Recuperação de solo é necessária devido à erosão. Acumulação de material é um dos problemas enfrentados por produtores no interior de Venâncio Aires.
A histórica enchente de maio de 2024 causou mortes e deixou um rastro de destruição em centenas de municípios gaúchos. As vidas não voltam mais e, dentro do que é possível recuperar, muitas coisas ainda podem demorar para voltar à normalidade.
No caso da agricultura, milhares de lavouras foram destruídas e não basta simplesmente replantar o que a água levou embora. Primeiro, é necessário tempo e investimento para recuperação do solo. Só em Venâncio Aires, na região de Vila Mariante e Vila Estância Nova invadida pela cheia do rio Taquari, cerca de 5 mil hectares de lavouras e pastagens sofreram com deposição de solo, ou seja, acumulação de material transportado pela água. Segundo Vicente Fin, chefe do escritório local da Emater, é preciso um trabalho de drenagem nessas áreas, que têm acumulação de solo argiloso. “Outro fator é que as cheias também podem ter trazido sementes invasoras, o que será ruim para reintroduzir pastagens de boa qualidade.”
Ainda de acordo com Vicente Fin, serão necessários pelo menos três anos para recuperação do solo, o que inclui as áreas que não foram afetadas diretamente pela enchente, mas que com o excesso de chuva e enxurradas sofreram erosão. Pelo menos 8 mil hectares onde havia tabaco, milho e soja em Venâncio, precisarão recuperar a fertilidade, com reposição de calcário e fósforo. A Emater também destaca a importância de recuperar o material orgânico das áreas, com cobertura verde e aplicar as curvas de nível, técnica que funciona como uma espécie de barreira, equilibrando a velocidade da água da chuva, evitando a perda de matéria orgânica.
O que o arroio Sampaio levou e também deixou para trás
Ainda no mês de maio, quando as águas do arroio Sampaio recuaram, a Folha do Mate foi ao Vale do Sampaio, no interior de Venâncio Aires, e mostrou os prejuízos causados pela cheia e pelos deslizamentos de terra nas encostas. Lá também foram dias sem energia elétrica e até de isolamento, já que muitas estradas ficaram obstruídas.
Mais de quatro meses depois, os desafios seguem e a preocupação de muitos é conseguir recuperar o solo para os próximos ciclos produtivos. Na propriedade da família Richter, em Linha Santana, que mantém gado leiteiro e suínos, foi há poucos dias que conseguiram trabalhar numa área de 1,5 hectare. Em maio, a cheia do arroio não apenas destruiu a pastagem de inverno (aveia) que serviria de alimento para as vacas, mas deixou muito material depositado. As águas avançaram mais de 200 metros pela propriedade e ninguém lá tem idade e memória suficientes para lembrar de já ter testemunhado situação semelhante.
Quem caminha naquele espaço literalmente afunda os pés, porque o que tem agora é acúmulo de solo arenoso. “Antes não tinha como mexer, porque a terra não firmava”, relatou Andriel Rodrigues, 31 anos. Ele é casado com Andressa Richter, 25, e tocam a propriedade junto com Heitor, 54, e Marilei, 51, pais de Andressa. “Foi feita uma nova valeta, retiradas as árvores que vieram com a água, entulhos e aí espalhamos essa areia toda. Aí conseguimos entrar com implemento para virar a terra e conseguir semear de novo”, explicou Rodrigues. “Vai levar alguns anos para recuperação do solo. Vai ser preciso um trabalho com calcário também”, completou Andressa.
Menos alimento, menos leite
Na propriedade dos Richter, eles mantêm piquetes com três estágios de pastagens para as atuais 16 vacas em lactação. Em maio, devido aos estragos na aveia de inverno e aos problemas de logística, eles também precisaram racionar na alimentação dos animais. Isso, mesmo com a doação de feno e pré-secado intermediada pela Emater. Assim, a produção diária de leite caiu e chegou a apenas 160 litros, sendo que, numa condição normal, as vacas produzem cerca de 360 litros por dia.
Buracos e valetas nas lavouras também vão demandar recuperação do solo
- Os problemas com a erosão causados pelas inundações e enxurradas ainda são visíveis em várias localidades de Venâncio Aires. Em muitas propriedades, além da deposição de material, a água levou terra, abrindo buracos e valetas.
- Considerando as perdas em lavouras, animais, maquinário, casas, galpões e infraestrutura produtiva, um laudo da Emater apontou um prejuízo de quase R$ 100 milhões na zona rural após a enchente de maio.