O acirramento político no Brasil tem sido acompanhado de manifestações de intolerância nas redes sociais e também fora delas. Em uma democracia, divergir é natural, mas o cenário tem se dirigido para a radicalização e evidenciado a dificuldade de aceitar quem pensa diferente.
Para o psicólogo, psicoterapeuta e facilitador de grupos de diálogo, Arnaldo Bassoli, a intolerância vem da ideia de que nossas crenças são as únicas crenças verdadeiras. “é preciso entender que aquele que pensa diferente de mim também tem suas razões – e DIALOGAR!” Co-fundador da Escola de Diálogo de São Paulo, instituição que busca melhorar a qualidade e a profundidade das conversações, Bassoli concedeu entrevista ao jornal Folha do Mate em que aborda o clima de radicalização política que toma conta do país.
Folha do Mate – A origem da dificuldade do diálogo em tempos de crise política passa pela intolerância?
Arnaldo Bassoli – Sim. Entre outras coisas, pela intolerância. O que é a intolerância? é a atitude de fechar-se mental, afetiva, existencialmente ao outro, aquele que acredita em uma verdade diferente da minha. Mostro isso em minhas atitudes, no meu corpo, na minha expressão física, na minha fala. Posso até construir muros, fisicamente, para evitar o convívio com ele! Na intolerância, na falta de encontro e Diálogo, quando acredito que minhas crenças são as únicas crenças verdadeiras, isolo-me dos relacionamentos humanos – que são a essência da vida. A verdade não é minha; é nossa. Ao criar condições para o Diálogo, criamos condições para que haja uma verdade multidimensional, não unidimensional. Em outras palavras: compreendemos que todos têm suas necessidades, e elas são diferentes entre si; não há fórmula única que atenda a toda a diversidade presente no mundo vivo e no mundo humano.
Você acredita que as redes sociais acentuam o acirramento político que há hoje no Brasil?
Sim e não. Em essência, não são as redes sociais que acentuam o acirramento político no Brasil; mas elas o tornam mais presente, mais volátil, mais rapidamente o disseminam. No mundo da rede social, tudo acontece num piscar de olhos. Postei, e pronto. As conversas são rasas e o ritmo é acelerado. Tudo se “viraliza”; e tomamos posições mais emocionalmente. Tudo isso contribui para, mas não é “a” causa do acirramento político. Não há uma só causa. O acirramento tem múltiplos fatores causais e dimensões, nacionais e extra-nacionais, de toda ordem: sociais, políticos, econômicos, etc. Notamos que há uma tendência à unidimensionalização e radicalização em todos esses campos – não só aqui, mas no resto do mundo também. Precisamos cuidar disso; precisamos aprender a dialogar e dialogar muito!
Como falar sobre o momento do país sem ser agressivo?
Difícil, não é? O momento de acirramento que vivemos envolve de maneira importante um recrudescimento das emoções. Não é a razão que radicaliza; não é que percebi uma verdade importante para todos, que quero compartilhar com todos. O que me leva ao acirramento é o fato de sentir-me ameaçado em minhas crenças. Por que eu me sinto ameaçado em minhas crenças? De novo, por muitos fatores… porque minha educação me ensinou assim… porque o “ethos”, a ética deste momento, e a organização sistêmica do nosso mundo agora parece acreditar que é melhor crer em uma só coisa e conflitar-se com aquilo que é diferente… quando sabemos, na verdade já sabemos muito bem sabido, que a grande riqueza está na diversidade. Os sistemas vivos mais fortes são aqueles que contam com a maior diversidade. é fato… E fico agressivo também porque eu não refleti de maneira aberta a respeito dessas minhas crenças. Ficar agressivo é sinal de fraqueza, não de força. Qualquer um que reflita sobre aquilo em que crê pode perceber que o que confere força às suas crenças é a autenticidade, não o dogmatismo. é que elas vêm de dentro de mim porque estou aberto, não porque tento enfiá-las goela abaixo – minha goela, ou a do outro, tanto faz. Isso é ser agressivo.Passamos por um momento difícil, no país e fora dele. é preciso abrir a cabeça. é preciso enxergar o outro. é preciso entender que aquele que pensa diferente de mim também tem suas razões – e DIALOGAR! Vemos líderes radicais sendo cada vez mais populares – como por exemplo, nos EUA, com Donald Trump vencendo primárias pelo partido Republicano… a ética dele é excluir os diferentes. Talvez seja mais fácil dar vazão à raiva do que admitir a diferença – de igual para igual…Se cuidarmos de cultivar uma outra ética, a do respeito às diferenças, não há necessidade de agressão. A agressividade deixa de ter sentido.Por que não fazemos isso antes das guerras? Por que nos deixamos arrastar por elas? Por que recorremos à agressividade? Sempre há outra saída. Ela é muito mais inteligente, mas mais trabalhosa também.