Apagão de professores? Os desafios e as iniciativas para garantir o futuro da educação básica

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É unânime a opinião de que a profissão de professor é uma das mais importantes, afinal, todas as outras profissões começam com os ensinamentos de um educador. É desde a Educação Infantil que começamos a conviver com eles, que ensinam e marcam gerações, passando pelo Ensino Fundamental e terminando a educação básica no Ensino Médio. É durante a conclusão deste etapa, que as opções de cursos no Ensino Superior é feita e é essa escolha que determinará, na maioria dos casos, a carreira profissional que será seguida. Ao se analisar a formação de novos professores, o que se percebe é que, cada vez menos, essa vontade está presente entre os mais jovens. Inclusive, as universidades confirmam que a procura pelas licenciaturas é baixa. Afinal, teremos professores no futuro?

Em âmbito nacional, a preocupação já é presente, o que vem levando governos estaduais e federais a criarem programas e incentivos para a formação de novos professores. De acordo com uma pesquisa do Instituto da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), há risco de que em 2040 o Brasil enfrente literalmente um apagão de professores, com a falta de 235 mil profissionais na educação básica. O desinteresse dos jovens pela carreira de licenciatura, envelhecimento do corpo docente atual e o abandono da profissão são os principais motivos para que este apagão se concretize.

Segundo avaliação do professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Renato Nunes, a estimativa da falta de professores para 2040 é alarmante. “Se considerarmos o quadro de professores do Estado do Rio Grande do Sul (professores da rede pública estadual, exclusivamente), a falta de professores em grande escala deverá acontecer antes dessa data, eis que as aposentadorias e desistências são mais fortes aqui”, afirma ele, que também é o coordenador institucional do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) na instituição. Conforme Nunes, a motivação para isso é a falta de políticas públicas de valorização desse profissional, já que os estados têm autonomia para a política salarial de seus quadros. O professor explica que no RS, como exemplo, foram mais de sete anos sem nenhum real de reposição salarial. E em outros estados, embora que abaixo do necessário, houve esforços para manter algum tipo de reajuste de salário e melhorar as condições de trabalho dos professores. “Aqui no RS não se viu esse movimento. Se o quadro que se apresenta para o país não é bom, para o RS é pior.”

Saiba mais

  • No Brasil, segundo números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2010 a 2020, diminuiu a participação de alunos de até 29 anos entre os calouros de licenciatura, uma queda de 9,8 pontos percentuais, de 62,8% para 53%.
  • Dos profissionais da categoria, o número de docentes com mais de 50 anos – e que devem se aposentar em breve – aumentou 109% de 2009 a 2021.
  • O abandono da carreira, geralmente acontece devido aos baixos salários e as condições precárias de trabalho, juntamente com o avanço do ensino EAD, que também tem altas taxas de evasão.

Parfor

O programa é destinado aos professores das redes públicas de estados e municípios que não têm curso superior ou que lecionam em área diferente da sua formação. A iniciativa é aberta todos os anos com turmas especiais em cursos de licenciatura e em programas de segunda licenciatura. Para participar é preciso estar vinculado a uma rede pública estadual ou municipal, estar no exercício da atividade do magistério e não ter curso de licenciatura. Já o educador com graduação em área diferente daquela em que leciona precisa estar há, pelo menos, três anos na rede pública para fazer a segunda licenciatura.

O cenário nas escolas da rede municipal e estadual

Na rede municipal de Venâncio Aires, segundo o secretário de Educação, Émerson Eloi Henrique, ainda não foi identificada a falta de profissionais no mercado, mas há o conhecimento que os cursos ligados à educação estão cada vez com menos alunos inscritos. “Esse assunto é conhecido e recorrente nas diversas esferas, porém, ainda conseguimos ter banca quando abrimos concurso ou contrato.” Ele explica que as vagas para a área da educação em concursos públicos, como professores e monitores, geralmente são preenchidas e após esse processo, quando necessário, são abertas vagas para contratação temporária. Das dificuldades encontradas, o secretário cita que algumas vezes os inscritos em processos seletivos estão registrados em vários deles e acabam ocupando sempre a mesma vaga. “Outra dificuldade que atrasa uma contratação é ter que chamar candidatos do concurso público para contrato temporário, quando muitos são de outros municípios e acabam não aceitando.” No momento, não há vagas abertas para contrato na Capital do Chimarrão.

Na Secretaria Municipal de Educação de Venâncio Aires, segundo o secretário, as equipes se empenham para manter iniciativas para atrair os professores, como ter escolas bem equipadas e em condições de se realizar um trabalho de qualidade; oferecer formação continuada para que o profissional da educação possa estar constantemente aprendendo e se reciclando; a remuneração – que na rede municipal é paga acima do piso nacional dos professores – e o plano de carreira.

Rede estadual

Na rede estadual, de acordo com informações do responsável pela 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Luís Ricardo Pinho de Moura, os últimos concursos feitos no Estado foram em 2013 e 2014, mas há a expectativa de que em breve aconteça mais um, que a Secretaria de Educação do Estado (Seduc) já sinalizou. No momento, aguarda-se a publicação do edital.

Moura destaca que a 6ª CRE não tem encontrado maiores desafios para preencher as vagas abertas. A exceção foi neste segundo semestre de 2022, quando foi colocado em prática o programa de recuperação de aprendizagem. Assim, Matemática e Português tiveram aumento, de quatro períodos para sete, e de quatro para seis, respectivamente. Neste momento, segundo o coordenador, foi constatada uma dificuldade em contratar, principalmente, os professores de Matemática, mas que rapidamente foi sanada. Outras dificuldades, quando encontradas, surgem nas áreas de linguagens (Inglês e Espanhol) e ciências da natureza (Física e Química).

Para que o incentivo aos jovens professores aconteça, a coordenadoria tem parcerias com as Instituições de Ensino Superior (IES) na divulgação de seminários e bate-papos com graduandos. Além disso, segundo ele, o Estado oferece bolsas para quem está fazendo o curso de Gestão, no programa Aprende Mais, com objetivo de estimulá-lo a permanecer em sala de aula. O Estado também é parceiro das instituições superiores e incentiva a segunda licenciatura através do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor).

  • 372 – É o número total de professores concursados na rede municipal de Venâncio Aires, que está completa no momento. Em 2021 e 2022 foram contratados 104 professores, alguns substituindo servidores aposentados ou que estão exercendo outras funções. No momento, segundo o secretário Émerson Henrique, algumas disciplinas, como Educação Física e Inglês, estão preenchidas com contratos pois necessitavam de profissionais.
  • 407 – É o número total de professores que atendem na rede estadual de Venâncio Aires, que atualmente, está completa. Entre 2021 e 2022 foram 493 professores contratados na região da 6ª CRE, principalmente nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa. No momento, em toda a 6ª CRE, há apenas uma escola com aula síncrona, – aulas on-line com a presença em tempo real do professor e dos alunos – desde setembro, na disciplina de Química por falta de professor, e seguirá assim até o fim deste ano.

Universidades aderem a programas e lançam ações para incentivar a formação de novos professores

Na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), segundo o coordenador institucional do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), Renato Nunes, a instituição, desde sua fundação, sempre esteve preocupada com a formação de professores. “O programa foi muito bem-vindo e aceito na Unisc. Desde 2010, a Universidade aderiu ao programa e já formou seis turmas de Pedagogia e uma turma de Filosofia.” Uma nova turma iniciou as aulas no fim de outubro e novas inscrições estão em andamento para uma turma que iniciará em agosto de 2023. “Desde que o Parfor foi possibilitado às universidades não estatais, a Unisc participou de todos os editais e em todos eles teve turma aprovada”, afirma o professor.

Nunes destaca que hoje não há por parte dos governos e da iniciativa privada, um plano consistente no que tange às condições de trabalho e salário dos professores. “A falta de professores que se apresenta hoje – e a tendência é que mais professores faltem nos próximos dois ou três anos – está diretamente ligada a esses fatores: salas de aula lotadas, professores desmotivados por suas condições de trabalho, saúde e salário.”

Além do Parfor, a Unisc também oferece o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e a Residência Pedagógica, ambos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e oferecidos pelo Governo Federal. Neles, os estudantes das licenciaturas recebem bolsas para atuarem nas escolas sob a orientação de professores da universidade e da própria escola. Em abril deste ano, foram 60 mil bolsas selecionadas através de propostas nas áreas de licenciatura de 250 instituições de Ensino Superior para cada programa.

O Pibid oferece aos alunos da primeira metade do curso uma aproximação prática com o cotidiano da escola. Já o Residência Pedagógica atende estudantes que estão na segunda metade da licenciatura, com atividades que contribuam para a formação teórica e prática e o aperfeiçoamento profissional. Nos dois programas, as atividades dos bolsistas são desenvolvidas na rede pública de educação básica. O processo seletivo dos bolsistas é realizado pelas próprias instituições.

“De fato, a procura pelos cursos de licenciatura não é a mesma procura dos cursos de outras áreas. Contudo, essa situação está mais afeita às condições de trabalho e salário dos futuros profissionais do magistério do que aos interesses reais dos estudantes.”
RENATO NUNES
Professor e coordenador institucional do Parfor/Unisc

Na Universidade do Vale do Taquari (Univates), de acordo com a coordenadora dos cursos de Licenciatura Letras e Pedagogia e professora doutora, Grasiela Kieling Bublitz, é oferecida bolsa licenciatura para quem escolhe a carreira docente, o que equivale a uma taxa única mensal para cursar quantos componentes o aluno quiser. Além disso, a instituição também conta com o Pibid e a Residência Docente. Segundo Grasiela, a universidade também percebe que a procura por estes cursos tem diminuído bastante nos últimos anos e os acadêmicos que entram para o curso já são inseridos no mercado de trabalho desde o início, devido à grande demanda de profissionais.

“É preciso fazer com que os jovens percebam a importância da profissão e a necessidade do mercado de trabalho atualmente, pois faltam profissionais em todas as áreas.”
GRASIELA KIELING BUBLITZ
Professora doutora e coordenadora dos cursos de licenciatura Letras e Pedagogia

Valores

  • Na Unisc, o curso presencial de licenciatura tem custo de R$ 934,99 mensais, fazendo todas as disciplinas e sem nenhum tipo de bolsa ou financiamento. O total até se formar soma em média quase R$ 45 mil. Já no EAD, o valor mensal fica em R$ 323, e o total de R$ 15,5 mil.
  • Na Univates, no presencial, quem faz licenciatura recebe a bolsa licenciatura, em que a mensalidade fica em R$ 1.036,04 para cursar toda a carga horária, totalizando cerca de R$ 49 mil, e no EAD são parcelas fixas de R$ 337,15, o que dá no total pouco mais de R$ 16 mil, exceto a licenciatura em Educação Física, que é R$ 418,61, totalizando mais de R$ 20 mil.

Formados em números

  • Na Unisc, desde 2020, se formaram 185 professores nas nove licenciaturas oferecidas pela universidade e no curso de Pedagogia. Foram 106 em 2020, sendo 73 em cursos de licenciaturas e 33 em Pedagogia, e em 2021 foram 79, 57 em licenciaturas e 22 em Pedagogia. A instituição também oferece o curso EAD, no entanto ainda não foram formados alunos nesta modalidade.
  • Na Univates, os formados em licenciatura EAD, de janeiro de 2020 até o primeiro semestre de 2022, somam 106 profissionais, sendo 67 em Pedagogia, 14 em Ciências Biológicas, nove em História, oito em Educação Física e oito em Letras.
  • Dos formados no modo presencial na Univates, no mesmo período, foram 155, sendo 32 em Pedagogia, 31 em Ciências Biológicas, 29 em Educação Física, 24 em História, 24 em Letras Português, 12 Letras Português Inglês e três em Letras Português Espanhol.

Governador reeleito, Leite quer oferecer bolsas de estudo e auxílio permanência

O governador reeleito para assumir em 1º de janeiro de 2023, Eduardo Leite (PSDB) já está articulando para colocar em prática uma de suas promessas para a educação: combater o apagão de professores. Para o próximo ano, Leite e sua equipe estão trabalhando para implementar um programa de bolsas de estudo para os estudantes de licenciaturas de universidades privadas. E além disso, deve ser pago um auxílio permanência de R$ 800 por mês para cada aluno.

Durante a campanha, Leite diversas vezes falou que no primeiro mandato foi focado em ‘arrumar a casa’ e que neste segundo, a educação será uma de suas prioridades. O objetivo é recolocar o Rio Grande do Sul entre os melhores ensinos do país. A secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira anunciou que o programa será piloto e deve oferecer mil vagas em universidades comunitárias que pertençam ao Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), como é o caso da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e a Universidade do Vale do Taquari (Univates).

Para participar do programa, o aluno não precisará ser de baixa renda, mas esse será um dos critérios, além de boas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e diversidade de raça e gênero. Se der certo, a expectativa é conseguir ampliar o programa nos próximos anos. A medida deve ser articulada entre a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), a Secretaria Estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), que pagará as bolsas aos alunos.

Saiba mais

  • Uma das causas para a perda de alunos nas universidades comunitárias foi motivada pelo enfraquecimento do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a migração de estudantes para os cursos a distância, com valores mais baixos.
  • Um programa de bolsas já acontece no estado de Santa Catarina há mais tempo e é visto como exemplo de sucesso. Com isso, o Comung já vinha tentando negociar com o Estado a implementação de uma iniciativa parecida no RS.
  • Uma das dificuldades encontradas pelo Estado, segundo a secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, foi para contratação de professores de Matemática, após expandir a carga horária da disciplina no pós-pandemia. Outras áreas com poucos professores são Inglês, Espanhol, Português e Artes.

Formações para professores

A exigência quanto ao grau de educação acadêmica para a formação de um professor varia de acordo com a área pretendida. Veja alguns exemplos:

  • Licenciaturas: os cursos de licenciatura habilitam o profissional a atuar como professor na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio. São cursos superiores de graduação que formam profissionais licenciados em Química, Física, Letras, Matemática, Geografia, Ciências Biológicas e Pedagogia.
  • Normal Superior: curso superior de graduação, na modalidade licenciatura. Tem por finalidade formar professores aptos a lecionar na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
  • Magistério: não é curso superior, mas de nível médio. Habilita o professor para lecionar na Educação Infantil.
  • Pedagogia: o curso de Pedagogia é um curso superior de graduação, na modalidade de licenciatura e tem como finalidade formar professores para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (até o 5º ano). É aquele professor que assume integralmente o currículo da série. Os cursos de Pedagogia também formam profissionais para atuarem na gestão do sistema escolar, mas a prioridade é a formação de professores.
  • Bacharelado: os cursos de bacharelado não habilitam o profissional a lecionar. São cursos superiores de graduação que dão o título de bacharel. Para atuar como docente, o bacharel precisa de curso de complementação pedagógica. E para lecionar no Ensino Superior exige-se que o profissional tenha, no mínimo, curso de Pós-Graduação Lato Sensu (especialização). (Fonte: Seja um Professor/MEC)


Luana Schweikart

Luana Schweikart

Jornalista formada pela Unisc - Universidade de Santa Cruz do Sul. Repórter do Jornal Folha do Mate e da Rádio Terra FM

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