Um local bonito e perto de tudo. A opinião dos moradores do Loteamento Artus, na parte baixa de Venâncio Aires, é unânime sobre o lugar, também considerado tranquilo quando o assunto é violência. Mas esse ponto da cidade tem outra característica, a qual não causa boas lembranças e ainda mexe com a rotina de muitos: as enchentes, causadas pelo transbordo do Castelhano, arroio que corre próximo da região.
Morando na rua Tiradentes desde 1995, Paulo e Denice Bittencourt, ambos com 70 anos, viram a água entrar dentro de casa três vezes. A mais forte chegou a 40 centímetros de altura, causando inúmeros estragos. Desde então, houve uma readaptação total nos móveis: a cama tem um segundo pé que a eleva em cerca de um metro. O balcão da cozinha (refeito) está quase 50 centímetros do chão. A geladeira fica sobre uma grande caixa, além de armários e prateleiras, todos suspensos permanentemente. “Foi uma forma de prevenir e evitar estragos com possíveis novas enchentes”, conta Paulo, que é projetista industrial aposentado.
O susto de uma enchente ocorrida há cerca de 10 anos, onde o rápido avanço da água surpreendeu todos num fim de noite, fez os Bittencourt tomarem outra decisão: construir mais um pavimento. “Chegamos a cogitar sair daqui, mas decidimos ficar. Daí construímos uma peça no andar de cima, caso aconteça de novo. Felizmente não ocupamos ainda”, diz Denice.
Como forma de se precaver com a chuva, desde 2016, Paulo registra os índices de um pluviômetro em casa. Em planilhas no computador, ele tem os dias, meses e respectivos milímetros. Em cada coluna, há observações, como o nível que a água atingiu na rua ou calçada, ou se não teve impacto.
Quem também precisou repensar a própria casa foi a cabeleireira Cátia Soares, 51 anos, que mora na quadra inicial da rua Tiradentes. Ela está lá desde 2005 e também já enfrentou três enchentes, sendo que a maior atingiu 80 centímetros dentro da residência. Depois das perdas, o jeito foi construir no entorno, fazendo um muro de contenção junto à porta-janela do quarto e à porta da sala. O salão de beleza dela, feito mais tarde, já foi construído a um nível bem alto em relação à rua. “Aqui é ótimo de morar, é lindo e estamos a poucos metros do Centro. Mas infelizmente as enchentes são um risco constante quando chove muito”, considera.
Opinião
Embora as enchentes tenham vindo com força nas últimas décadas, tanto Cátia como o casal Bittencourt reconhecem que algumas medidas melhoraram para os moradores. Algumas delas foram a pavimentação e calçamento e, principalmente, os trabalhos de desassoreamento no arroio Castelhano. “Quando o arroio está limpo, a água sempre encontra um jeito de fluir bem. Por isso, essa limpeza precisa ser constante”, opina Paulo.
Solidariedade de uns, curiosidade de outros
Percorrendo a Tiradentes no Loteamento Artus, se percebem várias casas (construídas mais recentemente) já numa altura maior que outras residências mais antigas. “É praticamente a mesma realidade de famílias ribeirinhas”, compara Paulo Bittencourt.
Devido à necessidade de manter atenção toda vez que chove muito em Venâncio, ou na parte alta do Castelhano, em Monte Alverne, a troca de informações entre vizinhos é corriqueira. “Um avisa o outro, se liga, se ajuda. Estamos sempre em contato e nossos familiares, que moram em outras partes da cidade, também sempre estão em alerta”, complementa o aposentado.
Mas, enquanto entre os moradores e amigos a solidariedade é comum, há pessoas de outras partes da cidade vão até o lugar com outra intenção. “A enchente vira um ponto turístico. O povo é capaz de fazer chimarrão e passar de carro para olhar o estrago. Isso é inacreditável”, critica Cátia Soares.