade que está a 60 quilômetros da sede da Capital do Chimarrão) onde ela e o marido Pedro, 39 anos, cultivam tabaco. Ela revela que sempre foi curiosa e gosta de aprender e conhecer pessoas. Por isso, há cerca de sete anos, integra o Unidas de Paredão. “É muito bom fazer parte desse grupo. Não apenas pelo conhecimento e pelas oportunidades de aprender. Para mim, o mais importante é compartilhar sentimentos e conviver. Isso nos traz autoestima. A gente se conhecer como mulher, se respeitar como mulher, e dar o exemplo que pode tudo e consegue tudo o que quiser. Basta a gente querer. É uma alegria conviver e compartilhar nossas histórias.”

Josieli comenta que também já aprendeu muito com o projeto, como preparar sabão caseiro, mas lamenta que precisou faltar a uma oficina de tortas. Mas o lamento é parcial, já que a falta, naquele dia, foi para tirar a Carteira Nacional de Habilitação, a qual ela considera outra grande conquista. A agricultora também conta que os mesmos incentivos que recebe nos encontros do grupo, procura levar para a filha Amanda, de 12 anos. “Conversamos muito e ela sabe que é importante se valorizar. Tenho muito orgulho da moça que ela está se tornando.”

Márcia Noll, de Linha 6º Regimento (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

A alegria de fazer uma torta

Márcia Noll, 48 anos, é moradora de Linha 6º Regimento e participa do grupo Amigas da Serra há 13 anos. Na propriedade onde mora com o marido Ornélio, 53, e o filho Victor, 14, plantam tabaco e “tudo mais que precisam para viver”. Sorridente, Márcia diz que os encontros são sempre divertidos e já lhe garantiram muitos aprendizados, como preparar tortas. “Eu sabia fazer cucas e hoje faço tortas. Faço para a família, mas muita gente pede. Tem fim de semana que dá entre três e quatro pedidos de tortas. Virou uma renda extra para mim.” Mensalmente, ela também participa das reuniões do grupo de bolãozinho em 6º Regimento e lá já virou tradição levar uma torta.

A agricultora também destaca as oportunidades de conhecer outros lugares. “Eu adoro os passeios. Uma vez fomos de excursão para Nova Petrópolis. Achei que nunca ia conhecer aquele lugar e fui. Também achei que nunca ia fazer tortas, e hoje faço. É uma grande alegria viver isso.”

Mais de 1,3 mil famílias são referenciadas nos Cras Centro e Battisti

Segundo a secretária de Habitação e Desenvolvimento Social de Venâncio Aires, Camilla Capelão, os Centros de Referência em Assistência Social (Cras) são considerados a porta de entrada da assistência social. Os Cras Centro e Battisti referenciam, juntos, 1.370 famílias, com 222 em acompanhamento no serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif) e cerca de 400 atendimentos mensais de demandas espontâneas.

O Município também mantém o Centro de Convivência, ao lado do Cras Battisti, que amplia o alcance das ações de fortalecimento de vínculos e convivência comunitária. Já o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) acompanha 100 famílias em situação de violação de direitos e o Centro Dia atende 15 idosos em cuidados especializados. “É onde as famílias chegam para acolhimento, orientação, acesso a benefícios e acompanhamento. Mas é importante destacar que o trabalho só se completa porque existe uma rede articulada. Essa rede garante que o Suas em Venâncio funcione de forma efetiva, oferecendo proteção em diferentes níveis e assegurando dignidade às pessoas em todas as fases da vida”, destaca Camilla.

Elíria (com a fita) participa da oficina de música e movimento no Cras Battisti (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Exemplo para a neta

Junto ao Cras Battisti, existe o Centro de Convivência, onde são oferecidas, por exemplo, oficinas de música e movimento, para adultos e crianças. E, entre os participantes, está a aposentada Elíria Teresinha Köhnlein, 63 anos, que mora no bairro Battisti há 40 anos. Ela comenta que participa das oficinas de música e movimento há mais de um ano e que é uma alegria ir toda terça-feira no espaço. “É uma atividade que faz muito bem para mim, para minha saúde. Só me trouxe coisas boas, a gente até fica mais esperta, mais alerta. E fico orgulhosa de mostrar para minha neta, que ela vê que estou bem”, conta Elíria. A aposentada relata que a filha Michele mora em Esteio, então ela grava algumas atividades e envia por WhatsApp para mostrar à neta Larissa, de 5 anos.

Oficineira no Cras Battisti, a educadora física Paolla Aribel Back da Silva entende que o mais importante nas atividades é o convívio em grupo. “Cada um que vem aqui, faz parte dessa família dentro do Cras. Vão criando vínculos e se sentem bem, porque se sentem em casa.”

Trabalho técnico

A psicóloga Solange Guadagnin é a coordenadora dos Cras em Venâncio Aires. Ela ressalta o trabalho dos 10 técnicos (assistentes sociais e psicólogos) que trabalham no Centro e Battisti. “Eles têm realmente uma sensibilidade de se colocar no lugar dessas famílias, percebendo o que elas mais precisam. Isso é fundamental. E como resultados, temos orgulho de ver quando as famílias conseguem suprir alguma necessidade ou avançar, desde as garantias de direitos até a questão da alimentação”, cita. Por mês, Solange diz que são distribuídas cerca de 80 cestas básicas no Cras Battisti e 50 no Cras Centro.

A coordenadora entende que ainda há o que melhorar na política da assistência social, mas foi um avanço os programas técnicos disponibilizados pelo Suas. “Tentamos atingir e prover as famílias que realmente precisam da assistência social, como um trabalho total. Não é apenas doar por doar ou conceder benefícios. É olhar para as famílias como um todo e tirando elas das vulnerabilidades.”

Demandas do trabalho social

Segundo a secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, Camilla Capelão, nos Cras tem crescido a procura por benefícios eventuais, como cestas básicas, passagens, auxílio funeral e kits natalidade, além do apoio para acesso ao Cadastro Único e Bolsa Família. “Mas é importante destacar que o trabalho não se resume a essa resposta imediata. O foco é justamente acompanhar e fortalecer as famílias, para que não precisem depender continuamente desses auxílios.”

Ainda conforme Camilla, depois da calamidade de 2024, moradia e aluguel social passaram a ser ainda mais urgentes. Já no Creas, destacam-se os atendimentos em situações de violência doméstica e violações de direitos. “Também há forte procura pelos serviços de acolhimento municipal, como o albergue e as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), que são fundamentais para garantir dignidade às pessoas em momentos de maior vulnerabilidade.”

Número de famílias atendidas

Atualmente, Venâncio Aires tem 8.305 famílias inscritas no Cadastro Único, o que corresponde a 18.727 pessoas. Destas, 2.398 famílias recebem o Bolsa Família e 1.132 acessam o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A importância da organização do Suas

Se as prefeituras conseguem manter uma rede permanente de proteção social, Camilla Capelão credita ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), que completou 20 anos em 2025. “Possibilita serviços organizados, financiamento compartilhado e equipes capacitadas para atender a população.

Isso tem impacto direto na comunidade porque garante transferência de renda, acompanhamento psicossocial, fortalecimento de vínculos comunitários e proteção em situações de risco ou violação de direitos. É uma política pública que dá continuidade e segurança, independentemente de mudanças de governo.”

Camilla destaca que, antes do Suas, a assistência social era vista, muitas vezes, como caridade ou ajuda pontual, sem continuidade. Mas, com a criação do sistema único, em 2005, o atendimento passou a ser uma política pública estruturada e permanente, com serviços organizados, equipes técnicas, financiamento compartilhado e regras claras. “Isso garantiu dignidade, segurança e qualidade ao trabalho, permitindo que uma família que procura a assistência social hoje encontre acolhimento e acompanhamento contínuo, e não apenas uma ajuda isolada.”

Entre os exemplos, a secretária cita que o Suas foi determinante para garantir resposta imediata durante a calamidade de 2024, desde a organização dos abrigos até a concessão do aluguel social às famílias que perderam as casas. “Essas famílias seguem acompanhadas pela rede socioassistencial, enquanto aguardam as moradias definitivas. Sabemos que ainda temos muito a avançar, fortalecendo os serviços e integrando esforços com outras políticas, como a habitação, para responder cada vez melhor às necessidades da população.”

Garantia para pensar no trabalho social

Secretária da Habitação e Desenvolvimento Social durante quatro anos no governo do ex-prefeito Airton Artus, a ex-vereadora e assistente social (formada em 1991), Ana Cláudia do Amaral Teixeira, acompanhou as mudanças ao longo dos anos. “Não tem como lembrar daqueles tempos, sem perceber o longo caminho de luta na efetivação da assistência social enquanto política pública. Em 2005, já tínhamos o Conselho Municipal de Assistência Social e ainda lutávamos para qualificar os conselheiros, para que a assistência social se consolidasse no município enquanto política pública, com a participação popular. Existiam muitas ações, projetos e programas pontuais, porém não havia articulação entre eles. Não tínhamos garantido financiamento para desenvolver os projetos e os programas que eram executados, muitas vezes eram financiados totalmente pelo Município.”

Segundo Ana Cláudia, a implementação de um sistema único veio justamente para organizar essas ações, projetos e programas, unificando o que antes era fragmentado e desarticulado. “Em Venâncio, como nos demais municípios, o Suas foi fundamental para podermos organizar nossos processos de trabalho, que passou a ter um alinhamento melhor com os demais níveis de governo, e na consolidação da política pública como direito do cidadão, e não como benesse.”

“Vivenciar os 20 anos do Suas é ter a certeza de que a política pública amadureceu, se fortaleceu e, no nosso município, se consolidou em uma rede capaz de oferecer respostas estruturadas, técnicas e contínuas, garantindo dignidade e cidadania às pessoas em situação de vulnerabilidade.”
CAMILLA CAPELÃO – Secretária de Habitação e Desenvolvimento Social de Venâncio