Em Linha Isabel, o estudante do 7º ano Leonardo Rafael Posselt, 13 anos, caminha cerca de um quilômetro para encontrar um local com sinal de telefone. A ação é necessária para que ele consiga entrar em contato com a Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Sebastião Jubal Junqueira, em Vila Deodoro, e saber quando poderá retirar e devolver as atividades referentes às aulas programadas.
Alguns quilômetros dali, na localidade de Centro Linha Brasil, a vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Cristiano Bencke, Lizete Frey Wagner percorre, de motocicleta, diversas localidades do 5º distrito para entregar materiais didáticos a alunos da instituição de ensino. O mesmo roteiro é feito para recolher os exercícios depois de finalizados.
A semelhança entre essas duas histórias vai muito além de elas acontecerem na área rural de Venâncio Aires. Isso porque, o principal ponto de ligação entre essa professora e esse estudante é a batalha travada por eles para manter a aprendizagem durante a realização das aulas a distância. Além disso, nesses dois casos, os maiores desafios são conseguir ter acesso ao sinal de telefonia móvel, à internet e à tecnologia.
Livros como aliados
Depois de conseguir contato com a escola, de motocicleta, o pai de Leonardo o leva até a instituição de ensino para retirar e entregar o material impresso. Para realizar as atividades propostas pelos professores, o adolescente compensa a falta do sinal de internet com pesquisas realizadas nos cerca de 200 livros didáticos, com conteúdo das mais diversas áreas, que foram armazenados por ele ao longo dos anos. Os itens estão organizados em uma estante, colocada no quarto usado pelo adolescente para estudar.
Outro grande aliado do adolescente na resolução dos exercícios é o conhecimento já adquirido em sala de aula. “Poderia dizer que o principal empecilho é não ter internet. Faz falta. Não gosto de respostas prontas, mas, às vezes, ajudaria muito na pesquisa, porque têm atividades com mais dificuldade”, relata o estudante. O adolescente observa que diferentemente da internet, onde é possível encontrar respostas com mais agilidade, no caso dos livros, é preciso dedicar mais tempo, pois muitas vezes é necessário ler mais de um capítulo para entender determinado assunto.
Para Leonardo, outro aspecto que tem feito falta é o contato com os professores, em especial para ter explicações mais aprofundadas e esclarecer dúvidas. “Já era uma rotina e precisamos passar por uma mudança brusca e repentina. Não é como se fossem férias, porque nessa situação de pandemia existe uma preocupação com os colegas e professores. Precisamos nos adequar a esse novo normal, mas espero que não dure muito tempo par isso passar”, destaca. O menino confessa que até das provas sente falta. “Gosto muito delas, principalmente as de matemática.”
O morador de Linha Isabel, que já ocupou o posto de secretário mirim de Venâncio Aires no ano passado, sonha em ser professor. Para isso, pretende continuar se dedicando aos estudos para, no futuro, prestar vestibular e ser contemplado com uma bolsa de estudos. Enquanto isso, ele segue se dedicando diariamente às atividades das aulas a distância. Além de ser um aluno muito dedicado e estudioso, os pais de Leonardo, Ernane e Márcia Posselt, contam que ele sempre ajuda nas tarefas de casa.
Bastidores da reportagem
Como a família de Leonardo não tem acesso à internet e no local onde eles moram não há sinal de telefone, a reportagem não conseguiu agendar a entrevista. Por isso, a Folha do Mate, a partir da indicação de uma professora, seguiu até a casa do estudante apenas com as orientações recebidas dela e de moradores da localidade de Linha Isabel.
* Colaborou Rosana Wessling
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Nenhum aluno sem as atividades
Por Jaqueline Caríssimi
Em tempos de pandemia, as escolas precisam se reinventar para dar o suporte necessário aos alunos que estão há quase 60 dias sem aulas presenciais. Criar horários especiais de atendimento e espaços isolados para pais de alunos que buscam pelos materiais de seus filhos, cumprir a entrega das atividades impressas na escola ou enviá-las pelas redes sociais, criar canais de interação com os alunos e muitas outras alternativas, são exemplos do que está sendo feito para manter o contato e a orientação das famílias e estudantes enquanto não há aula presencial.
Há escolas que, pela distância e sem transporte escolar, aproveitam para enviar as tarefas pelos vizinhos ou por pais de colegas que residem próximos; outras são levadas pelas próprias professoras de carro ou de motocicleta até as residências mais afastadas, onde os alunos não têm condições de chegar até a escola, ou para quem não tem internet.
Com as orientações do governo do Estado, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Cristiano Bencke, localizada em Centro Linha Brasil, organizou um calendário especial para atender os 122 estudantes até o nono ano. Em muitos casos, a vice-diretora Lizete Frey Wagner vai, de moto, pelos morros da localidade entregar as atividades. “O objetivo é que nenhum aluno fique de fora, uma vez que os temas feitos vão garantir a frequência e a avaliação pelos dias sem as aulas presenciais”, comenta. Ela conta que foram mais de 40 quilômetros rodados de moto para entregar o material em localidades mais distantes da escola como Linha Antão e Marechal Floriano.
Um dos alunos que faz parte do roteiro de Lizete é Ezequiel Moraes da Silva, estudante do 7º ano. O garoto aguarda a professora para devolver as atividades feitas e pegar os exercícios para a próxima semana. “Isso facilita muito, pois não teria como ir buscar lá na escola. Hoje, estudo nos livros e, às vezes, quando não entendo as coisas anoto e quando a professora vem, pergunto pra ela. Está dando certo”, diz o adolescente, que mora na Linha Arroio Grande.
De acordo com a vice-diretora, a escola conseguiu atingir quase 90% dos estudantes em função do aplicativo do WhatsApp. “Também fizemos todos os trabalhos impressos para cada turma em que os pais vieram até a escola buscar os materiais”, ressalta a vice-diretora. Segundo Lizete, embora tenham sido marcados horários para retirada dos materiais, foram abertas exceções para atendimento de pais ou de alunos, até mesmo para utilização da sala de computação “tudo organizado, levando em conta as regras de distanciamento e higienização”, destaca a vice-diretora. Por outro lado, as professoras redobram o trabalho que antes era em sala de aula. Lizete diz que além de monitorar e entregar as tarefas, os professores mantêm atendimento constante aos alunos.
Mudança na rotina com as aulas a distância
Na escola Sebastião Jubal Junqueira, em Vila Deodoro, por causa da pandemia de Covid-19, a rotina mudou muito e de forma inesperada, declara a diretora Adriana Scheibler. Com a primeira etapa de aulas programadas, em março, os alunos receberam as atividades ainda na última aula presencial e levaram para realizar em casa. Para a segunda etapa, em abril, as atividades foram enviadas para os alunos através de grupos de WhatsApp ou de Messenger organizados em cada turma, ou ainda através do Classroom para algumas turmas, em que os professores acompanham e orientam.
“Para os anos iniciais e para quem não conseguiu acessar a internet, as atividades foram disponibilizadas de forma impressa na escola, onde as famílias vieram buscar”, explica a diretora. Adriana ainda alerta que “é através das atividades que o aluno tem assegurada a sua frequência neste período”, aponta a diretora.