A rotina muda a vida das pessoas. Conviver com alguém que, na teoria, é sua cara-metade, pode ter desdobramentos nunca imaginados. Ciúmes, brigas, separações e, nos casos mais extremos, mortes. Só nos primeiros oito meses deste ano, a Polícia Civil de Venâncio Aires instaurou e remeteu à Justiça, 202 inquéritos de mulheres que se disseram vítimas de seus maridos ou companheiros.
Um dos relacionamentos resultou em duas mortes. A polícia apurou que a mulher pretendia terminar o namoro com o companheiro, que não aceitava o rompimento. Passaram a noite no apartamento dela e, na manhã seguinte, o homem saiu com o carro dela e o arremessou contra um caminhão. Morreu no local. Enquanto a polícia atendia a ocorrência e os bombeiros retiravam a vítima das ferragens, um chamado: o apartamento de onde o homem havia saído estava em chamas. No local, encontraram a mulher morta, com o corpo parcialmente queimado.
Situações como esta são exceção, mas demonstram o grau de loucura que um relacionamento pode gerar. “As pessoas têm sempre a tendência a esperar que o outro mude”, explica a psicóloga Márcia Preus, uma das profissionais que atua no Posto de Atendimento à Mulher (PAM) do município. Na sua visão, o bacana de um casal é poderem sentar e pensar juntos o que não está funcionando no relacionamento. “Um dos males do século é a dificuldade que as pessoas têm de escutar”, acrescenta a psicóloga.
Dados da Polícia Civil de Venâncio Aires revelam que de janeiro a agosto deste ano, 202 procedimentos de violência doméstica foram instaurados e remetidos ao Poder Judiciário. Depois de serem atendidos nem 3% voltou a agredir
GRUPOPor determinação da Justiça, semanalmente os homens denunciados por infringir a Lei Maria da Penha se reúnem com as psicólogas do PAM. Relatam o que abalou a vida do casal e buscam recomeçar a vida. A reincidência não chega a 3%. Os relatos e participantes do Grupo Terapêutico de Homens Agressores são os mais variados. Pessoas de todas as faixas etárias e de classes sociais distintas contam suas histórias e buscam, nas seis sessões, encontrar o que causou os conflitos familiares, as brigas e a consequente separação.
No entanto, um fato é o mais citado pelos participantes: o ciúme. Na visão deles, a companheira tinha este sentimento mais aguçado e que foi ele o gerador das brigas e do fim do relacionamento. Em uma das sessões, Márcia e sua colega Aneline Schneider Decker atenderam 21 homens. Quinze deles que iniciavam as sessões e outros seis, já finalizando o acompanhamento. Entre estes seis, a metade já reatou o relacionamento e busca uma nova forma de viver ao lado da amada.
CIúMEO ciúme é o balizador dos relacionamentos. Um homem, casado há mais de 25 anos, relatou para o grupo que ficou alguns dias longe da esposa e dos filhos, em funçãodo ciúmes. “Foram os piores dias da minha vida”, garante. Outro fator citado como gerador de conflitos familiares é a falta de conhecimento entre o casal. “Quem aqui sabe qual a cor e a comida preferida da sua companheira”, questionou Aneline.
A psicóloga menciona situações onde o casal passa o dia trabalhando e, à noite, ao invés de sentar para conversar, entra em atritos por situações banais. “E para não brigar, o homem sai de casa, bate a porta ou, como já me disseram, vai para o bar tomar um trago. Isso não é solução”, acrescenta. O Grupo foi criado para que os denunciados recebam uma nova chance e para que tentem voltar à vida ou, em alguns casos, reatem e dêem um novo rumo ao relacionamento. A participação nas sessões é determinada pela juíza Márcia Doeber Wrasse, da 3ª Vara do Fórum de Venâncio Aires.
Cada homem é orientado a participar de seis sessões, sempre as quintas-feiras pela manhã. Ao ingressarem no Grupo, fazem uma entrevista inicial com as psicólogas e, ao final, uma de desligamento. As profissionais elaboram um laudo que é encaminhado à magistrada. Ela o analisa durante a audiência que terá com a vítima e determinará o futuro do acusado. Se entender que as sessões não surtiram o efeito desejado, adota outras medidas e, se for o caso, o homem pode até ser preso, caso descumpra as medidas protetivas impostas pela Justiça.
Reinserção social dos homens é fundamental
A visão de reinserção é vista como necessária pela secretária estadual de Políticas para as Mulheres do Rio Grande do Sul, Ariane Leitão. Em entrevista para a reportagem, declarou que esse é um trabalho que tem apoio no Judiciário gaúchgo e da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Essa integração acontece pois a pasta estadual não trabalha com recursos diretamente voltados ao público masculino e sim específico às mulheres.
“Mas tanto com o judiciário, quanto com a Susepe nós temos também um trabalho de reeducação e reintegração desses agressores, com índices baixos de reincidências”
Ariane Leitão – secretária estadual de Políticas para as Mulheres
Exemplo de projeto desenvolvido é o denominado de “Metendo a Colher”. A ideia é conscientizar os agressores enquadrados na Lei Maria da Penha de que a segurança pública irá monitorá-los, mesmo em liberdade, além de educá-los para que não voltem a agredir. “A um acompanhamento daqueles que são presos por violência doméstica pra esse processo de integração desses presos na sociedade, a partir do entendimento de que a violência doméstica não pode ser uma prática permanente na vida deles.”