Assim como em todos os demais municípios brasileiros, a condução de Lula pela Polícia Federal na manhã desta sexta-feira para prestar depoimento na 24ª etapa da Operação Lava-Jato repercutiu, e muito, em Venâncio Aires. Foi difícil ir a algum lugar sem ouvir comentários a respeito do assunto que tomou o país por inteiro. A reportagem da Folha do Mate foi em busca de opiniões que pudessem esclarecer os reflexos de tudo o que está acontecendo no centro do país.

 

Foto: Divulgação / Divulgaçãoshaushaushau
Presidente fez discurso depois de prestar depoimento

 

 

Foto: Guilherme Siebeneichler / Folha do MatePrefeito Airton Artus (PDT)
Prefeito Airton Artus (PDT)

Para o prefeito Airton Artus (PDT), o fato de a Lava-Jato ter chegado ao ex-presidente Lula é preocupante, pois esta seria a confirmação “de todos os deslizes cometidos pelo seu governo, que continua, agora na pessoa da presidente Dilma”. Artus lembrou que, no primeiro mandato de Lula, o Brasil inteiro acompanhou atentamente ao processo que ficou conhecido como ‘Mensalão’, e que atualmente, “com a rede que está formada no Governo Federal, os brasileiros têm, a cada dia, novidades desagradáveis relacionadas ao ‘Petrolão’”.De acordo com o chefe do Executivo Municipal, o governo do Partido dos Trabalhadores não restringiu os desvios à Petrobras, “pois certamente teremos notícias dos tentáculos no BNDES e na Eletrobras, sem contar os episódios das vendas de medidas provisórias”. O maior prejuízo aos municípios, conforme o prefeito, será o corte de emendas e queda na arrecadação, com consequente redução nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios – no setor público – e o temor dos empresários no que tange os investimentos – na iniciativa privada. “Tivemos uma reunião com o pessoal da Secretaria Municipal da Fazenda, pois acreditamos que os reflexos serão imediatos e deixamos claro que, aconteça o que acontecer, não vamos medir esforços para manter os serviços à população”, concluiu.

 

Foto: Guilherme Siebeneichler / Folha do MateVice-prefeito Giovane Wickert (PT)
Vice-prefeito Giovane Wickert (PT)

“Fatos precisam ser esclarecidos”

O vice-prefeito Giovane Wickert (PT) disse que o partido, em nível municipal, está acompanhando os fatos através da imprensa nacional. “Não estamos aqui para julgar. Queremos que seja colocado tudo a limpo e que toda a Operação Lava-Jato seja bem conduzida, para que venha tirar uma dúvida que é de todos os brasileiros”, disse.O que mais preocupa, segundo ele, é a instabilidade econômica gerada a partir dessas ações. Wickert afirma que é necessário pensar o desenvolvimento do país como uma nação. “A economia como um todo sofre, seja o setor produtivo, empresarial ou os trabalhadores”, destacou.Sobre a forma como foi feita a operação, que conduziu o ex-presidente Lula até o local que prestou depoimento, ele disse que não é possível julgar se a maneira foi correta ou não. “Não cabe a nós julgarmos como foi conduzido. Estamos aí para apoiar a verdade”, finalizou.

 

 

 

Foto: Cássia Colla / Folha do MateLuiz Edemir Freda, presidente do PT em Venâncio Aires
Luiz Edemir Freda, presidente do PT em Venâncio Aires

“Cabe à Justiça averiguar e julgar”

O presidente do diretório do PT de Venâncio Aires, Edemir Luiz Freda, disse que se existir qualquer irregularidade caberá à Justiça averiguar os fatos e julgar se procedem, independente da pessoa envolvida. “Não cabe a nós julgar, mas nosso posicionamento é muito claro, de que somos contra qualquer ato que tenha envolvimento ilícito”, comentou.Ele disse que encarou com estranheza a forma como ocorreu a operação. “O Lula, até onde entendi, nos últimos dias apenas não queria sair de São Paulo para prestar depoimento. Acredito que 200 homens para conduzir ele nos faz estranhar a ação”, opinou.

 

 

Foto: Cássia Colla / Folha do MatePresidente da Câmara Municipal, José Ademar Melchior
Presidente da Câmara Municipal, José Ademar Melchior

“Já sabíamos que ia dar nisso”

O presidente da Câmara Municipal, José Ademar Melchior, o Zecão (PMDB), disse que, particularmente, já sabia que chegaria o dia que Lula precisaria esclarecer irregularidades. Ele comentou que um cenário político envolvido em fraudes e investigações prejudica substancialmente a saúde financeira não só para os entes federados, mas principalmente, aprofunda a instabilidade econômica que as empresas enfrentam. Além disso, teme prejuízos ainda maiores nas exportações.

 

Cenário pode influenciar no processo de impeachmentNa opinião do mestre em Direito e especializado em Direito da Administração Pública, Edison Botelho Silva Júnior, o atual cenário político do país pode influenciar, principalmente, nos rumos do impeachment, uma vez que considera o processo mais político do que jurídico e também reflexo do momento. Já o processo que tramita junto à Justiça Eleitoral e pode resultar na cassação da chapa Dilma-Temer dependeria mais da comprovação de irregularidades relacionadas, especificamente, ao período da campanha eleitoral.O especialista reforça que o impeachment se caracteriza pela análise de crimes cometidos por uma determinada pessoa, neste caso, a presidente Dilma, mas como os deputados federais e senadores não precisam apresentar nenhuma justificativa para votar entre o sim e o não pela admissibilidade do processo, explica que a apresentação de provas não é tão determinante. Ele afirma que o impeachment depende mais da força de mobilização da oposição para que dois terços dos deputados sejam favoráveis ao processo.A revista Istoé desta semana implicou o nome de Dilma a irregularidades com base em uma suposta delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS). Segundo a reportagem, a presidente teria interferido nas investigações da Operação Lava-Jato, bem como teria conhecimento do esquema de corrupção em processo em investigação. Na avaliação de Botelho Silva Júnior, tudo ainda está em uma fase muito de especulação. “Mas é bom que nós estamos nos acostumando com o fato de ter investigações mais aprofundadas em âmbitos mais altos do poder no Brasil. Seria interessante que essa prática permanecesse”, diz.

 

Especialista analisa cenário

Para o professor de sociologia do departamento de Ciências Humanas da Unisc, César Goes, a condução coercitiva de Lula reflete dois cenários distintos. O primeiro deles é a definição de um novo padrão republicano regido pelas instituições, tanto jurídicas como da própria polícia, com processos de investigação e construção de inquéritos. O outro cenário, segundo ele, reflete a contaminação da democracia pelo conservadorismo das elites.Ele afirma que isso pode ser constatado através da escolha delimitada do alvo na investigação. O primeiro aspecto elencado é considerado, pelo especialista, um processo positivo e resultado da democratização da sociedade e, o segundo, mostra uma face mais “perversa” que utiliza um processo muito frágil da democracia para manter determinados conjuntos de interesse. O sociólogo esclarece que as práticas exercidas pelas empreiteiras (principais envolvidas na Lava-Jato) são históricas. “Elas não nasceram no governo Lula e na gestão de Dilma como as investigações parecem querer nos fazer crer. A Lava-Jato se pauta, sobretudo, nos últimos anos, e não busca irregularidades existentes, por exemplo, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e quem dirá no governo Fernando Collor de Melo”, sustenta.

EspetacularizaçãoGoes analisa que a condução coercitiva teve, acima de tudo, a finalidade de gerar espetáculo. “Dez viaturas e uma ordem, que era apenas intimação, é fruto da sociedade de espetáculo”, diz. Segundo ele, o próprio ex-ministro da Justiça, do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Afonso Gregori, se pronunciou dizendo que a ação foi ‘estapafúrdia e anticonstitucional’. “O inquerido precisava ser convocado antes de ser infringido a força a dar o depoimento”, avalia.Sobre as ações do promotor Sérgio Moro, Goes comenta que o próprio Judiciário não tem consenso definido. “As suas atitudes são absolutamente autocráticas e, em boa parte, inconstitucionais. No fundo são ações de espetáculo para criar fatos que acabam sendo um desserviço para a justiça”.

Lula pode sair fortalecidoO especialista avalia que o ex-presidente Lula pode sair fragilizado midiaticamente deste processo, porém, se nenhuma irregularidade for comprovada poderá fortalecê-lo. “Isso significa a possibilidade de dar força a uma candidatura dele em 2018”. O sociólogo afirma que, essa sexta-feira, 4 de março, entra para história brasileira, como um dia triste já que o país fragilizou seus processos democráticos já que fez uso de espetáculo para criar um fato.

Quadro econômico não se alteraNa visão de Goes é demagogia relacionar a instabilidade política a fragmentação da economia. “O desgaste da economia é muito anterior ao cenário conturbado no meio político”. Ele afirma que , o quadro econômico está ligado aos efeitos do processo de investigação que traz as claras o modo de como grandes empresários cresceram na história recente do Brasil. “Por exemplo, se muitas obras pararam isso não é resultado da recessão, isso é reflexo dos empreiteiros que estão sobre investigação ou presos”, justifica.Outro aspecto que prejudica a economia nacional é a tensão internacional como a crise da imigração na Europa, a disputa eleitoral nos EUA, a sustentabilidade dos planos neoliberais na América Latina, entre outros aspectos. “As dificuldades, em uma ordem regida por um modelo internacional, acabam vinculadas à uma crise política”. Outro problema que resulta na fragilidade financeira do país, na analise do sociólogo, foi a aposta do governo em ‘uma espécie de fôlego’ para alavancar projetos grandiosos.