Sonho, luto e recomeço: a transformação de uma mãe

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Ser mãe. Esse sempre foi o sonho da esteticista Eduarda Espíndola, de 33 anos. Ainda na adolescência, enquanto os colegas sonhavam ser médicos, ela vislumbrava um futuro em que a maternidade seria a prioridade e, depois disso, iria em busca de algo que a fizesse feliz profissionalmente. E assim foi. Logo que conheceu o marido, Henrique Endrigo da Rosa, de 31 anos, já questionava: “Quer ser pai? Porque eu tenho certeza que quero ser mãe. Se tiver dúvidas, precisamos resolver isso”.

Em 2018, depois de seis anos juntos, quando já tinham uma vida mais estabilizada e tranquila, planejaram a gravidez. Com 15 semanas de gestação, descobriram que Eduarda tinha um problema chamado placenta prévia – quando a placenta está sobre a abertura do colo do útero, na parte inferior, em vez da superior. “Com isso, a bolsa gestacional ficava acima da placenta, o que exigia repouso e cuidado. Mas eu estava tão feliz que esse sonho finalmente se realizaria, que perder ele nunca passou pela minha cabeça. Poderia acontecer de vir mais cedo, mas nunca tememos por algo ruim”, relata a mãe.

No dia 28 de abril de 2019, com 37 semanas de gestação, Eduarda teve um sangramento. Fez exames, estava tudo bem, mas descobriu que aquele seria o dia do nascimento do Bento, e a cesárea seria realizada pouco tempo depois. “Quando vi a tensão dos profissionais e ouvi o silêncio do seu nascimento, meu coração congelou. Eu e o Henrique nos olhávamos e eu lembro de repetir: ‘Não acredito que isso está acontecendo com a gente’”, declara.

Bento nasceu sem sinais vitais. Depois de muito esforço dos profissionais de saúde, ele foi reanimado. Mas, já tinham passado 25 minutos, e logo o coração parou novamente, sem tempo para qualquer outro procedimento ou transferência hospitalar.

O luto

Ao mesmo tempo em que era impactada pelo que estava acontecendo, Eduarda sentia calma, uma paz. “Eu sempre acreditei muito em Deus e que ele não descuida de nada. Acredito também que tudo na nossa vida tem uma razão, e eu e o Henrique o conhecemos de perto naquele dia. Ele não podia nos poupar daquilo, mas nos ajudaria a enfrentar esse longo processo”, diz. Mesmo que se perguntasse o porquê de ter acontecido algo de tamanha dor, entendeu também que esse era um propósito seu, algo que embora de uma forma muito doída, era necessário para evoluir.

Com o tempo, Eduarda passou a viver o luto, algo que é um processo muito único de cada pessoa. No início, evitava falar, mas depois sentiu a necessidade de desabafar sobre alguns sentimentos e utilizou o perfil pessoal no Instagram para isso. “Falar sobre a partida não era fácil. Ainda é difícil algumas vezes, então escrever era um bom caminho pra que as pessoas entendessem como eu estava, o que pensava e sentia”, comenta.

You can – Você pode

Depois de algum tempo, Eduarda percebeu que deveria ter um perfil exclusivo para falar sobre os seus sentimentos e sobre o Bento, como se fosse uma espécie de memorial, já que as pessoas incentivavam a continuar escrevendo. No quarto que já estava pronto, preparado para receber Bento, o casal havia colocado na parede, como parte da decoração, a frase em inglês ‘You Can’, que significa ‘Você Pode’, em português. “Queríamos que ele viesse sabendo que podia alcançar tudo o que quisesse nesse mundo”, recorda.

Dessa ideia foi escolhido o nome ‘Você Ainda Pode’ para o perfil da rede social. Para marcar que, apesar da dor, da perda, de faltar um pedaço, ainda se pode fazer algo especial. “Ainda podíamos ajudar pessoas, ainda podíamos falar dele e por ele”. Relatos de Eduarda e Henrique, de familiares e amigos que se sentiam tocados para falar sobre o Bento abasteceram a página, principalmente no primeiro ano, além dos textos da mãe.

“O principal ensinamento que Bento nos deixou foi olhar para o hoje, agradecer e fazer o que de melhor pode ser feito com o que se tem. Eu parei de pensar no ‘e se fosse assim’ ou ‘quando eu tiver isso’. Bento me ensinou a fazer a melhor limonada com o limão que tiver ao meu alcance. Isso alivia ansiedade e medo. Isso traz gratidão de forma muito forte.”

EDUARDA ESPÍNDOLA – Mãe do Bento, do Gael e do Raví

Em 2020, a bênção dupla

Mesmo com toda a dor e sofrimento que a partida de Bento causou, Eduarda e Henrique nunca pensaram em desistir. O sonho da maternidade ainda estava presente e só era necessário esperar algum tempo para que ele se tornasse realidade. Depois do nascimento de Bento, Eduarda precisou fazer uma cirurgia.

Descobriu um teratoma, um tumor benigno no ovário direito, e era necessário realizar um procedimento cirúrgico. Era necessário lidar com medos e inseguranças de entrar no ambiente hospitalar mais uma vez. “Foi algo difícil, principalmente por entender o quanto isso poderia afetar nas próximas tentativas de engravidar. Hoje, sei que quando um ovário não funciona bem, o outro costuma aprender a ‘trabalhar sozinho’. Enquanto uma pessoa normal ovula cada mês de um lado, meu corpo aprenderia a ovular sempre no mesmo”, explica.

Era preciso aguardar um ano para tentar uma nova gestação, mas em 10 meses o casal decidiu que era o momento e, na primeira tentativa, veio o positivo. “Engravidar de novo não era uma substituição, uma forma de abafar a dor. Sempre soubemos que Bento teria irmãos, seríamos uma família grande”, diz. Dois dias após descobrir a gravidez, a pandemia de coronavírus paralisou o mundo. “Se eu tivesse esperado um ano como o recomendando, provavelmente nossa história seria diferente. Continuo acreditando que Ele cuida de todos os detalhes.”

Depois do positivo, a notícia inesperada: gêmeos. Sem ter nenhum caso de gravidez gemelar na família, receber essa novidade foi algo extraordinário para todos. “Mais uma vez, nos sentimos abençoados e usados quando se fala em fé. Gosto de olhar para os detalhes de toda nossa história e o quanto as peças se encaixam em algum momento”, reforça.
Gael e Raví nasceram no dia 18 de outubro de 2020. Com a bênção e felicidade de ter gêmeos depois da perda, Eduarda cita também as dificuldades de assumir a casa, os bebês e a necessidade de ela e Henrique se fortalecerem enquanto casal, no primeiro ano de vida dos meninos. Os dois entenderam, com as dificuldades, o quanto tinham a aprender. “A maternidade é, sem dúvidas, o trabalho mais exaustivo que já conheci, e por já ter perdido, era como se eu não pudesse perder nenhum momento. Vivi e ainda vivo intensamente a cada dia os aprendizados na vida dos meninos. Eles me fizeram encontrar com aquilo que eu sonhava lá atrás, aos 16 anos. Sou muito grata por suas vidas.”

Desde cedo, Eduarda e Henrique falam sobre o Bento para os irmãos. Um ursinho com asas de anjo é utilizado para marcar sua presença, um presente das madrinhas dos três meninos, que foi utilizado ainda durante a gestação, para as fotos. “Como ‘mãe de anjo’, eu sempre senti necessidade de dizer que Bento importava tanto quanto um avô que partiu. O avô apenas carregaria mais histórias e lembranças. Explicamos desde sempre que existe um irmão mais velho e que ele é uma estrelinha que mora no céu e que cuida sempre da gente. Nossa intenção é que eles saibam o quanto Bento mudou nossas vidas e, embora não esteja aqui, sempre será um de nós”, define.

A mudança

A família está morando na Flórida há sete meses. A vontade da mudança surgiu após uma viagem para a Disney, feita em outubro de 2019. No mesmo dia da chegada e partida de Bento, o pai de Eduarda ganhou quatro passagens para a Disney. Mais uma resposta dos planos de Deus na vida da família. Depois da viagem, brotou o desejo de viver no exterior, principalmente de Henrique, que pesquisou muito o que era preciso para a mudança. “Há sete meses, partimos pra essa loucura, com dois bebês pequenos e um cachorro, sem nenhuma rede de apoio, em uma vida totalmente nova. Os meninos estão conhecendo um mundo incrível aqui. Acho que, quando é pra ser, a gente vai, com medo mesmo, nada consegue parar o que na está nos planos de Deus. Vir pra cá nos uniu muito como família, só temos a gente, por isso cuidamos muito um do outro”, comenta a mãe.


Gravidez dos gêmeos, em 2020, com Bento simbolizado por um urso (Foto: Gabriela Kohn/Divulgação)

“Acredito em Deus e nas coisas magníficas que Ele pode fazer. Hoje sinto que fomos instrumentos para falar de fé em meio ao que parecia o fim. Acredito que os meninos vieram para que as pessoas olhassem nossa história e nunca duvidassem da existência Dele.”

EDUARDA ESPÍNDOLA – Mãe do Bento, do Gael e do Raví

Você ainda pode: transformação registrada em livro

Com a experiência dos textos na página do Instagram ‘Você Ainda Pode’, que atualmente conta com 1.574 seguidores, muitas pessoas incentivaram Eduarda a escrever um livro. No primeiro ano, ela escreveu com mais frequência, mas o perfil nunca ficou parado ou esquecido. “Muitas pessoas me procuravam para conversar, com histórias parecidas ou não. Quando percebi, não era mais sobre mães que perderam bebês, eram pessoas com alguma doença grave, que perderam um familiar querido e eu começava a ver todo aquele primeiro ano fazendo sentido”, diz.

No ano passado, sentiu vontade de transformar essa experiência em livro. Publicou no perfil pedindo ajuda para isso e a jornalista Giuliane Silva e a publicitária Bárbara Teixeira se dispuseram a colaborar. “Acho que, juntas, formamos um bom time e eu nunca vou saber dizer o quanto sou grata por essas duas, que sempre acompanharam de pertinho nossa história. Minha intenção continua sendo que ele chegue a quem precisa daquelas palavras e que acalme corações aflitos por onde passar”.


Henrique, Eduarda, Raví e Gael moram na Flórida atualmente (Foto: Divulgação)

O livro entrou em pré-venda no dia 28 de abril deste ano, exatos quatro anos após o nascimento de Bento. Com o valor arrecadado na pré-venda, serão impressos os livros. A primeira meta, de R$ 5 mil, foi alcançada no mesmo dia. E, com isso, foi estabelecida uma nova meta, agora de R$ 9 mil, para a impressão de 500 exemplares. Os livros serão entregues a todos que participaram desse processo e o restante será levado para livrarias e eventos. Quem quiser contribuir pode acessar pelo link https://bit.ly/voceaindapode.

O livro ‘Você Ainda Pode’ apresenta a transformação da família com a chegada e partida de Bento. “Perder o Bento foi o nosso começo, recomeço. Nós construímos tantas histórias juntos, que deu até para escrever um livro. Foi sobre o quanto ganhamos em viver a vida mais leve e grata. Perdemos em vida, mas ganhamos laços fortes para a eternidade”, completa.



Cassiane Rodrigues

Cassiane Rodrigues

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), atua com foco nas editorias de geral, conteúdos publicitários e cadernos especiais. Locutora da Rádio Terra FM, tem participação nos programas Terra Bom Dia, Folha 105 1° edição e Terra em Uma Hora.

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