Em meio às comemorações do bicentenário da Independência do Brasil e das cores verde e amarelo predominando na rua Osvaldo Aranha, um grupo vestiu preto e não tinha muito o que comemorar nesse feriado de 7 de setembro. Indignados com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que suspendeu o piso salarial nacional da categoria, centenas de profissionais da área da Enfermagem de Venâncio Aires protestaram.
Aproximadamente 200 pessoas desceram a rua principal, de forma silenciosa, carregando balões pretos e cartazes cobrando respeito, valorização da categoria e a implementação da lei 14.434, sancionada no início de agosto e que estabeleceu os novos vencimentos de enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras. O ato teve apoio de profissionais do Samu, além da vice-prefeita Izaura Landim, que é enfermeira.
“Se para o Brasil é uma data festiva, nesse exato momento nossa categoria não tem o que comemorar. Porque conquistamos algo que logo foi tirado. Estamos aqui pela indignação com essa suspensão, mas também por amor à nossa profissão”, destacou Luciana Andreia dos Santos, 39 anos, que é técnica em Enfermagem há seis anos no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM).
Mas não somente profissionais, a manifestação contou com apoio de familiares e conhecidos, como Claudio Luis Hister, 46 anos. “Em 2021 eu fiquei 46 dias internado devido à Covid, sendo 13 dias intubado. Por muitas vezes só tínhamos esses profissionais para nos ajudar. Então estou aqui para apoiar a categoria, que tanto já fez”, comentou Hister.
Junto com ele também foi a esposa, Tatiana Gross Hister, 44 anos, que é profissional da área de Enfermagem, mas trabalha em uma clínica geriátrica particular. “Eu tenho um salário já garantido e condizente com o novo piso. Mas e os demais colegas? A luta tem muito tempo e agora querem tirar essa conquista”, lamentou Tatiana.
Reunião no STF
Na terça, 6, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se reuniu no Supremo Tribunal Federal (STF) com o ministro Luís Roberto Barroso para discutir uma saída para a questão. No último fim de semana, Barroso suspendeu o piso e deu prazo de 60 dias para entes públicos e privados da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.
Segundo o STF, “ambos defenderam a importância do piso, mas concordaram com a necessidade de uma fonte de recursos perene para viabilizar os salários num patamar mínimo”, disse a Corte em nota. Ainda conforme o STF, três pontos foram colocados como possibilidades para financiar o piso da enfermagem: a correção da tabela do SUS, a desoneração da folha de pagamento do setor e a compensação da dívida dos estados com a União.
A decisão de Barroso deve ser reavaliada pelo plenário virtual do STF a partir desta sexta-feira, 9.
Valores
• O piso seria pago pela primeira vez nesta semana. A remuneração mínima para enfermeiros foi fixada em R$ 4.750, de técnicos em R$ 3.325 e de parteiras e auxiliares em R$ 2.375.
“Nesse momento não tem como pagar”, afirma administrador do HSSM
A reportagem ouviu a direção do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), que reiterou o que já afirmou anteriormente. “É preciso definir de onde sairá o dinheiro e de quem é a responsabilidade. Não sabemos como vai ficar. Mas fato é que, neste momento, se tiver que aplicar os novos valores, os hospitais não têm como pagar, seja em Venâncio, seja em todo Brasil”, destacou o administrador do HSSM, Luís Fernando Siqueira.
O hospital também é responsável pela administração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e, nas duas instituições, são mais de 270 profissionais cujos vencimentos aumentariam em R$ 210 mil por mês os gastos com a folha de pagamento.
Para Siqueira, os 60 dias dados pelo ministro Barroso não são exatamente um ‘ganho de tempo’ para começar a pagar o piso, mas sim saber de onde virá o dinheiro. “São 60 dias para resolver o que já deveria estar resolvido. É tempo para voltar uma discussão que deveria ter acontecido antes. A lei foi aprovada sem saber qual a fonte de recurso.”
Sobre a manifestação dos profissionais nesta manhã, o administrador destacou a ‘lucidez’ do grupo. “É um movimento legítimo e os profissionais têm todo direito. Claro que estão descontentes, mas vejo que a classe está muito lúcida e sabe das dificuldades.”
A possibilidade de paralisar algum serviço segue fora de cogitação para os profissionais. “A decepção é muito grande, mas nossa manifestação não é contra o hospital ou qualquer entidade de saúde. Por isso vamos continuar trabalhando e ninguém vai paralisar nada. A indignação é por essa decisão do STF e esperamos que logo seja revista”, destacou Daiana Lopes, técnica em Enfermagem e integrante da diretoria do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Santa Cruz do Sul e Região (Sindisaúde).