Dia Mundial da Água evidencia o impacto das mudanças climáticas nos recursos hídricos

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O Dia Mundial da Água, celebrado amanhã, 22 de março, tem como tema no Brasil ‘A Água nos Une, o Clima nos Move’. A escolha do tema ocorreu no fim de janeiro, em uma live promovida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que marcou o início da Jornada da Água 2024. A programação prevê uma série de atividades, campanhas e eventos durante todo o ano.

Em entrevista à Folha do Mate, a professora na Universidade do Vale do Taquari (Univates), a venâncio-airense Sofia Royer Moraes, aborda a relação das mudanças climáticas com os recursos hídricos. Engenheira ambiental, ela é doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Folha do Mate: Qual a relação entre as mudanças climáticas e a água?
Sofia Royer Moraes:
As mudanças climáticas, embora de natureza ambiental, vêm sendo aceleradas por fatores antropológicos ao longo do tempo, trazendo consequências em todas as esferas da existência. Os impactos decorrentes das mudanças climáticas ocorrem em escala global e local, como pobreza, desenvolvimento socioeconômico e ambiental, além da gestão de recursos.

As principais interferências da mudança do clima com os recursos hídricos estão associadas às alterações nos padrões de precipitação e, consequentemente, na recarga de aquíferos, no escoamento de arroios e rios, adicionando incertezas significativas à disponibilidade hídrica em muitas regiões do planeta.

As mudanças no clima no Brasil alterem o regime de chuvas e evaporação, provocando o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, como inundações e longos períodos de seca. Esses eventos afetam a oferta de água, ameaçando o suprimento de recursos hídricos para todos os meios de vida, seja pela maior exposição à escassez hídrica, quer por questões geográficas, ou ausência de saneamento.

Esses impactos já são percebidas no Brasil?
Sim. Pesquisas e estudos vêm sinalizando uma maior frequência da ocorrência desses impactos negativos em diferentes setores usuários de água no país e com perspectiva de piora desse cenário no futuro, alertando para a necessidade de adaptação.
De acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), através do Estudo Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil, publicado recentemente, os impactos das mudanças climáticas no Brasil sobre os recursos hídricos ocorrem em cenários distintos, em termos de escala de espaço geográfico.
Diferente do restante do Brasil, o Sul possui uma tendência de aumento na disponibilidade hídrica. No entanto, há uma tendência de aumento de imprevisibilidade climática na região, com eventos concentrados de cheias e secas, e, por isso, será necessário adotar medidas de preparação para oscilações desde excesso de água até a escassez do recurso. Será necessário, ainda, adotar medidas de gestão da demanda hídrica e considerar a questão da infraestrutura de proteção contra cheias em algumas regiões.

As inundações que ocorreram no ano passado no rio Taquari são exemplos disso, têm relação com esse contexto de mudanças climáticas?
As cheias do rio Taquari, antes de mais nada, são processos naturais do ciclo hidrológico da Bacia Taquari-Antas. Temos registros de cheias extremas em pelo menos três períodos desde o processo de colonização nos Vales, sendo uma em 1873, outra em 1941 e, recentemente, em setembro e novembro de 2023. Observamos um aumento considerável de inundações em 2022 e 2023 na comparação com toda a série histórica de inundações de Lajeado/Estrela (desde 1939). Uma frequência alta também é observada na década de 80, mas sem registros extremos na região.

Em ambos períodos, temos o registro comum de ocorrência de El Niño, onde na região Sul do Brasil, há um aumento das precipitações. Somado a este fenômeno climático, o ano de 2023 foi aproximadamente 1,48°C mais quente em todo o mundo do que a média da era pré-industrial, de acordo com o serviço europeu Copernicus. E aí você leitor deve estar se perguntando, o que essa informação de aquecimento tem de relação com as cheias de 2023, é um dado global? Pois então, lembram que comentei no início dessa conversa sobre impactos globais e locais, certo? A relação Clausius-Clapeyron prevê um aumento na capacidade de retenção de água do ar (a pressão de vapor de água de saturação) de aproximadamente 7% por grau Celsius de aumento na temperatura, ou seja, chove muito mais, causando nas regiões mais suscetíveis, aumento na frequência de enchentes e inundações, além de movimentos de massa (escorregamentos de terra em regiões íngremes). Em 2023, vimos inundações extremas ocorrendo em diferentes partes do mundo. No Vale do Taquari, foram registradas inundações extremas em setembro e novembro, com 52 vidas perdidas e ainda há desaparecidas na cheia dos dias 4 e 5 de setembro. Sim, o aquecimento global provoca mudanças no clima, e estas são percebidas em escala local.

O que devemos fazer, como cidadãos, empresas e Poder Público, para contribuir com a preservação da água?
Neste contexto de grandes incertezas, como é o caso do impacto da mudança climática sobre os recursos hídricos, é ideal a busca por soluções com duas grandes características: robustas, para lidar com os mais diferentes e possíveis cenários futuros, e que sejam flexíveis o suficiente para possibilitar mudanças de rumo na medida que determinado cenário vá se concretizando. O grande desafio é identificar e implementar um conjunto de medidas de adaptação que garantam a segurança hídrica diante de múltiplos cenários possíveis.

Para as diferentes camadas que usufruem da água, agricultura, irrigação, indústria, população, o desafio é entender o seu papel como usuário deste recurso e exercer em conjunto, a gestão dos recursos hídricos na sua bacia hidrográfica, hoje representada no Brasil pelos comitês de bacia.

Que ações podemos (e precisamos) incluir no dia a dia?
As ações e práticas são diversas, desde a consciência sobre a utilização de água naquilo que consumimos em nosso dia a dia, da roupa a alimentação, aos cuidados de quanta água consumimos em nossos lares e ambientes de trabalho. Colocar voz ativa e ação para tratar sobre a falta de saneamento básico, principalmente no que diz respeito ao tratamento de esgoto e acesso à água potável. Ainda, fortificar ações de reúso de água e de economia circular nos diferentes setores que compõe a sociedade. Cuidar da água é uma oportunidade.

“A água, recurso essencial às condições de vida, deve ser um dos meios em que a sociedade deve(rá) perceber e sentir fortemente os efeitos da mudança do clima, uma vez que o ciclo hidrológico está diretamente relacionado ao comportamento climático.”
SOFIA ROYER MORAES
Engenheira ambiental e doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental



Luana Schweikart

Luana Schweikart

Jornalista formada pela Unisc - Universidade de Santa Cruz do Sul. Repórter do Jornal Folha do Mate e da Rádio Terra FM

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