Com a atenção dividida entre a explicação da professora Larissa Maggioni Steffen e às letras que se unem para formar palavras, na folha de exercícios, Arthur Elias Giehl, 6 anos, descobre que o “C de Coelho” também é a inicial de casa, cenoura e Curitiba. Até o fim do ano ou, no máximo, na metade do ano que vem, a expectativa é que ele e os colegas da turma de 1º ano do ensino fundamental do Colégio Gaspar Silveira Martins estejam alfabetizados.
A partir de 2019, o que já é realidade para estudantes como Arthur deverá abranger todos os alunos do país, de escolas públicas ou privadas. A nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), entregue na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE), propõe que todos os estudantes saibam ler e escrever, com sete anos, ao fim do 2º ano do ensino fundamental.
A antecipação de um ano no limite para alfabetização é a principal mudança da nova base curricular – documento que vai orientar a reelaboração dos currículos de educação infantil e ensino fundamental de todo o Brasil. Resultado de três anos de estudos e pesquisas, com referências internacionais de países como Canadá, Austrália e Estados Unidos da América, a BNCC ainda aguarda a aprovação no conselho.
Para o diretor do Colégio Gaspar, Tiago Becker, a base curricular não acarretá grandes mudanças na instituição, já que o processo de alfabetização é trabalhado fortemente no 1º ano e se completa no 2º ano do ensino fundamental. “Dos 43 alunos que frequentavam o 1º ano em 2016, apenas dois não se alfabetizaram completamente no ano passado, mas estão concluindo este processo agora”, exemplifica.
Nas escolas da rede municipal, entretanto, será necessário alterar os currículos – modificação que deverá ser acompanhada pela formação dos professores.
O processo de alfabetização atual é construído em três anos. No 1º, inicia-se a alfabetização. Há uma ênfase maior no 2º ano, mas processo final se dá no 3º. Agora, as escolas terão dois anos para se readequar, para que façam acontecer a alfabetização até o 2º ano.” Alice Theis, coordenadora pedagógica da secretaria municipal de Educação.
De acordo com ela, do ponto de vista pedagógico, a mudança é positiva e viável. “A criança é ávida por aprender, tem gosto por aprender, quer evoluir, tanto que não se conforma quando chega ao 1º ano e não tem atividades relacionadas à alfabetização. é possível, sim, alfabetizar uma criança em condições normais em dois anos.”
Alteração exigirá mudanças na educação infantil
Além das mudanças nos currículos do ensino fundamental, a nova proposta de alfabetização exigirá alterações na etapa anterior: a educação infantil. “A partir desta obrigatoriedade de alfabetizar até o 2º ano, a educação infantil precisará trabalhar o mundo da leitura e da escrita. Isso não significa, de forma alguma, antecipar a alfabetização, mas, sim, trabalhar habilidades e competências que deixem a criança apta ao processo de alfabetização que se inicia no 1º ano do ensino fundamental”, explica a coordenadora pedagógica do Município, Alice Theis.
O diretor do Colégio Gaspar Silveira Martins, Tiago Becker, também comenta a importância das competências desenvolvidas na educação infantil para que a criança consiga aprender a ler e a escrever no início do ensino fundamental.
Partimos do princípio que o aluno vem da educação infantil conhecendo as letras, os números e os sons, e com o domínio da motricidade fina, o que faz com que ele consiga pegar o lápis da forma adequada. Tiago Becker, diretor do Colégio Gaspar Silveira Martins.
Becker ainda lembra a importância do apoio da família no processo de alfabetização, em momentos de brincadeira e no acompanhamento dos temas de casa. “Quando a família está preocupada com a alfabetização, ela acontece de forma mais rápida e o processo é muito mais saudável.”
Na prática
Segundo o profissional, entre as estratégias utilizadas para a alfabetização já no 1º ano do ensino fundamental está a utilização de folhas de tamanho A3 (o dobro de uma folha de ofício), com linhas espaçosas, nas primeiras aulas. “Aos poucos, vamos diminuindo as linhas, até chegar ao ponto que o aluno consiga utilizar o caderno para escrever”, descreve.
Além disso, os cadernos são entregues aos estudantes em uma cerimônia especial, que marca o início de uma nova etapa. “é um processo lúdico, que a criança vivencia de forma natural e prazerosa.”
A professora Larissa Maggioni Steffen observa a evolução dos estudantes que, aos poucos, reconhecem os sons formados pela união das letras e das sílabas. “Com um mês e pouco de aula já notamos muita evolução. é gratificante ver o encantamento e a alegria deles quando conseguem ler e juntar uma letra com a outra.”
Mesma referência curricular na rede pública e privada
A Base Nacional Curricular Comum determina 60% do conteúdo que deve ser trabalhado em cada série. Os outros 40% poderão ser definidos pelos municípios, estados e escolas, de acordo com características locais. A coordenadora pedagógica da rede municipal de ensino, Alice Theis, pondera, no entanto, que, apesar dessa flexibilidade, ao final de cada série, os alunos deverão cumprir um perfil estabelecido pelo MEC.
“Vamos ter um ‘perfil de saída’ de cada ano. Embora tenhamos um manejo de 40% da base curricular, teremos que estar atentos aos tipos de habilidades e competências que esses alunos terão que desenvolver. Não poderá haver uma separação do que a escola quer para seu aluno e o que o está preconizado na base nacional curricular”, esclarece.
Alice vê o caráter positivo da medida, já que ela padroniza que será ensinado em instituições públicas e privadas, em diferentes regiões do país, e reduz o ‘choque’ com a transferência de escola.
é justo que as crianças e os adolescentes tenham acesso a esse conhecimento formal acumulado pela humanidade, porque na hora de competir em um vestibular, um concurso ou uma vaga de emprego, precisam dessas informações. Acredito que isso venha em benefício das camadas mais pobres da população.” Alice Theis, coordenadora pedagógica da secretaria municipal de Educação.
O diretor do Colégio Gaspar, Tiago Becker, concorda. “Será possível transitar entre as escolas sem que haja lacunas tão significativas. As escolas vão se diferenciar pelo que oferecerem de forma extra.”
Outras mudanças
Língua Inglesa – O idioma passa a ser obrigatório a partir do 6º ano. Até então, escolas podiam optar por um idioma.
História – O ensino da História deve ocorrer de forma cronológica. De acordo com a coordenadora pedagógica da rede municipal, Alice Theis, atualmente, no 6º ano, a maioria das escolas inicia a disciplina com a história do Brasil, por isso, será necessário repensar os currículos.
Ensino religioso – O Ensino Religioso foi excluído da Base Nacional Curricular Comum. Embora não haja mais a obrigatoriedade da disciplina, estados e municípios terão liberdade de implantar a matéria de forma optativa. O Município ainda não discutiu a questão.
Ensino médio – O ensino médio não é contemplado na BNCC divulgada na semana passada. Um documento específico sobre essa etapa da educação está sendo elaborado e vai definir os conteúdos básicos para que seja possível colocar em prática a reforma do ensino médio, aprovada em fevereiro deste ano.