“Bom dia, Yegor, o jornal de sempre.” “Opa, será que o Brasil ganha?” “Bom dia, tem figurinha?” As frases e os assuntos são os mais diversos no entra e sai constante de um dos pontos mais tradicionais de Venâncio Aires, especialmente durante as manhãs.
É numa pequena peça com cerca de 20 metros quadrados, bem em frente à Prefeitura, que muitas gerações de venâncio-airenses se familiarizaram com o Big Bem e, a partir da próxima quarta, 30, vão precisar se acostumar sem ele. Mantida nos últimos 47 anos por Yegor Jungblut, a banca de jornais e revistas vai fechar. Mas, antes de o local virar saudade, a Folha do Mate foi conhecer mais sobre essa história. Parte dela e muitas curiosidades, estão nas linhas a seguir.
No nome do filho de Arthur Jungblut
Foi em meados da década de 1960 que Yegor Luiz Jungblut, hoje com 65 anos, se mudou com a família para a ‘cidade’. Os pais, Arthur e Erlita, deixaram a Vila Arlindo atrás de melhores oportunidades. Enquanto ele se tornou motorista de ambulância no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), Erlita seguiu como professora.
Criado na área central de Venâncio Aires, onde estudou no Colégio Aparecida e depois no Cônego Albino Juchem, Yegor frequentava a banca de jornais e revistas de Lúcio Schmidt, numa casa construída na década de 1930 e que pertencia à família Bender, na rua Osvaldo Aranha, bem em frente à Prefeitura. Em 1974, o local já tinha o nome de Big Bem, mas ninguém sabe exatamente quem o batizou assim. “Nunca tirei a limpo essa história, mas era Big Bem antes mesmo do Lúcio Schmidt. Provavelmente foi o barbeiro Pires, que também teve banca”, arrisca Yegor.
A história profissional dele na banca começou em 1974, com 16 para 17 anos, e jamais imaginaria que de lá não sairia mais. “Comecei como empregado. Cuidava do estoque e vendia de porta em porta”, lembra. Os itens mais consumidos eram as edições dos jornais Zero Hora e Folha do Mate, as revistas Cláudia e Placar, além dos quadrinhos de faroeste Tex e os gibis da Disney.
Em 1975, Lúcio Schmidt abriu uma fábrica de colchões na rua General Osório, em sociedade com outros empresários, e decidiu vender o Big Bem. Ofereceu para o jovem Yegor que, com a ajuda dos pais, concretizou a compra. “Eu ainda não tinha 18 anos, então fui emancipado para a banca ficar no meu nome.” Assim, virou AJ e Filho Ltda – AJ (Arthur Jungblut) e Filho (Yegor). Aproveitando uma sala ao lado, Erlita manteve, até 2014 (ano em que faleceu), uma loja de bijuterias.
Mais de 500 marcas
O espaço do Big Bem comportou, ao longo de quase cinco décadas, cerca de 500 títulos diferentes entre jornais, revistas das mais variadas editorias, livros infantis, livros didáticos, almanaques e álbuns (como da Copa do Mundo).
Na década de 1990, por exemplo, todo novembro transformava a banca num verdadeiro ‘formigueiro’. “Todo mundo vinha atrás do almanaque com as previsões para o ano seguinte.” O Big Bem também era ponto de retirada de muitas publicações por assinatura, já que, no interior, a entrega domiciliar não chegava. Assim, muitos moradores retiravam lá as revistas.
Oito prefeitos
No Big Bem desde 1974 e vizinho de porta de frente da Prefeitura, Yegor praticamente conviveu com todos os prefeitos que governaram Venâncio Aires nos últimos 48 anos. Considerando o período, ele viu passar pelo Executivo Rony Mylius, Alfredo Scherer, Almedo Dettenborn, Glauco Scherer, Celso Artus, Airton Artus, Giovane Wickert e o atual, Jarbas da Rosa.
Ele conta que o jeito de Alfredo Scherer (acompanhou o último mandado, de 1977 a 1982), lhe chamava atenção. “Toda sexta-feira, ele estacionava o Opala da Prefeitura, que era o carro oficial, na garagem [ao lado do prédio principal, onde hoje tem uma loja] e só tirava na segunda. Então mesmo quando tinha compromisso oficial no fim de semana, fazia com o carro particular.”
Yegor também comenta das conversas com Airton Artus (prefeito de 2009 a 2016). “Nosso principal assunto era o futebol. Às vezes, a gente fazia piada um com o outro, mas sempre uma conversa muito saudável”, revela o colorado Yegor, sobre a convivência com Artus, que é gremista.
O Plano Cruzado e a fila
Entre os momentos inusitados vividos no Big Bem, está o período de lançamento do Plano Cruzado, em 1986, durante o governo do ex-presidente José Sarney. Yegor lembra que os valores das mercadorias vinham tabelados e esses preços eram planilhados na Zero Hora.
“Eu pedi dois mil exemplares, mas precisei buscar pessoalmente. Meu pai, que conhecia bem Porto Alegre, me levou e trouxemos os jornais de Kombi. No dia seguinte, às 6h, a fila na banca para comprar a edição contornava a quadra da rua General Osório.”
Letras diferentes
Nos anos 1970, parte do estoque que não era vendida das publicações da Editora Abril foi importante na rotina produtiva da Folha do Mate. “Eu devolvia as capas para a editora, para provar que não tinham sido vendidas”, conta Yegor. Do que sobrava do miolo das revistas, muito ia para a redação do jornal de Venâncio, onde a equipe recortava as manchetes para ter letras diferentes nas fontes usadas em anúncios.
A dura concorrência da internet
Durante décadas, o Big Bem conquistou clientes fiéis, principalmente leitores de jornais e revistas. Mas nos últimos 10 anos, com a maior parte das publicações inserida no meio digital, o negócio foi ficando difícil. “É uma concorrência muito dura e o movimento e procura caíram muito desde que a internet entrou”, relata Yegor.
Segundo ele, metade das publicações impressas que chegou a disponibilizar, migrou para o on-line. Claro que muitas resistem, como os gibis da Turma da Mônica, publicados desde 1970, e ainda segue a procura dos que preferem os materiais impressos ou colecionam revistas e almanaques.
Questionado se haveria uma forma de manter a banca por mais tempo, Yegor lamenta não ter conseguido acompanhar a mudança. “Infelizmente, para esse negócio, não descobri como fazer para mantê-lo viável. Eu precisava me adaptar, mas não consegui.”
Por isso, ele tomou uma difícil decisão: o Big Bem vai fechar e já tem data: a próxima quarta-feira, 30 de novembro. A maior parte do estoque das revistas será devolvida às editoras.
Quanto ao espaço, Yegor revela que o proprietário, que é da família Bender que construiu a casa, vai reformar e alugar novamente como sala comercial. Em todas essas décadas, a estrutura era original, com o assoalho de tábuas largas e prateleiras de madeira.
Aposentadoria
Aos 65 anos, Yegor diz que o plano é aproveitar a aposentadoria. “Quero curtir minhas netas”, conta. Ele é casado com Maria Cristina, que tem a mesma idade, e é pai de Ana Carolina, 41 anos, e Helena, 32. Já as netas, que devem passar ainda mais tempo do lado do vô Yegor, são Mariana, 11 anos, e Alice, 9.
Além da família, outra paixão é o Sport Club Internacional. “Tenho muito orgulho da Vainter”, destacou, se referindo ao consulado do clube em Venâncio Aires, o qual ele ajudou a criar em 2009.
O ‘cheiro’ do Big Bem
Com tanta gente frequentando a banca nas últimas décadas, muitas situações orgulham e emocionam Yegor. Ele conta de clientes que iam com os pais quando eram crianças e, hoje adultos, levam os filhos. “Teve um rapaz aqui uma vez que entrou e fez uma foto. Me disse que queria guardar um registro do lugar que lembrava a infância dele.”
Já outros iam, ficavam um pouco e saíam em seguida. Queriam respirar aquele mesmo ar de biblioteca, por exemplo, caracterizado pelo cheiro do papel mais envelhecido. E, como o olfato costuma ajudar a levar lembranças para o coração, ao Yegor, a justificativa dos nostálgicos era simples: só queriam sentir o ‘cheiro’ do Big Bem.
“Só tenho a agradecer por tantos anos compartilhados e tantas amizades que o Big Bem me trouxe, um lugar que também proporcionou o hábito da leitura para muita gente. Me sinto honrado de fazer parte da história da comunidade.”
YEGOR JUNGBLUT – Proprietário do Big Bem
Meus últimos gibis
Para a entrevista com Yegor, ocupei um daqueles tradicionais mochinhos de madeira, onde muitos venâncio-airenses também sentaram, seja para conversar uns minutos, seja para trocar figurinhas dos álbuns de Copas do Mundo.
Eu já tinha sentado neles, nos anos 1990, quando, por várias vezes, depois das aulas no Cônego Albino Juchem, passava lá para ver as novidades (e as promoções) em gibis da Turma da Mônica – edições mais antigas ficavam na parte baixa das prateleiras e, muitas vezes, uma moeda de R$ 1 era suficiente para levar alguma revistinha. Foi com os personagens de Maurício de Souza que aprendi a ler e coleciono até hoje, especialmente do Chico Bento.
Yegor deu risada quando lhe contei que, em 1996, quando eu tinha 9 anos, meu avô materno me deu R$ 30 (hoje equivalente a R$ 318, considerando o salário mínimo), como recompensa depois de fazer algumas manocas de tabaco durante as férias escolares, que geralmente passava em Centro Linha Brasil. Todo o valor recebido daquela ‘safra’, gastei em gibis no Big Bem.
Como também fui frequentadora, no fim da entrevista, escolhi meus últimos gibis para comprar antes de a banca fechar de vez e o Yegor, gentilmente, ainda me presenteou com uma edição limitada da Turma da Mônica Jovem. Saí de lá com um misto de tristeza e alegria. Triste, porque não sentiremos mais o ‘cheiro’ do Big Bem. Mas feliz de ter tido a oportunidade de contar essa história e que vai ajudar a preservar a memória desse lugar tão tradicional e querido para Venâncio.