Entre as alternativas mais utilizadas, especialmente pelo valor do investimento,  estão a utilização dos chuveirinhos e de ventiladores (Foto: Taís Fortes)
Entre as alternativas mais utilizadas, especialmente pelo valor do investimento, estão a utilização dos chuveirinhos e de ventiladores (Foto: Taís Fortes)

Os dias de calor excessivo costumam ser estressantes para muitas pessoas, especialmente quando é necessário ficar ao ar livre ou exposto ao sol. Para os animais, isso não é diferente. Se no passado era comum ver as vacas leiteiras em pastagens, hoje o cenário já é outro em muitas propriedades que apostam na utilização de sistemas de confinamento, como o compost barn e o free-stall, os mais comuns em Mato Leitão.

Além disso, muitos produtores rurais apostam em equipamentos que ajudam a ‘refrescar’ os animais durante o período em que eles permanecem no galpão. Tudo isso pensando no bem-estar do plantel, o que auxilia na manutenção da produção – se não no aumento, na estabilidade dela.

No Acesso 20 de Março, o produtor de leite Eduardo Kronbauer, 30 anos, é um exemplo disso. Desde 2020, ele utiliza o sistema de compost barn para alojar as 30 vacas da propriedade que estão em lactação. Além disso, há um ano ele instalou ventiladores novos no galpão de 420 metros quadrados. “Isso ajuda, com certeza. Dá mais conforto, deixa o ambiente arejado, e diminui a quantidade de moscas circulando, o que deixa a cava menos estressada”, avalia o agricultor.

Kronbauer também apostou nos cuidados com a nutrição animal, o que de acordo com ele, aliado às iniciativas voltadas ao bem-estar das vacas, contribuiu para que fossem registrados bons resultados na produção.

No que diz respeito à alimentação do plantel, ele terceiriza o trabalho de preparação da silagem, mas o milho utilizado é cultivado por ele. Já a ração é preparada na propriedade de forma personalizada. O produtor rural também deixa água à vontade para os animais ingerirem no galpão.

Produtor rural Eduardo Kronbauer e o chefe do escritório da Emater, Rudinei Pinheiro Medeiros explicam os benefícios das ações (Foto: Taís Fortes)

Reflexos na produção das vacas leiteiras

Ele e o chefe do escritório da Emater em Mato Leitão, Rudinei Pinheiro Medeiros, ressaltam que no período de calor, especialmente entre os meses de janeiro e março, a tendência é que a produção de leite baixe, em função do estresse causado pelas altas temperaturas aos animais. Além disso, o calor pode provocar problemas reprodutivos.

“Para o animal é muito pior que para o ser humano”, compara Kronbauer. Atualmente, a produção de leite na propriedade varia entre 600 e 650 litros por dia, o que no somatório do mês representa de 18 mil a 20 mil no mês. Medeiros comenta que o pico de produção de leite normalmente acontece de julho a setembro. Na propriedade Kronbauer, por exemplo, nesses meses a produção pode chegar a mil litros por dia.

No entanto, técnico e agricultor observam que o frio muito intenso e períodos chuvosos também atrapalham a produtividade. O agricultor do Acesso 20 de Março, que se dedica à atividade junto da esposa Dilana Soares Pereira, 27 anos, pretende fazer novos investimentos no futuro.

Entre eles está a construção de sala de ordenha junto ao galpão do compost barn, onde as vacas em lactação permanecem semiconfinadas (elas têm acesso livre à pastagem). O casal também projeta edificar uma sala de resfriador, pista de alimentação, banheiro e depósito junto à estrutura.

Ventiladores e ‘chuveirinhos’ para gerar mais conforto

Em Linha Conceição, o produtor André Luís Schorr, 52 anos, e a esposa dele Flávia, de 50 anos, também adotaram medidas semelhantes às realizadas por Eduardo Kronbauer. Na alimentação, ele utiliza uma ração com um componente chamado ‘ice’, que auxilia no trabalho do rúmen do animal e funciona como se ele estivesse tomando gelo. Já em relação a equipamentos, na sala de espera, antes da ordenha, há sombrite para ajudar a proteger as vacas do sol.

O agricultor também usa ‘chuveirinhos’ para ajudar a baixar a temperatura do animal – de quatro a cinco graus. O primeiro banho acontece às 5h, enquanto as 62 vacas em lactação aguardam pela ordenha. Ao longo do dia, são mais cinco momentos para refrescar os animais: às 8h, entre 10h30min e 11h, às 14h, entre 15h30min e 16h e, por fim, às 17h, novamente na sala de espera, pouco antes da última ordenha do dia.

No galpão, do sistema free stall, as vacas têm acesso à água e alimentação (Foto: Taís Fortes)

“Tem dois anos que instalei esse sistema e dá resultado. Quando ligamos o ‘chuveirinho’ no galpão, as vacas já se movimentam e se direcionam para o cocho [de alimentação]. O animal é inteligente e nós precisamos ler o que elas mostram”, compartilha Schorr. O método é utilizado de outubro a maio. “A vaca precisa se adaptar, então quanto antes começar a resfriar ela, melhor”, comenta o agricultor. Na propriedade em Linha Conceição, o sistema de confinamento utilizado é o free stall, com as vacas leiteiras separadas por baias individuais. No galpão há 12 ventiladores instalados, seis de cada lado.

No local, as vacas permanecem confinadas durante o dia e à noite são liberadas para ir à pastagem. Nos meses de inverno, elas também ficam no pasto no período da manhã. No galpão, elas têm à disposição alimentação e água, o que garante muito mais conforto aos animais. “A queda nos meses mais quentes é normal, mas com essas técnicas ela é menos acentuada”, cita o produtor.

A produção no local é de 1,5 mil litros de leite por dia e 45 mil no mês. No inverno, a produção bate quase dois mil litros diários. Os dois produtores, assim como outros agricultores de Mato Leitão, contam com a assistência do escritório municipal da Emater para o desenvolvimento e aprimoramento das atividades, além de profissionais contratados.

Agricultor André Schorr e Medeiros atestam os benefícios do uso dos ‘chuveirinhos’ e dos ventiladores (Foto: Taís Fortes)

Cuidado com o bem-estar animal deve ser preocupação o ano todo

O bem-estar das vacas em lactação deve ser uma preocupação durante o ano todo e não apenas no verão. Além disso, segundo o engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Guilherme Heisler, que é natural de Mato Leitão, é importante saber que os animais tendem a manter as funções vitais em equilíbrio (mantença, reprodução e produção), mas quando são expostos a condições desfavoráveis, a primeira atividade que costuma ser afetada é a produção.

“Em um ambiente desconfortável, o animal tende a reduzir ou até cessar a sua produção, com o intuito de redirecionar esforços e/ou nutrientes para a mantença e reprodução”, explica. Caso o ambiente se torne ainda mais desfavorável, a segunda função a encerrar é a reprodução, porque o animal se preocupa em garantir recursos unicamente para a sobrevivência.

“Em uma instalação termicamente desconfortável, pode-se esperar, portanto, que o animal não apresente todo o seu potencial produtivo, fazendo-se necessário o uso do conhecimento da ambiência para que estratégias possam ser adotadas com o objetivo de produzir resultados mais satisfatórios”, destaca Heisler, que tem mestrado e doutorado em Produção Animal/Sistemas de Produção de Ruminantes, também pela UFRGS.

Sabendo desses fatores, o engenheiro agrônomo compartilha que foi estabelecido o conceito de Zona de Conforto Térmico (ZCT). “Nada mais é do que a faixa de temperatura do ar em que o animal não tem sensação de frio ou calor, e que, portanto, não há gasto calórico para manter sua homeotermia (condição que permite que os animais mantenham a temperatura aproximadamente constante). Assim, todos os nutrientes adquiridos são totalmente direcionados à produção”, esclarece. Essa zona de conforto térmico encontra-se na faixa de 4°C a 26°C.

Alternativas para promover bem-estar às vacas leiteiras

Engenheiro agrônomo Guilherme Heisler explica sobre a importância do bem-estar animal (Foto: Arquivo pessoal)

De acordo com o profissional, existem inúmeras estratégias que podem ser adotadas para atenuar o estresse térmico das vacas leiteiras. Uma delas é o acondicionamento térmico natural, quando há alteração oriunda do ambiente externo, do uso de elementos ou da concepção construtiva, com o objetivo de surtir efeito no microclima da instalação.

“Para se promover o acondicionamento térmico de uma instalação, é importante saber que o microclima é afetado por diversos elementos, entre eles a radiação solar incidente na cobertura (maior responsável pelo aumento da temperatura na instalação), a produção de calor dos próprios animais e de possíveis equipamentos, a passagem do ar pelas aberturas e a transferência de calor por paredes e pisos, o que aquece as instalações de dia e as resfria à noite”, compartilha.

Por isso, o engenheiro agrônomo ressalta que alguns elementos são necessários para a promoção do acondicionamento térmico natural, como sombreamento, manejo adequado da ventilação natural, adoção de pés direitos altos, uso de telhado com baixa absorção e transferência de calor, beirais com comprimentos satisfatórios, uso de materiais de fechamento dos oitões com boa inércia térmica, pintura reflexiva, uso de foros de cobertura, cortinas, lanternins, aberturas de ventilação adequadas para passagem de grande volume de ar e saídas de menor dimensão.

“Outra opção é o chamado acondicionamento térmico artificial, que faz o uso de equipamentos, como ventiladores, nebulizadores e exaustores, para controlar o microclima da instalação. Sua adoção permite resultados mais rápidos e precisos, sendo possível manter o microclima a qualquer hora do dia, independentemente da variação climática externa. No entanto, sua adoção requer custos maias elevados”, observa.

Segundo o profissional, a utilização de sistemas de pressão positiva ou a de pressão negativa, juntamente da aspersão, são uma grande tendência na produção leiteira. “Os sistemas de pressão negativa são altamente utilizados nas instalações avícolas e já existe o seu uso em instalações para vacas leiteiras. Porém, o grande entrave deste sistema é o alto custo de investimento”, comenta.

Hoje, conforme ele, os sistemas de acondicionamento térmico artificiais mais utilizados em vacas leiteiras são os ventiladores e a aspersão de água (chuveirinho) sobre as vacas na pista de alimentação ou na sala de espera da sala de ordenha, medidas adotadas pelos produtores de Mato Leitão Eduardo Kronbauer e André Luís Schorr, por exemplo. “Vejo que estes são os sistemas mais utilizados no presente momento, muito por terem um custo bem mais baixo, apesar de que o sistema de pressão negativa é o melhor que se tem até agora, em termos de conforto térmico e bem-estar animal”, menciona.

Adoção de iniciativas aumenta

  • Para o engenheiro agrônomo Guilherme Heisler, é possível perceber um aumento considerável na preocupação dos agricultores no que diz respeito ao estresse térmico das vacas leiteiras. “O grande motivo é que se tem mais acesso ao conhecimento técnico, assim, o produtor rural sabe que a baixa produção de suas vacas e um possível problema reprodutivo na época mais quente pode ser devido ao estresse térmico”, informa.
  • Heisler também avalia que a adoção de medidas focadas no bem-estar animal pode ajudar a manter o produtor no segmento, porque mitigando o estresse térmico das vacas elas respondem bem na produção e na reprodução. “Assim, ele continua a ter a renda mais constante, sem oscilações devido à produtividade dos animais em razão do estresse térmico”, acrescenta.