Há quase 70 anos, quando ainda se consolidava como município, Venâncio Aires viveu uma grande expectativa de se desenvolver a partir de uma rodovia. Naquela época, estava em construção a BR-386, que liga Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, a Iraí, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Ao longo do tempo, cidades que foram incluídas no trajeto da 386 se garantiram na vitrine de uma das mais importantes rodovias do estado e, claro, aproveitaram para se tornar mais atrativas em relação a investimentos e turismo, especialmente. Mas, no fim das contas, a Capital Nacional do Chimarrão não foi contemplada e viu frustrada a ideia de integrar a lista de municípios favorecidos com a obra de infraestrutura.
Quando o trajeto da 386 finalmente foi definido – passando por Lajeado e não por Venâncio Aires, como chegou a ser ventilado, chegando por onde hoje está a RSC-453 e seguindo pela ERS-422, até Boqueirão do Leão -, o prefeito era Alfredo Scherer. Em algumas oportunidades, ele esteve em Vila Deodoro, na Casa Comercial Schulz, para conversar com um dos líderes comunitários da época, Orlando Dinaldo Schulz, que foi vereador e reconhecido como o maior entusiasta da pavimentação da estrada que passa em frente ao seu comércio, onde também mantinha um restaurante e um salão de bailes. Nos encontros, falavam sobre as mudanças que uma rodovia daquela envergadura poderia trazer para Venâncio Aires.
O sonho, no entanto, não se tornou realidade. A 386 foi para ‘outros lados’ e Venâncio Aires e o 3º Distrito ficaram sem o ‘boom’ de desenvolvimento que a rodovia certamente traria. Scherer faleceu antes de a ERS-422 ser asfaltada do perímetro urbano até Linha Brasil. Schulz morreu em 2021, aos 87 anos, sem ver o asfalto passar na frente de casa. Ele não estava interessado no benefício próprio. Era considerado um visionário e lutou enquanto pôde para que a obra fosse concretizada. “Ele sabia que nossa grande chance de desenvolvimento era a partir do trajeto da BR-386 ou da pavimentação da ERS-422, independente do nome que a rodovia fosse ter”, afirma Solange Schulz Ludwig, de 61 anos, que ao lado da mãe, Thuna Schulz, de 88 anos, esposa de Orlando, cuida dos itens que ainda restam no comércio da família.
Elas lembram muito bem do tempo em que a Casa Comercial Schulz ficava tomada de clientes e o restaurante da família também abarrotava. “E, nas datas especiais, como Natal e Ano Novo, entre outras, tínhamos os bailes, com salão sempre lotado. Vinha gente de tudo quanto era lugar para as festas”, ressalta Thuna. Mas, aos poucos, a distância de Vila Deodoro a Venâncio Aires – pouco mais de 20 quilômetros – e o surgimento de novas opções de comércio e diversão foram ‘esvaziando’ o local. Primeiro, cessaram os bailes e, mais recentemente, por determinação dos órgãos de vigilância, Solange parou até de servir almoço, como costumava fazer, a grupos que conheciam o pai e pediam por uma comida caseira. “A nossa propriedade é antiga, tem mais de 100 anos. É a última bodega de secos e molhados de Venâncio Aires. Para seguir, teríamos que investir aqui o que não temos. Estamos perto de encerrar as atividades”, lamenta a filha.
Nova oportunidade
Ao mesmo tempo em que sente que perdeu o ‘trem da história’, há quase sete décadas, Venâncio Aires se mobiliza para não deixar escapar a nova oportunidade: a RSC-287 é a ‘bola da vez’. Os trabalhos de recuperação da rodovia já são visíveis e o contrato assinado entre o Governo do Estado e a Rota de Santa Maria, do grupo espanhol Sacyr, prevê a duplicação entre Tabaí e Novo Cabrais – trecho que compreende a Capital do Chimarrão – até o nono ano de concessão. Dos 204 quilômetros da rodovia, 33 estão no território venâncio-airense. Nenhum outro município tem uma extensão tão grande em seus domínios.
“Se a BR-386 tivesse passado por aqui, acho que teríamos os negócios seguindo em frente, passando de geração para geração. É triste ver a ERS-422, que foi a vida do meu pai, voltando a ser uma estrada de roça, como foi há muitos anos. Que não percamos a sobrevida que a RSC-287 vai dar a Venâncio Aires.”
SOLANGE SCHULZ LUDWIG
Comerciante de Vila Deodoro
- Na época, o percurso entre Porto Alegre e a região Norte do estado era feito, necessariamente, pela BR-386, com passagem pela RSC-287 e, depois, pela RSC-287 e ERS-422. No governo de Leonel Brizola, foi decidida a ‘descida’ de Soledade até Lajeado e Estrela, e não por Venâncio Aires.
- 33 – É o total de quilômetros da RSC-287 no território de Venâncio Aires. Entre Tabaí e Santa Maria, são 204 quilômetros.
Projeções
Embora não revele os nomes das empresas que, nos últimos meses, demonstraram interesse em buscar áreas na RSC-287, em Venâncio Aires, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Nelsoir Battisti, garante que o Município mantém tratativas com uma série de empresas e grupos investidores.
• Empresa da área de tecnologia comprou quatro hectares na 287 e vai se mudar em breve.
• Fumageira consolidando seis mil metros quadrados de área construída em Linha Ponte Queimada.
• Transportadora se instalando perto do campus da Unisc Venâncio Aires, no Loteamento Tabalar.
• Empresa de comunicação visual apresentou carta de intenções para se instalar em área da 287.
• Fumageira locou espaço de três mil metros quadrados e começa as atividades em março de 2023.
• Empresa de refrigeração, de outro município, vai construir 10 mil metros quadrados, inicialmente.
• Grupo comprou 53 hectares para dividir em 853 lotes residenciais, comerciais e industriais. Só entre aquisição da área e obras de infraestrutura, o investimento estimado é de R$ 40 milhões.
• Rede de supermercado adquiriu área no quilômetro 81, em frente ao Casa Cheia, e deve construir um centro de distribuição.
• Investidores compraram área nas proximidades do trevo de Linha Hansel, com intenção de construir uma pousada e um paradouro.
• Prefeitura tem carta de intenções de fumageira que vai construir seis mil metros quadrados em área às margens da RSC-287.
Investimentos confirmados
1 Hotel: O Travel Inn Venâncio Aires será construído em área localizada quase no entroncamento das RSCs 287 e 453, nas proximidades do trevo de acesso à Capital do Chimarrão. Com previsão de 125 apartamentos e investimento acima dos R$ 30 milhões, o empreendimento deve empregar entre 40 e 50 profissionais da construção civil e, quando estiver em funcionamento, garantir entre 25 e 30 empregos fixos. No momento, o grupo de investidores aguarda a liberação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) para acessar o terreno e iniciar as obras de terraplenagem.
2 Stock Center: A rede Comercial Zaffari, de Passo Fundo, vai instalar uma unidade do atacado em Venâncio Aires. A empresa adquiriu terreno de 30 mil metros quadrados ao lado do Ginásio Poliesportivo, do Parque do Chimarrão – distante poucos metros da RSC-287 -, e anuncia investimento de aproximadamente R$ 40 milhões. As obras do novo atacado devem iniciar até o fim deste ano e gerar, no início de 2024, 70 empregos diretos.
- Em relação ao Distrito Industrial de Vila Estância Nova, onde o Município tem uma área de 83 hectares que foi doada pelo Governo do Estado, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Nelsoir Battisti, afirma que há pendências ambientais que precisam ser superadas para o licenciamento e início das obras de infraestrutura. “Precisamos vencer os trâmites burocráticos”, reforça.
Das orquídeas aos cafés, passando pelos itens retrô
Nem só de indústrias e grandes empresas vive a RSC-287. Empreendimentos dos mais variados setores ganham destaque ao longo da rodovia, no trecho de Venâncio Aires. Um deles vai fechar sete anos de atuação junto à rodovia. O estabelecimento se tornou realidade a partir do sonho de Cláudio da Costa Cruz, que era colecionador de orquídeas e planejou construir o espaço quando a aposentadoria chegasse. Em 2010 passou a trabalhar com mais intensidade a ideia do orquidário e, cinco anos depois, abriu as portas do estabelecimento, em uma área que havia adquirido no ano de 2000. “Quando comprei o terreno, a família tinha dúvidas se o local era adequado. Agora, temos certeza”, diz o empresário.
Hoje, o Orquidário Cruz não está mais sozinho. Ao lado dele, a família – os filhos Rovani, Roberta e Raquel e a esposa Eva Regina estão todos ligados aos negócios – construiu um espaço que costuma ser utilizado como show room de móveis antigos e artigos de decoração. E, logo adiante, fica a Casa Laura, uma lancheria que foi aberta para completar o atendimento aos clientes. Além de cafés, chás, doces, salgados e outros itens, a Casa Laura serve almoço e está ampliando o mix de produtos com artigos relacionados ao chimarrão, geleias e muito mais. Tudo no quilômetro 77, na localidade de Linha Estrela. “Todo mundo que vem aqui me pergunta sobre o nome que escolhemos. Laura era o nome da minha mãe, a pessoa mais importante da minha vida e que, infelizmente, já nos deixou”, relata Cruz.
Planejamento
De acordo com o proprietário, o empreendimento provavelmente não teria alcançado tanto sucesso se não estivesse às margens da RSC-287. “Pelo menos não em tão pouco tempo”, aponta. Como as coisas vão bem e a rodovia deve ser duplicada nos próximos anos, ele já está colocando em prática o planejamento para expansão dos atrativos no complexo.
Açudes, onde estão carpas e tilápias, são as novidades. Patos, galinholas e outras aves que costumam visitar o local podem ser avistadas. E ainda há pergolados, flores e jardins que se tornam espaços perfeitos para fotos. Um trio de pavões também habita a área. “Sempre que for possível, vamos agregar novidades ao nosso ponto. Estamos muito felizes e atentos às oportunidades que a 287 ainda vai nos oferecer. Sempre morei aqui nesta região e nunca imaginei que o que era um caminho de roça poderia virar uma das mais importantes rodovias do estado”, finaliza.
“Lembro de uma história dos anos 70, quando o movimento era muito pequenos aqui na 287. Eu e um amigo voltávamos de um baile, de madrugada e de bicicleta, e tínhamos ganho uma torta em um sorteio. Quando estávamos quase chegando em casa, a torta caiu no chão. Nos olhamos e, como não tinha o que fazer, sentamos no meio da faixa e comemos o que restou. Neste tempo todo, não passou um carro sequer. Hoje, não tem nem como cogitar fazer algo assim na rodovia.”
CLÁUDIO DA COSTA CRUZ
Proprietário do Orquidário Cruz e da Casa Laura
Antevisão das oportunidades, negócio consolidado e planos de expansão
Prestes a completar quatro anos de operação em Venâncio Aires, a Agrocenter Languiru, localizada no quilômetro 80 da RSC-287, próximo ao trevo de acesso à Capital Nacional do Chimarrão, colhe os frutos da antevisão das oportunidades que a instalação às margens da rodovia poderia gerar. O coordenador da unidade, James Eisenberger, confirma que, assim que a cooperativa decidiu investir em Venâncio Aires, começou a buscar áreas vizinhas à 287. “Em primeiro lugar, veio a escolha pelo município, pois identificamos uma produção importante de milho por aqui. Como precisamos de 12 mil a 14 mil sacos do cereal por dia para as operações da Languiru, o potencial produtivo teve peso decisivo. Na sequência, passamos a buscar a área ideal para o negócio e, hoje, podemos dizer que a escolha foi excelente”, afirma.
A facilidade de acesso à Agrocenter é um dos diferenciais. Por conta disso, produtores de diversos outros municípios da região se deslocam até a unidade para entrega de produtos. “O posicionamento estratégico nos favorece muito. Estamos praticamente no entroncamento das RSCs 287 e 453, o que permite que os produtores venham de diferentes pontos da região e do estado. Vivemos também a expectativa da pavimentação da ERS-244, a partir da 287, em Venâncio Aires, até a ERS-405, em Vale Verde, que representará uma nova e importante rota de escoamento de produção”, ressalta ele.
Eisenberger destaca que a Agrocenter Languiru está consolidada e virou referência para as famílias de produtores rurais. “A família vem toda junto para comprar. O pai vê os equipamentos e insumos para a agricultura, a mãe analisa itens para o dia a dia e os filhos, normalmente, vão em busca das novidades”, comenta.
Expansão
A cooperativa iniciou a sua atuação com o leite e seus derivados. Depois, vieram os suínos e aves e, mais tarde, a Agrocenter. Tem ainda supermercados, postos de combustíveis e hortifrutigranjeiros e está sempre analisando as possibilidades que o mercado oferece. Na Agrocenter, hoje, é possível encontrar máquinas e implementos agrícolas, insumos, sementes e defensivos, bem como rações, sais, farelos e medicamentos para a nutrição animal. Ainda estão à disposição o bazar, ferramentas, ferragens, material elétrico e hidráulico. “Na área de máquinas e equipamentos, temos drones para pulverização”, diz o coordenador.
O sucesso do empreendimento e a pesquisa para desenvolvimento de novos produtos deve levar a Agrocenter de Venâncio Aires a uma ampliação, em breve. “Em um futuro não muito distante, acho que vamos expandir as nossas atividades e passar a ser o centro de distribuição para a região em que estamos inseridos”, acredita. O faturamento da unidade, segundo Eisenberger, vem aumentando ano após ano e não teve queda nos anos de pandemia. “De 2020 para 2021, registramos um incremento de 51%. Para 2022, na comparação com o ano passado, nossa projeção de crescimento está entre 35% e 40%”, revela. O bom desempenho, reforça ele, tem muita relação com o local onde está a unidade. Como preocupação, o coordenador destaca a necessidade de, antes da duplicação, a concessionária da RSC-287, Rota de Santa Maria, planejar bem os pontos de retorno na rodovia, para evitar grandes deslocamentos.
Mais segurança, menos custos de logística e posição estratégica
Para Silvio Cezar Arend, economista e coordenador do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), a partir da duplicação, a RSC-287 passará a ganhar ainda mais a preferência dos motoristas, especialmente aqueles que trabalham com transporte de cargas, uma vez que se tornará mais segura e, ao mesmo tempo, proporcionará viagens mais rápidas. “Uma pista duplicada e com mais segurança impacta diretamente nos gastos relacionados à logística. Isso certamente levará empresas e autônomos a optarem pela estrada em melhores condições. Haverá mais agilidade no deslocamento para outras regiões”, salienta.
Segundo Arend, levando em consideração o fluxo de veículos atualmente registrado na RSC-287, a rodovia já deveria ter sido duplicada há muito tempo. No entanto, o investimento foi inviabilizado em razão da situação econômica do Governo do Estado e será concretizado nos próximos anos, por meio da iniciativa privada. “Este conjunto de questões econômicas é que vai tornar a rodovia ainda mais atrativa e, consequentemente, promover uma expansão residencial, comercial e industrial às suas margens”, destaca ele, acrescentando que tanto empresas novas e de fora do município, quanto empreendimentos locais, que queiram mudar de endereço, devem manifestar interesse nas áreas disponíveis na 287.
Política no município
O economista ressalta que, caso o Município decida apostar com força na política de estímulo às áreas que ficam às margens e próximas à rodovia, o processo de expansão será ainda mais célere. “Se houver espaços em condições de se tornarem distritos industriais, a região ficará mais atrativa, bem como a valorização imobiliária ocorrerá naturalmente. A estrada deixa tudo mais prático, pois evita o deslocamento de veículos pesados, principalmente, dentro das cidades”, observa. Arend cita também que a preocupação com o bom funcionamento da 287 precisará ser diária, pois o fluxo será bem maior do que o atual.
Questões como circulação de empregados – de forma individual ou coletivamente – até as empresas já consolidadas ou que venham a se instalar na rodovia, rotatórias, túneis, travessias e elevadas são demandas que precisam ser bem pensadas, “sob pena de a RSC-287 perder este contexto de rodovia de fluxo rápido”. O professor projeta que Venâncio Aires acompanhará incremento no seu potencial de atratividade de novos negócios, mas não acredita que a Capital Nacional do Chimarrão alcance patamares econômicos como os de Santa Cruz do Sul e Lajeado, cidades que são referências para os vales do Rio Pardo e Taquari. “Para isso, seria preciso um investimento muito grande, que não há como quantificar. Santa Cruz e Lajeado têm PIBs bem mais elevados e entendo que não se deve dar luz à concorrência. O mais importante é gerar emprego em quantidade suficiente para a população. Assim, todos ganham”, conclui.