
“Guten tag, was sie wollen”, ou então traduzindo, “Boa tarde, o que você deseja?”, é dessa forma que os clientes são recebidos na loja de Jacinta Morsch, localizada há 16 anos em uma das ruas mais antigas da área central de Venâncio. A forma com que as atendentes se dirigem aos clientes é comum na Jacob Becker, onde circulam, diariamente, dezenas de pessoas de características semelhantes.
As rodas de conversa, sejam nas calçadas ou mesmo nos barzinhos, ou ainda o atendimento em lojas e a troca de informações entre cliente e atendente chamam a atenção, recebem olhares desconfiados, são alvos de risadinhas ou mesmo de simpatia por quem passa por eles. Mas não é pela maneira que se vestem ou se portam, mas sim pela língua que falam. Comum em nossa região de colonização germânica, a língua alemã, ou melhor, o dialeto, é praticado na Capital do Chimarrão, atravessa gerações e se torna requisito no comércio da cidade.
Na quadra entre as ruas Osvaldo Aranha e Júlio de Castilhos as propagandas e músicas na língua não podem faltar. Na loja de instrumentos de música e mídias, existente há cerca de 36 anos no local, os CD’s com músicas alemãs e de bandinhas são vendas garantidas. Os proprietários, que também atendem os clientes em alemão, Víctor e Clarice Seibt, garantem que, mesmo com o passar dos anos e a chegada de novas gerações, a busca por esse tipo de música segue forte. Além disso, o chamariz da loja, a caixa de som na porta, tocando as músicas animadas, muitas na língua alemã, faz o maior sucesso.
A língua como exigência
Na loja de Jacinta, as três atendentes, além da própria empresária, entendem e falam o dialeto. “Ao entrarem na loja os clientes já perguntam se alguma atendente fala alemão e quando se responde que sim, acabam se sentindo mais à vontade e o diálogo flui”, destaca Jacinta. Ela ainda acrescenta que ao procurar por funcionária, a preferência sempre é por alguém que saiba falar alemão, já que a grande maioria dos clientes são do interior. “é preciso agradar o cliente de todas as formas, deixá-lo satisfeito. Já tive funcionários no passado que não falavam alemão e era notória a dificuldade, muitas vezes, de comunicação, e com isso o cliente não se sentia à vontade, até porque tem muitas pessoas que não conseguem falar bem o português.”
Lisane de Oliveira, que é funcionária da loja, fala alemão fluentemente, assim como seu filho Gustavo, de 20 anos. Ao conversar com a reportagem ela confidenciou que o filho está prestes a ser empregado pela qualificação a mais no currículo. “Como ele foi criado em Linha Isabel com os avós ele entende e fala tudo em alemão. Então, como nessa rua o comércio todo prefere funcionários que tenham esse diferencial, ele está prestes a ganhar seu primeiro emprego.”
A agricultora de Linha Olavo Bilac, Nelsi Schwingel, sabe bem da importância de ser atendida por pessoas que conseguem dialogar em alemão com ela. “Geralmente vou de duas a três vezes por mês à cidade para fazer compras, pegar remédio e pagar contas e dou preferência por lojas em que sou atendida por atendentes que falem alemão, pois é muito mais fácil de se comunicar.”
Costumes que vêm e passam de geraçõesA combinação de atendentes preparadas, música embalando o andar na calçada e a corriqueira coincidência de encontrar conhecidos, fazem com que a rua Jacob Becker, quadra entre as ruas Júlio de Castilhos e Osvaldo Aranha fique cheia, principalmente nas sextas-feiras. No ponto de referência, a Rodoviária Velha, o movimento se torna intenso por volta das 13h e no fim da tarde, quando ali param os ônibus que chegam e que vão para o interior do município, onde se concentra o maior número de descentes da cultura alemã de Venâncio.
Entre os ‘visitantes do centro da cidade’ estão o casal Dória e Edimar Breunig, de 80 e 84 anos, respectivamente. O casal, que está junto há mais de 60 anos, conta que a sexta-feira é ‘sagrada’ para eles. é o dia em que vão às compras, tomam uma cerveja e encontram os conhecidos para conversar. Mas tudo, claro, em alemão. Dória enfatiza que a língua vem de berço e que assim deveria permanecer. “Deveria haver um maior incentivo para que se falasse mais em alemão. Aprendi com meus avós, passei isso para meus filhos, queria que meus bisnetos também falassem. Mas acho que o costume se perde quando entram nas escolas, onde se deveria ensinar a falar.” Dória ainda conta que quando os filhos a visitam, seu primeiro pedido é que falem em alemão. Animada, ela confidencia que é uma ótima cantora. “Adoramos ouvir música. E eu canto muitas em alemão, e canto bem.” Além disso, ela ainda destaca que, com o passar dos anos, a habilidade de escrever em alemão diminuiu, mas apesar disso, enche a boca para falar que “o alemão é a nossa língua mãe”.
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Alemão no currículo escolar
Para muitas crianças, o dialeto é a primeira língua que aprendem em casa com seus pais ou avós. No entanto, na escola eles devem falar português, que lhes parece como uma língua estrangeira. Mas, de acordo com o professor de Língua Alemã, Altair Luís Bender, mesmo com uma forte presença de pessoas de origem além, a língua não é valorizada e preservada.
Professor há 23 anos, Altair acredita que nas escolas a língua alemã deveria ser uma bandeira, proporcionando “reconhecimento do que eles [colonizadores] nos deixaram e fizeram pelo surgimento de nossas cidades”.
O professor ainda ressalta que “o interesse de estudar alemão depende muito do incentivo que as crianças recebem de seus pais e justamente saber da importância que isso terá no futuro e para o crescimento pessoal e profissional”.
Dialeto x Língua alemãBender explica que são duas línguas. “O dialeto é uma variação do alemão gramatical. Isso não quer dizer que seja menos importante, muito pelo contrário. Deveríamos valorizar muito mais, pois ele está com seus dias contados, irá se perder. O alemão gramatical está nos livros, nas gramáticas e dicionários, o dialeto somente na boca dos nossos avós.”