Como toda pessoa que se identifica com cálculos e fórmulas, Eduarda faz dos números, inevitavelmente, uma relação com a vida. Ela diz que aprendeu a subtrair quem não tinha nada a somar. Somou novos horizontes e um mundo na educação. Vem multiplicando a gratidão pelos sonhos alcançados e procura dividir as experiências de uma mulher trans, negra e, agora, professora graduada, uma das primeiras de Venâncio Aires.
“Todos temos o direito de estar onde quisermos”, resume Eduarda Zabatine, 44 anos, que desde o início de 2023, é professora de Matemática graduada. Nesta semana, quando é lembrado o Dia Internacional de Combate à Homofobia (17 de maio), ela comenta que, mais do que realizar um “sonho atrasado”, como mesma define, os últimos 20 anos foram de dificuldades, ainda mais por ser transexual, nascida e crescida numa cidade de interior.
Eduarda trabalhou no calçado, em confecções, fez faxina e, durante muitos anos, foi safreira numa indústria de tabaco. Buscou novas oportunidades e, num dia quando se candidatou a uma vaga de faxineira, entre os candidatos havia pessoas com diploma universitário. “Eu entendi que, para parar de receber ‘não’, eu precisava parar de deixar isso acontecer. Tentei bolsas universitárias em outras oportunidades, mas não consegui. Até que, em 2019, fiz o Enem e ganhei uma bolsa do ProUni. Finalmente, com 40 anos, comecei a faculdade de Matemática, de forma semipresencial.”
Ainda naquele ano, se inscreveu para contratos temporários pelo Estado e, entre 2020 e 2021, em plena pandemia, trabalhou em setores administrativos e sala de aula. Hoje, ‘profe Duda’, como é chamada, ensina Matemática para 11 turmas, entre os Ensinos Fundamental e Médio, nas escolas estaduais Crescer e 11 de Maio, ambas no bairro Coronel Brito.
Embora entenda que sua história sirva de exemplo para outras meninas e mulheres trans, a professora faz questão de dizer que, em sala de aula, existe profissionalismo, ética e ela é apenas alguém ensinando Matemática. “Sou negra, trans e agora professora. O que muito me orgulha. Ouvir os alunos me chamando de ‘profe’ é um sonho e, desde então, não houve desrespeito. Alunos, pais e colegas de trabalho me acolheram de uma forma grandiosa nas duas instituições, com igualdade e respeito.” Para o futuro, ela pretende seguir estudando e o objetivo é cursar Pedagogia.
Mais compreensão, igualdade e respeito
Eduarda conta que se identificou trans no fim da adolescência. Ainda nos anos 1990, quando pouco se falava em leis e direitos para a comunidade LGBTQIA+, precisou lidar com o preconceito da sociedade e revela que, dentro de casa, na família, a aceitação também foi um processo lento, dolorido e de construção, onde todos evoluíram.
Na rua, não foram poucas as vezes que foi agredida verbalmente e chegou a ser atacada fisicamente, além de ser impedida de entrar em locais públicos. Num dos primeiros trabalhos, no início da vida profissional, diz que um dia algumas pessoas se levantaram quando ela se sentou à mesa para almoçar. “Hoje, podemos dizer que está mais ‘tranquilo’ do que um dia já foi. A sociedade se moldou um pouco e há mais compreensão, igualdade e respeito. Mas isso é algo que na verdade é direito de qualquer pessoa.”
Eduarda, que divide a vida com Jeferson Oliveira, comenta também das oportunidades e entende que elas ainda não são iguais para todos os trans. “Eu me anulei por 20 anos, deixei que as pessoas me julgassem e isso acontece com muitas, que vão se diminuindo. Já temos mais representatividade e mais visibilidade, mas, como cidadã, entendo que é preciso mais oportunidades em outras áreas profissionais, para outras trans que ainda estão escondidas.”
“Não importa o que queremos ser ou fazer. O importante é ir em busca e lutar. Não é fácil, mas é possível.”
EDUARDA ZABATINE – Professora de Matemática