Janeiro foi o mês com maior número de mortes por coronavírus em Venâncio Aires. Nos primeiros 31 dias de 2021, dez pessoas faleceram em decorrência da doença. O vazio deixado por elas é inversamente proporcional às poucas informações que ajudam a compor a estatística das vítimas da Covid-19.
A mulher de 50 anos que faleceu na quinta-feira, 28, com hipertensão arterial e que foi transferida para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em Vacaria era Clair Beatris Pilz. Era a empreendedora alegre, que realizou o sonho de ter uma fruteira; a moradora de Vila Santa Emília engajada nas ações sociais; a colega que trabalhou por 15 anos na destala manual da CTA Continental Tobaccos Alliance e a goleira que fez história no futebol feminino do interior de Venâncio.
O marido, Rogério Pilz, 53 anos, se enche de orgulho ao falar da esposa. “Ela começou a jogar futebol no São Luiz e depois no Tangerinas. Jogava como goleira ou centroavante. Como goleira, foi campeã regional pelo Tangerinas. Por muitos anos, também jogou futebol de salão”, lembra. “A mãe pegou um pênalti de uma mulher que depois jogou profissionalmente no Vasco”, acrescenta o filho William Luís Pilz, 26 anos. O irmão dele, Marcos Alexandro Pilz, 34 anos, está internado no setor Covid do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) desde sábado, mas, de acordo com a família, não corre perigo.
Nas fotos que mostram o sorriso de Clair, a família busca um pouco de alento de uma despedida repentina. No dia 18 de janeiro, uma segunda-feira, ela sentiu dor de garganta e cansaço. Trabalhou até meio-dia na fruteira da família, no bairro Cruzeiro. Depois, William a levou até o Centro de Atendimento Respiratório (CAR), no bairro Gressler, onde testou positivo para Covid.
Em casa, tomou a medicação receitada e ficou isolada da família, seguindo a orientação. “Ela estava bem, teve um dia que até estendeu roupa, pois se sentia melhor”, conta o filho. Na quinta-feira à noite, no entanto, começou a falta de ar e a família levou Clair para Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde ficou até ser internada no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), no dia seguinte. “A pneumonia dominou o pulmão dela”, explica William.
Transferência
Na noite de 24 de janeiro, domingo, a família soube da necessidade de internação na UTI. Como não havia leito disponível em Venâncio Aires, ela seria transferida para Vacaria. “A mãe foi muito bem atendida, especialmente na ala Covid. O atendimento do hospital foi fantástico. Como a febre não cedia, ela precisava de UTI e não tinha em Venâncio e em nenhum hospital da região”, afirma William.
Ele e a esposa Alexsandra Pereira de Souza, 22 anos, seguiram de carro para Vacaria, na madrugada de segunda-feira, 25, onde ficaram até quarta-feira. Antes disso, ele viu a mãe pela última vez, abanando na ambulância. “Eu vou voltar bem. Estou tranquila”, disse ela, quando saia do HSSM.
Antes da transferência, o hospital permitiu que Rogério visitasse a esposa. “Ela estava superbem, conversamos bastante. Ela só precisava ir pra lá para tratar o pulmão. Em nenhum momento tive medo porque ela estava com uma boa recuperação. Não esperávamos por isso”, lamenta.
As poucas notícias que chegavam – já que Clair precisou ser intubada, assim que chegou a Vacaria, e não podia receber visita de familiares – davam conta de que ela melhorava aos poucos. Às 19h15min de quinta-feira, 28, no entanto, a mãe de Marcos e William teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
Enquanto a família esperava que, no dia seguinte, Clair voltaria para casa, o celular de William vibrou embaixo do travesseiro – um dos poucos locais da casa com sinal de celular. Ele saiu para a rua, em busca de um sinal melhor e, a 300 metros da residência, soube, por telefone, que a mãe tinha falecido.
“Sabemos que ela teve o melhor atendimento possível. O médico disse que, diariamente, eram em torno de R$ 5 mil em medicamentos. Mas como os remédios para conter a febre eram muito fortes, o coração não aguentou”, comenta. “O que temos a dizer é que as pessoas têm que entender que a doença vem e mata. A mãe só tinha pressão alta, só tomava um remédio por dia. Era uma pessoa sadia”, alerta William.
Família e atuação comunitária
Natural de Vila Santa Emília, Clair era casada com Rogério Pilz há 34 anos. Ela morava com o marido, os filhos Marcos e William e a nora Alexsandra Pereira de Souza na localidade. No ano passado, William retornou para Venâncio depois de passar 4 anos com o circo Rakmer. “Comecei como motorista, depois fui acrobata e até auxiliar de palhaço. Em diversas cidades, a mãe foi me visitar.”
Atualmente, Clair administrava a fruteira da família, no bairro Cruzeiro. Lá estão as plaquinhas alertando para o uso da máscara dentro do estabelecimento. “A última a mãe ainda fez à mão e colocou lá”, observa William. “Muita gente não acredita na doença, mas a gente sempre acreditou e se cuidou”, acrescenta Rogério.
Ontem, enquanto a família tentava reorganizar o estabelecimento para reabri-lo, muitas pessoas foram até o local incrédulas com a notícia da morte de Clair. “As pessoas gostavam muito da mãe. Até mesmo deixaram flores na fruteira”, diz William.
Para a família, entre os aspectos que fizeram ela ser tão querida e sua morte ter comovido tanta gente está a forte atuação comunitária. “Fomos presidentes da comunidade São Pedro, de Santa Emília, vários anos. Fizemos muitas galinhadas beneficentes. Quando era para fazer algo beneficente, ela não media esforços”, frisa Rogério.
Mortes por Covid em janeiro
• 5 de janeiro: Mulher de 75 anos, com doença cardiovascular crônica. Tinha sido internada um dia antes do falecimento.
• 9 de janeiro: Mulher de 83 anos, com doença cardiovascular crônica e diabetes mellitus.
• 14 de janeiro: Homem de 74 anos, com pneumonia e doença cardiovascular crônicas. Estava internado desde o dia 1º de janeiro.
• 15 de janeiro: Mulher de 62 anos, com doença cardiovascular crônica. Faleceu após dar entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
• 16 de janeiro: Homem de 84 anos, com doença cardiovascular e neurológica crônicas. Estava internado desde o dia 14 de janeiro.
• 20 de janeiro: Mulher de 77 anos, com doença cardiovascular e diabetes mellitus. Estava internada há 35 dias.
• 26 de janeiro: Mulher de 77 anos, com diabetes mellitus e doença cardiovascular.
• 27 de janeiro: Homem de 55 anos, com doença cardiovascular e obesidade.
• 28 de janeiro: Mulher de 50 anos, com hipertensão arterial. Internou em 22 de janeiro para o HSSM e foi transferida para UTI em Vacaria.
• 31 de janeiro: Homem de 52 anos, com doença cardiovascular crônica. Estava internado desde o dia 13 de janeiro, na UTI do HSSM.