Morando em Vila Mariante desde o mês de janeiro, vinda da cidade de Taquari, Sandra Beatriz Paz, de 49 anos, quer dar um tempo para esfriar a cabeça, colocar os pensamentos no lugar e recomeçar a sua vida. Em entrevista concedida à Folha do Mate, na tarde da terça-feira, 5, disse que os últimos dias foram de muito sofrimento e revelou que esteve na iminência de ser morta, em duas oportunidades. Ela também citou as ameaças de morte direcionadas a ela e aos seus familiares e fez um alerta: “Conheçam bem a pessoa antes de a colocar para dentro da sua casa”.
Ao lado da mãe, Maria de Lourdes da Rosa, de 73 anos, e do padrasto, relembrou os últimos acontecimentos e falou de quando e como conheceu o agressor, um homem de 37 anos, morador de Porto Alegre e dono de uma extensa ficha criminal. Nela constam ocorrências de roubo, tráfico de drogas, associação ao tráfico e homicídio.
Sandra contou que após alugar um estabelecimento comercial, na localidade de Linha Santa Mônica, o indivíduo começou a frequentar o local. Como não tinha dinheiro, disse que fazia biscates e começou a lhe ajudar. “Então nos envolvemos e o levei para dentro da minha casa, mas em menos de um mês vi que ele não era uma pessoa normal, era agressivo e chegou a brigar com os clientes”.
Os dias passaram e ele parou de trabalhar e só lhe pedia dinheiro para comprar cachaça e outras drogas ilícitas. Sandra notou que estava perdendo sua clientela e então o mandou embora. “Ele sumiu por alguns dias, mas depois voltou e quebrou a porta da minha casa para entrar. A partir de então, disse que não sairia mais e pioraram as agressões físicas e a pressão psicológica, culminando em um cárcere privado, que só acabou com a intervenção da Brigada Militar”.
ESCAPEI DA MORTE
A situação só piorava e chegou ao ponto do acusado quebrar uma máquina de música para pegar o dinheiro, cerca de R$ 200. Foi neste período que ela escapou da morte pela primeira vez, porque se fingiu de morta. “Apanhei muito e ouvi quando alguém disse que eu estava morta e então eles foram embora”.
Sandra se refere a um episódio que aconteceu na noite do sábado, 25 de junho, no bar que ela alugou e o denominou de ‘Bar da Sandra’. Ela recorda que já havia sido agredida e ameaçada pelo ex-companheiro e que resolveu sair do bar. Ao retornar, viu que tinha fogo dentro do estabelecimento e ao se aproximar, levou uma paulada na cabeça e desmaiou. O que aconteceu depois ela não sabe, mas pelas dores no corpo, acredita que foi agredida com chutes e socos, durante o tempo em que ficou caída, ao lado de uma cancha de bocha.
Em um determinado momento ela recobrou a consciência, mas se fingiu de morta, pois ouviu vozes de pessoas que estavam ao seu redor. Inclusive, um deles colocou a mão no seu pescoço para sentir os sinais vitais. “Eu fiquei bem quietinha e ele disse que eu estava morta e então eles foram embora”. Sandra se referia ao então companheiro e alguns amigos, segundo ela usuários de bebidas alcoólicas e crack.
Assim que as pessoas foram embora, ela se aproximou do local onde havia chamas e então foi socorrida por um casal de vizinhos. Foi colocado fogo em um canto do bar, incendiando algumas cadeiras, tapetes e um guarda-sol. As chamas foram tão intensas que atingiram e destruíram parte do telhado.
Com muitas dores e sangrando muito, ela mesmo ligou para o Samu e pediu socorro. Devido aos ferimentos narrados, a atendente do Samu entrou em contato com a Brigada Militar e uma guarnição acompanhou o atendimento. Sandra foi socorrida e encaminhada para atendimento médico, pois sentia dores na cabeça e na coluna. Os policiais militares encontraram o ex-companheiro dela, o detiveram e o encaminharam à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA).
Já no domingo, 26, depois de medicada, Sandra foi levada até a DPPA, onde o caso foi registrado e ela solicitou as medidas protetivas da Lei Maria da Penha. O agressor foi ouvido e liberado.
De volta à Vila Mariante, a vítima foi orientada pelos policiais a se afastar do bar por alguns dias e buscar um local seguro para ficar, até que a situação se acalmasse e as medidas protetivas fossem deferidas.
O CÁRCERE
Sandra ouviu os policiais, fechou o bar e a casa – localizada nos fundos do estabelecimento – e foi para a residência de um familiar. Permaneceu lá até a quinta-feira, 30, e como não teve mais notícias do ex-namorado, voltou ao bar e à sua casa. Ao chegar, viu que ela estava trancada por fora, com corrente e cadeado, e acreditou que o agressor tivesse desaparecido mesmo. Ledo engano. Ele havia feito um buraco no assoalho da casa e estava dentro do imóvel, como se nada tivesse acontecido. “Estava lá desde o domingo, depois que o liberaram da Delegacia. Inclusive, comprou cachaça em um bar e colocou na minha conta”, declarou a vítima.
Assim que ela entrou no imóvel e se deparou com o ex, Sandra tentou fugir, mas foi agarrada e ouviu ele dizer que ela não sairia mais de lá. Armado com um facão, passou a fazer ameaças e a deixou presa na casa até a segunda-feira, 4. Nestes período, Sandra disse que passou fome, foi agredida e sofreu muita pressão psicológica. “Ele fazia comida para ele e quando eu ia pegar, tirava meu prato e dava para os cachorros. Passei muita fome e medo”, resumiu.
Sandra queria dar um fim à situação e viu que a melhor saída era deixar o ex ficar embriagado e quando ele dormisse, teria uma chance de fugir e pedir socorro. Foi o que ela fez na manhã da segunda, 4, depois do acusado passar a madrugada ingerindo cachaça. “Fugi e fui até a casa da minha mãe. Contei tudo e pedi pra ela ligar para a Brigada. Depois voltei e quando cheguei lá, ele já estava acordado e perguntou onde eu tinha ido. Inventei que tinha ido tentar vender uma TV e então ele parou de me questionar, dizendo que então teriam dinheiro para gastar”.
A BM demorou a chegar, pois a mãe de Sandra não conseguia completar uma ligação. “Aqui o telefone não funciona direito, mas eu sabia que a mãe ia ficar tentando, até conseguir”. Sandra sentiu um alívio quando já era escuro e escutou um veículo parar em frente ao bar e depois escutou os passos de pessoas de aproximando. Em seguida ela escutou batidas fortes na porta e correu para abrir, já sabendo que se tratava da Brigada.
Assim que ela viu os policiais militares, pediu ajuda e o homem foi preso dentro de casa. Ao lado dele havia um facão e uma foice. Apesar da agressividade com a mulher, ele não reagiu a abordagem policial. O homem foi apresentado na DPPA e o delegado Vinícius Lourenço de Assunção o autuou em flagrante pelo crime de cárcere privado, devendo ele ainda responder pelo dano qualificado, por ter quebrar o assoalho da casa da vítima. Ele foi encaminhado à Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) e o delegado representou pela sua prisão preventiva, visto que tem antecedentes por roubo, tráfico de drogas, associação para o tráfico e homicídio, todos cometidos na região metropolitana de Porto Alegre.