Os primeiros dias de maio de 2024 foram marcados pelo medo, com o avanço das águas do Rio Taquari e do Arroio Castelhano em Venâncio Aires. Na Capital do Chimarrão, 23 mil pessoas foram atingidas diretamente pelo evento climático, que gerou inúmeros prejuízos econômicos e a destruição de residências e comércios.
O promotor de Justiça regional do Meio Ambiente e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Taquari-Antas, Sérgio Diefenbach, concedeu entrevista para a redação integrada do jornal Folha do Mate e Rádio Terra FM analisando o que foi feito neste um ano e como os governos e a população estão preparando para o futuro no âmbito ambiental.

O que você percebe de mudanças e avanços nas questões ambientais um ano depois da enchente?
Em termos ambientais, me parece que os avanços foram muito tímidos. Talvez a grande mudança tenha sido a maior valorização e respeito ao Comitê da Bacia do rio Taquari-Antas, que é um órgão coletivo, colegiado, deliberador de algumas prioridades em termos de bacia, uso e proteção da água. As forças públicas e privadas, corretamente, se concentraram na reconstrução, seja das vias de acesso, escoamento da produção, reconstrução de bairros, cidades e casas. Este período parece ter havido, naturalmente, um certo afrouxamento da fiscalização ambiental, mas é necessário voltar o olhar para prevenção e proteção ambiental e da comunidade.
Dos projetos anunciados nos dias seguintes (planos diretores, desassoreamento de rios e arroios, consórcio para estações meteorológicas e outros), o que avançou?
Os processos anunciados pelos governos, em regra, avançaram, e o Ministério Público está acompanhando. Obviamente que muito abaixo da velocidade que precisávamos e que desejávamos. E a explicação é o fato de três esferas de governo aturem conjuntamente, mas sem total harmonia. Estas burocracias, algumas delas compreensíveis e outras que são ponto para refletirmos e mudarmos, inclusive, a nossa análise federativa, para poder abordar questões dessa natureza. Melhoramos muito, mas não estamos prontos. Primeiro, porque as nossas estruturas de Defesa Civil estão se recompondo e se estruturando, não fizemos ainda grandes exercícios de simulação, o que é necessário para saber se um plano funciona. Os planos ainda são incipientes. As trocas de gestões por conta das eleições municipais também geraram um atraso e uma interrupção disso, porque a maioria dos agentes de Defesa Civil dos municípios são cargos de confiança que trocaram.
Estamos preparados para uma nova tragédia climática? Na sua opinião, como o Vale reagiria ou sofreria se um evento como o de maio do ano passado (ou semelhante) se repetisse agora?
A reorganização ainda está em fase muito ‘infantil’ e precisa criar musculatura. Essa musculatura será criada a partir dos eventos que surgirem, simulados ou reais. O sistema de avisos e a estruturação da Defesa Civil devem auxiliar e deixar a comunidade mais atenta. As pessoas que moravam nas zonas de alto risco não estão de volta nesses locais, quem voltou não está na chamada ‘zona de destruição’, o que reduz o perigo. Também estamos aprendendo a lidar com os deslizamentos, que são fatos novos, difíceis de prever e prevenir. Embora já se tenha avançado em monitoramentos e mapeamentos de áreas, ainda é um ponto mais sensível. Merece mais destaque e atenção a revisão dos planos diretores, que é uma imposição da lei para municípios atingidos por desastres. Esse é um dos projetos estratégicos, porque ele vai gerar prevenção para o futuro e corrige o local de construção ou reconstrução dos espaços, afastando as pessoas das regiões mais perigosas. É um processo que está no meio do seu andamento.
Além da conscientização inicial, você percebe que os gestores municipais e estaduais seguem dando a devida atenção ao tema das mudanças climáticas?
Percebe-se que alguns gestores estão mais avançados na discussão do tema e outros recém conhecendo o assunto. Ele deverá ser tratado por todos os gestores em todas as esferas, mas costuma ser um tema relegado ao segundo ou terceiro plano. Debater o assunto depende de todos, os gestores, academia e imprensa, para gerar a consciência de que nós podemos e devemos ter planos municipais e planos regionais de adaptação as mudanças climáticas.