Vanderlei, 49 anos, e Cristina Kuntzer, 42, se conheceram ainda em Ibirubá, antes de decidir deixar o município em busca de uma vida melhor em Venâncio Aires, distante mais de 200 quilômetros. O casamento, em 2001, reforçou um desejo mútuo: ter um filho. Após tentativas frustradas de gerar uma criança, o casal optou por tentar o caminho da adoção.
“Foi em 2016 que a gente resolveu entrar na lista de espera. Sempre foi um sonho nosso ter uma criança, mas só tivemos a ideia depois que a minha ginecologista sugeriu”, lembra Cristina.
No entanto, o que era para ser um tempo de preparação para receber a criança virou um período interminável, que já dura nove anos. O casal, que hoje reside no bairro Cidade Alta, explica que já sabia que o processo levaria anos, mas não esperava que se aproximaria de uma década. “Eu falava que ia esperar só até os 50 anos, e agora já estou com 49. Mas como sabemos que finalmente falta pouco, não custa aguardar mais um pouco”, comenta o mecânico.
O casal consegue acompanhar a fila de espera para adoção, dividida entre município, estado e país, e, por isso, sabe a sua vez está próxima e que o telefone pode tocar a qualquer momento para anunciar a boa notícia. “Controlar a ansiedade é muito difícil. Nós já temos uma peça da casa que vai ser destinada ao nosso filho. Tem vezes que eu penso em já ir montando, preparando alguma coisa, mas a Karina sempre nos orienta a esperar a confirmação”, afirma a diarista.
A Karina Meneghetti, citada por Cristina, é a advogada que assessora a família. A profissional, que também é professora de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), tem como principal atuação auxiliar famílias a entrar no processo de adoção e encurtar o tempo de espera. Além disso, é mãe adotiva de duas crianças e muito engajada no assunto. Via de regra, os pretendentes não precisam do auxílio jurídico para conseguir a adoção, no entanto, Cristina defende a importância da assessoria: “Além de prestar o apoio jurídico, nos ajuda muito com orientações, porque já passou por isso, sabe como estamos nos sentindo”.
Perfil desejado da criança é dificultador
Em entrevista ao programa Folha 105 – 1ª Edição, a juíza da 2ª Vara de Venâncio Aires, Cristina Margarete Junqueira, responsável pelos processos de adoção na Capital do Chimarrão, lamentou as dificuldades percebidas atualmente para encontrar famílias para crianças e adolescentes.
Segundo ela, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) contabiliza cerca de 36 mil interessados na fila – não há dados específicos para Venâncio Aires. Desses, mais de 30% aceitam crianças de 0 a 3 anos, mas o índice reduz gradativamente à medida que a faixa etária sobe. A partir dos 12 anos, o percentual não chega a 1%, por exemplo.
Dessa forma, a juíza atribui à alta procura por crianças da mesma idade como o principal dificultador para que os pretendentes encontrem menores disponíveis. A hipótese é reconhecida pela advogada Karina Meneghetti, no entanto, ela contesta que este seja o único fator que resulte na demora. Para a profissional, há exemplos claros de situações em que a Justiça age sem a rapidez e energia necessária para retirar um menor de um ambiente tóxico.
“As ações deveriam ser mais ativas nessas situações de clara negligência. Se existe um ambiente que já se mostrou ruim, que faz mal para o desenvolvimento daquela criança, por que insistir no vínculo?”, questiona Karina. Em determinadas situações, o processo de destituição do poder familiar é tão demorado que as crianças vão crescendo e saem do perfil desejado por grande parte das famílias. O principal exemplo trazido pela advogada é de Capão da Canoa, onde atuou durante anos. Na cidade do Litoral Norte, o tempo de espera é muito menor, às vezes de um ano e meio, segundo ela.
Cristina Kuntzer faz coro à voz da advogada: “Só de pensar que tem tanta criança sofrendo em situações muito ruins e que a gente está aqui, esperando ansioso, querendo dar amor e carinho, e mesmo assim demora, é muito triste.”
Irmãos
Outro fator que também dificulta a adoção é a existência de irmãos. A legislação prevê que não se corte o vínculo entre eles, ou seja, quando uma família opta por adotar uma criança, se ela tiver irmão também disponível para adoção, é necessário que também seja adotado. No entanto, a circunstância, muitas vezes, leva os interessados a desistirem de ficar com o menor.
Uma das principais alternativas para viabilizar o processo nessa circunstância é chamada adoção compartilhada: quando duas famílias adotam, cada uma um irmão, e se comprometem a manter o vínculo entre eles, com visitas, atividades em conjunto, entre outros. Essa foi uma estratégia usada, inclusive por Cristina e Vanderlei, como sugestão de Karina, para tentar acelerar o tempo de espera. No entanto, até hoje o casal tem dificuldades de encontrar outros pretendentes na modalidade.
“A família precisa viver o luto biológico”
A advogada Karina Meneghetti, enquanto morou em Capão da Canoa, onde dava aulas de Direito no campus da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), liderava um grupo de adoção. Os encontros reúnem famílias que já concluíram o processo – que, inclusive, levam os filhos aos grupos -, pretendentes que estão na lista de espera e pessoas que têm interesse em saber mais sobre o tema, incluindo estudantes de graduação em áreas relacionadas.
Os encontros são pensados para que os pais e pretendentes compartilhassem suas dificuldades, receios e angústias, além de oferecer a oportunidade para troca de experiência. Os espaços também serviam para orientações. “Eu sempre digo que, quando se decide adotar por uma condição própria, do seu corpo, a família precisa viver o luto biológico. A adoção não pode ser vista como o que ‘restou’, por isso o laudo psicológico é tão importante”, reforça.
“No passado, a adoção existia para dar um filho para quem não podia ter. Hoje a adoção existe para dar uma família à criança.”
KARINA MENEGHETTI
Advogada e Professora da Unisc
Desejo da família
Outro ponto muito destacado pela profissional é que o desejo da família seja respeitado. “Muitas vezes, os pretendentes aceitam crianças fora do perfil inicialmente definido por pressão do Fórum, da Justiça ou até da sociedade. E depois acabam se frustrando e tendo algum tipo de dificuldade”, ressalta. Segundo ela, o importante é a criança estar em um ambiente em que se sinta desejada e acolhida, então, além dos pais estarem de acordo, é importante compreender se outras pessoas próximas àquele núcleo familiar também estão prontas, como avós, tios e amigos, para que não seja tratada diferentemente dos demais.
Neste caso, Karina entende que também é natural que uma parcela significativa dos pretendentes desejem crianças muito novas: “Não podemos retirar das pessoas o sonho de trocar fralda, de dar mamadeira desde pequeno, de ver crescer desde o início”, considera. A situação pode ser observada, por exemplo, por Vanderlei e Cristina. Eles contam que querem ter a experiência de participar das atividades das escolas da criança desde o início.
Fases da criança
No grupo de orientação do qual Karina participava em Capão também há uma atenção muito grande com o pós-adoção. “Muda completamente a rotina da casa. As crianças, mesmo se muito jovens, já carregam uma bagagem de violência, às vezes até abuso. Elas nunca chegam zeradas”, explica.
No caso dos adotados mais velhos, os especialistas ponderam que a adaptação é dividida em diferentes etapas. A primeira é chamada de ‘fase do namoro’: logo que a criança chega, esta tem medo de ser devolvida. Por conta disso, tenta se encaixar ao máximo na rotina da casa e faz adaptações para agradar os pais. Depois chega a ‘fase do teste’, que é quando, já habituado e confiante, o jovem começa a agir conforme as suas vontades para testar os familiares.
Com a troca de experiências no grupo, os pais chegam preparados para lidar com esses momentos distintos e evitar maiores atritos com a criança.
Como adotar?
- A manifestação do interesse se dá junto ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, pela internet.
- Depois, ocorre a apresentação da documentação exigida junto ao Fórum, no Juizado da Infância e Juventude. São necessários documentos de identidade, atestado de sanidade física e mental, certidão de casamento, de união estável ou de nascimento, conforme o estado civil, e a certidão de antecedentes criminais.
- Os possíveis adotantes são submetidos a uma avaliação psicossocial e jurídica para averiguar se estão aptas. O período leva aproximadamente quatro meses e, uma vez aprovada, a família entra na fila de espera, que varia conforme o perfil desejado.
Quem pode ser adotado?
- Qualquer pessoa de até 18 anos pode ser entregue à adoção, desde que tenha o poder familiar destituído.
- O processo é voluntário e ocorre quando uma mãe – em raras situações é o pai – procura a Justiça por não ter condições ou não querer ficar com a criança. O pedido também pode ocorrer antes mesmo do bebê nascer.
- Se o processo avançar, é marcada uma audiência com os então responsáveis para realizar a destituição da guarda.
- Em ambas situações, com a criança já nascida ou com a mãe ainda gestante, é dado um período de arrependimento de dez dias. Nos casos em que o parto ainda vai acontecer, a mãe pode desistir depois do nascimento do filho.
Diferentes modalidades de adoção
- Individual: pessoa solteira
- Conjunta: pessoas casadas ou em união estável – heterossexual ou homossexual
- Unilateral: quando um dos cônjuges adota o filho natural do outro