A Organização Panamericana de Saúde (Opas) tem uma lista com oito países da América Latina com alto risco de voltar a ter infecções de poliomielite, e o Brasil voltou a fazer parte dela. Com a baixa cobertura na vacinação, pelo menos 500 mil crianças no país não foram imunizadas contra a polio. Nos casos mais graves, a doença provoca paralisia.
Segundo o pesquisador Akira Homma, assessor científico sênior de Biomanguinhos, da Fiocruz, a América Latina não registra um único caso da doença desde 1994, e o Brasil, que já chegou a ter coberturas vacinais de 95%, o ideal para garantir a proteção contra a pólio, hoje está com apenas 67%, uma das coberturas mais baixas da sua história.
A cobertura vacinal contra a pólio, no Brasil, conforme o o Programa Nacional de Imunização (PNI), acontece em duas fases. A primeira, é através de vacina injetável, aos dois, quatro e seis meses de idade; e a segunda, por meio de imunizante oral, é feita em duas doses, a primeira aos 15 meses de vida e depois aos 4 anos.
Ao ter o sistema de vacinação incompleto, ainda há como ter um certo grau de proteção, no entanto, do ponto de vista de saúde coletiva, como explica Homma, o ideal é que todas as crianças tivessem com os dois esquemas completos para impedir a circulação do vírus e mutações.
Venâncio Aires
De acordo com a enfermeira responsável pelo setor de imunizações do município, Janete Fernandes de Souza, a campanha que acontecia uma vez ao ano não existe mais, no entanto as vacinas contra a poliomielite estão disponíveis na rede de saúde durante todo o ano. “O que fazemos, por vezes, são campanhas de multivacinação, nas quais incluímos também esta vacina para ser colocada em dia”, esclarece.
A meta de vacinação ideal é chegar a proteger 95% do público-alvo, contudo, desde o ano passado os percentuais estão caindo, e previsão atual é que no fim de 2022, a cobertura não passe de 67%. Janete reforça que muitos pais que levam os filhos para vacinar, muitas vezes, nem têm noção de que existe a vacina injetável contra a pólio, pois associam somente à ‘gotinha’.
A pandemia, segundo ela, provocou atrasos na aplicação de vacinas, já que os pais tinham receio de expor os filhos, mas agora, mesmo com a flexibilização maior contra a Covid-19, a movimentação ainda não voltou ao normal. “Não vejo que há uma resistência contra a vacina em si, mas muitos já poderiam ter feito, principalmente a dose injetável, e não sabem.”
Saiba mais
1 A vacina contra a pólio está disponível no Brasil desde 1973, mas só nos anos 80, junto com a vacina oral e campanhas nacionais de vacinação, que a doença foi erradicada, em 1989. Aliás, foram nestas campanhas que o Zé Gotinha foi criado.
2 Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou as baixas coberturas vacinais como um dos 10 principais problemas de saúde pública do mundo. Vem crescendo o que é chamado de população de suscetíveis, que são pessoas não protegidas.
3 Assim como o Brasil, estão na classificação da Opas, o Equador, Venezuela, Guatemala, República Dominicana e Suriname, além de outros dois países onde o risco é considerado altíssimo: Haiti e Bolívia.
Números em Venâncio
• Segundo orientação da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), foi considerada a cobertura das três doses injetáveis, feitas em crianças menores de 1 ano. Em 2020, ocorreu uma campanha de multivacinação em outubro, por isso, o percentual mais elevado.
• 2018 – 93,31%
• 2019 – 98,96%
• 2020 – 107,77%
• 2021 – 76,86%
• 2022 – Em janeiro e fevereiro foram imunizadas 75 crianças menores de um ano com as doses injetáveis. O número total de crianças no município que estão aptas a receber as vacinas contra pólio é de 767 crianças. Segundo Janete, se a frequência de vacinação continuar assim, no fim do ano, a cobertura total será entre 58% e 67%.
“Não há razão para não fazer a vacina”
A pediatra Fernanda Sousa de Almeida explica que a doença da pólio é causada por um vírus que habita o intestino das pessoas e é transmitido de forma fecal ou oral, através de água, alimentos e saliva contaminada. “Tem tudo a ver com a questão sanitária, o saneamento básico, além da vacinação, ajudou muito a erradicar a pólio. As crianças menores são as mais contaminadas, já que ainda não têm os hábitos de higiene.”
Os sintomas iniciais, são leves, como febre, dor de garganta e mal estar intestinal, mas 1% dos casos podem evoluir para uma paralisia, quando o vírus atinge o sistema nervoso. A paralisia é assimétrica, pois atinge um membro, geralmente na parte inferior do corpo e faz com que a pessoa perca a força, no entanto, a sensibilidade continua.
A profissional enfatiza que enquanto o vírus estiver ativo em algum lugar do mundo, há riscos da doença voltar onde estava erradicada, como é o caso do Brasil, principalmente, quando somada a baixa imunização. “A preocupação das autoridades no momento é pela queda nas vacinações, seja por questões políticas ou por desacreditação. Naturalmente, nos últimos anos, devido a pandemia, as pessoas acabaram se vacinando menos para várias doenças, inclusive para polio.” Segundo a médica, a imunização contra pólio é muito simples e tranquila, por isso, não há razões para que não seja feita.
“Menos imunização é mais risco, sou formada há 20 anos e não testemunhei nenhum caso de pólio, que continue assim.”
FERNANDA SOUSA DE ALMEIDA
Pediatra