A jovem Maria Eduarda Pereira, de 19 anos, é uma exceção. Dedicada ao extremo e movida por uma força que vou contar a seguir, ela está cursando Medicina, na Universidade de Santa Cruz (Unisc), com bolsa integral, graças à sua pontuação na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A futura neurocirurgiã alcançou 760 pontos e ganhou uma das duas bolsas do curso de Medicina da Unisc. Se tivesse que desembolsar os cerca de R$ 10 mil mensais, só com a universidade, não teria condições de realizar o seu sonho.
Mas o que a motivou a cursar Medicina? O ano era 2017, quando a jovem Maria Eduarda, então com 14 anos, teve que enfrentar o pior drama da sua vida. O pai, Clóvis Thomás Pereira, hoje com 58 anos, se envolveu em um grave acidente de trânsito, no município de Esteio. Ele ficou em coma por dois meses, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, depois, mais um mês hospitalizado. Ao sair da casa de saúde, recebeu o diagnóstico médico de que estava impossibilitado de voltar ao trabalho. Isso sem contar que ficou desacreditado por um longo período.
A adolescente Maria Eduarda acompanhou o dia a dia de uma UTI e, depois de ver, segundo ela, a negligência com que o pai foi tratado, decidiu que seria médica. “Meu pai ficou impossibilitado de trabalhar porque houve um erro médico. A partir daquele dia, decidi que queria ser médica. Quero ter o poder de evitar o que aconteceu com o meu pai”.
Mas o caminho era longo e muito difícil. Maria Eduarda nasceu no dia 21 de junho de 2003, em Vila Mariante, distrito onde viveu e estudou em escola pública (na Escola Mariante) até o ano de 2014. Mas, como o pai trabalhava como motorista de uma empresa da Região Metropolitana de Porto Alegre, decidiram se mudar para Esteio, onde havia outros familiares e “para ele ficar mais perto do emprego”.
Maria Eduarda seguiu os estudos, até o acidente do pai. “Como não pôde voltar a trabalhar, ele e a mãe [Cassiane Pereira, hoje com 40 anos], decidiram voltar a Vila Mariante, pois lá tinham a casa e não precisariam pagar aluguel”, recordou. Mas a jovem Maria Eduarda, já movida pelo sonho da Medicina, decidiu ficar com os tios, em Esteio, para estar mais perto da Capital e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Neste período, ela trabalhou na padaria dos tios e seguiu os estudos. “Acordava todos os dias às 4h30min para estudar. Depois, trabalhava até o meio-dia, almoçava, estudava e, à noite, voltava a estudar”, lembrou. Desde que finalizou o 1º ano do Ensino Médio, ela começou a fazer os vestibulares da UFRGS, para ter uma noção.
Volta a Mariante
Em 2020, com a pandemia e o fim das atividades na padaria dos tios, Maria Eduarda voltou à casa dos pais. As aulas foram retomadas e ela concluiu o 3º ano na Escola Mariante. Seguiu acordando cedo e estudando sem parar. Também fazia cursos on-line e, em 2021, fez o Enem pela primeira vez, mas não atingiu a pontuação para o curso desejado. No ano seguinte, tentou novamente e atingiu os 760 pontos no geral. “Achei que não tinha ido tão bem e então decidi, novamente, fazer vestibular na UFRGS. Atingi média para Direito e outros cursos, mas não para Medicina”.
Mesmo desacreditada na sua nota, Maria Eduarda foi conferir a sua pontuação e descobriu que tinha atingido 960 pontos na redação e também tinha ido bem em matemática. Havia cinco inscritos para o curso de Medicina da Unisc, mas só duas vagas. “Então, no dia 7 de março, quando divulgaram o resultado, vi meu nome em segundo lugar [havia uma candidata mais bem colocada, que desistiu e ela ficou em primeiro]. Não acreditei, pois tinha que aprovar toda a papelada, mas deu tudo certo e, hoje, sou uma estudante de Medicina, com bolsa integral do Prouni”.
Rotina diária
O dia a dia desta jovem estudante de Medicina mudou completamente. Por conta dos estudos, ela e o namorado decidiram antecipar um ato e ela veio a Venâncio morar com ele. Junto, trouxe o fiel escudeiro, o pug Théo, de 1 ano.
Com exceção da sexta-feira, quando só estuda no turno da tarde, Maria Eduarda acorda diariamente às 5h e vai para a Unisc, de onde retorna às 18h. Nas quartas, ela tem o turno estendido e volta da universidade às 23h.
Na turma de Maria Eduarda há 46 alunos, vindos de diversas cidades gaúchas e de outros estados. De Venâncio, além dela, há outros dois futuros médicos.
Saiba mais
• Cristã, muito por conta do namorado, Jéferson Gomes, 24, com quem se relaciona há dois anos, Maria Eduarda cita um episódio vivenciado um dia antes da primeira prova do Enem, realizada em 13 de novembro de 2022, na Escola Monte das Tabocas (a segunda etapa foi uma semana depois, no mesmo local).
• A futura médica não estava confiante e, por conta do destino, um pastor evangélico, que ela não conhecia e com quem nunca tinha tido contato, se aproximou e disse para ela não ficar aflita, pois no dia seguinte teria um grande desafio. Mas também disse que tudo daria certo. Para Maria Eduarda, mais um momento marcante na vida.
“O meu pai está nesta situação porque houve um erro médico, foram negligentes com ele, que ficou impossibilitado de voltar a trabalhar. Quero ter o poder de evitar que isso que aconteceu com meu pai, aconteça com outra pessoa.”
MARIA EDUARDA PEREIRA
Estudante de Medicina