Depois de seis décadas, antigo prédio da Casa Comercial Pilz será só saudade

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Foto: Débora Kist / Folha do MateDemolição da antiga casa começou nesta semana
Demolição da antiga casa começou nesta semana

O que leva um pai saudoso e querer o filho por perto? No caso dos Pilz, lá no início da década de 1950, foi o dentista Ricardo pedir para o filho Nilo não ir embora para Porto Alegre. Por isso, lhe ofereceu ajuda e construiu uma “venda”. A proposta de pai para filho foi o início de uma trajetória que atravessou gerações em Centro Linha Brasil e outras localidades.

Uma história que começou há exatos 66 anos, em 30 de novembro de 1952, mas que agora será apenas lembrança. A Casa Comercial de Nilo Avelino Pilz, uma das últimas bodegas antigas do interior de Venâncio Aires, virá abaixo.

Mas isso não é o fim, apenas oportunidade de um recomeço. A atual estrutura, toda em madeira, já não atendia as necessidades legais e da própria clientela. Além disso, a construção do asfalto na localidade foi o ‘empurrão’ que faltava. “Não queríamos deixar a localidade sem um comércio, mas a casa não tinha mais condição. Felizmente veio o asfalto e construímos um novo prédio”, conta a proprietária Selmira Klamt, 63 anos.

Ao lado do marido Elói, ela toca o negócio da família, iniciado pelo pai Nilo. “O pai e a mãe moravam nos fundos, onde tinha a cozinha e os quartos eram em cima. Eu nasci lá dentro”, revela Selmira, que está atrás do balcão desde os 15 anos. No início do trabalho, os irmãos dela, Nestor e Renato, hoje já falecidos, também ajudaram na casa comercial.

 

Foto: Arquivo pessoal / Fotografia antiga, feita na época da inauguração, em 1952
Fotografia antiga, feita na época da inauguração, em 1952

 

SOBRE TELEFONENAS E A QUASE TRAGÉDIAAlém de produtos alimentícios e de outros segmentos, a Casa Comercial Pilz foi, durante quatro décadas, a central telefônica da localidade. Um dos primeiros usuários da linha foi o casal Elói e Selmira. Em 1975, Elói era caminhoneiro da Expresso Cruzador e, para falar com a namorada, a logística era complicada. A ligação iniciava em São Paulo, passava por Porto Alegre e chegava em Venâncio. A partir dali seguia à central do bairro Santa Tecla, por Linha Arroio Grande até, finalmente, Centro Linha Brasil. “E todo mundo podia ouvir”, conta Elói, entre risos.

Para quem vê o local indo abaixo hoje, isso já poderia ter acontecido há muito mais tempo. Mas na época, não seria uma opção e sim, uma tragédia. Em um sábado à noite, em 1975, Nilo, que já tinha carro, levou pessoas para um casamento. A turma, feliz da vida, esqueceu um foguete sob o banco do carona. Naquela madrugada, o artefato estourou e começou um incêndio.

As chamas rapidamente consumiram o veículo e toda a garagem, que também servia de depósito para fogões, camas e colchões, que também eram comercializados no Pilz.Selmira conta que o pai tinha construído um cisterna ao lado da venda e, balde por balde, se preocupou em molhar a parede lateral da casa, para que o fogo não se alastrasse. “Ele conseguiu salvar a casa, mas as marcas ficaram para o resto da vida.” As marcas referidas foram as cicatrizes geradas devido a graves queimaduras sofridas no braço direito.

CANTINHO DA MENTIRAO novo local, um minimercado, continuará oferecendo tudo que sempre teve na venda. Secos e molhados, roupas, calçados, bazar, produtos de limpeza e ferramentas. “De todos os segmentos, continua tudo igual. Na época do pai a gente oferecia da agulha até a televisão.”

O novo prédio, inclusive, deve manter outra tradição: o cantinho da mentira. Todos os sábados, há muitos anos, um grupo de homens se reúne logo pela manhã. “Pedem cerveja, contam piadas e outras histórias, e rola muita mentira”, revela Elói Klamt. O cantinho da mentira, os proprietários garantem, vai continuar no minimercado.

 

Foto: Débora Kist / Folha do MateNovo minimercado foi construído ao lado da antiga casa comercial
Novo minimercado foi construído ao lado da antiga casa comercial

 

Foto: Débora Kist / Folha do MateÀ porta da antiga venda, Selmira diz que não entrou mais no local desde que iniciaram a demolição. “Dói o coração.”
À porta da antiga venda, Selmira diz que não entrou mais no local desde que iniciaram a demolição. “Dói o coração.”

CURIOSIDADES

– A Casa Comercial Pilz foi erguida em apenas 72 dias. O responsável pela obra foi Theobaldo Klamt, hoje com 92 anos. Na época, ele quis comprar um rádio, artigo de luxo e para poucos. Klamt até conseguiu, mas usou todo o dinheiro recebido pelo trabalho, mais o valor adquirido com a venda de três porcos.

– Durante muitos anos, Nilo Pilz foi vendedor dos rádios Mullard e das primeiras televisões da Phillips. Ele mesmo levava os equipamentos e instalava as antenas. A facilidade em subir em postes e a despreocupação com a altura vinham de outros tempos. Nos anos 1940, Pilz foi multicampeão de pau de sebo dos kerbs do interior e o mais ágil para subir em abacateiros.

– Nos primeiros tempos, a maior parte dos produtos oferecidos na venda eram buscados no Supermercado de Avelino Klein, no centro de Venâncio. O empresário aposentado, aliás, no auge dos seus 93 anos, já garantiu que irá visitar a nova casa comercial Pilz.

– “Trabalhista” convicto, o maior orgulho de Nilo Pilz foi receber na sua venda, no início da década de 1960, a visita do então governador Leonel Brizola.

– Em tempos de ânimos acirrados na política, a casa comercial também já sediou um dos maiores comícios do interior. Em 1963, centenas de pessoas fecharam a estrada em Centro Linha Brasil para ouvir o então candidato a prefeito (e depois eleito), Salvador Stein Goulart.

A mudança dos produtos para o minimercado já foi feita, com a ajuda de vizinhos e amigos. Os Pilz/Klamt continuarão com o negócio. A garantia vem das filhas, Juliani, Josiani e Luciani, sempre dispostas a ajudar, e até dos netos, Renan, Leonardo, Guilherme e Vicenzo que, segundo Selmira, “adoram ficar atrás do balcão.”



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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