“Para que a sociedade mude, ela precisa investir mais em preparação intelectual”, diz pesquisadora sobre combate ao trabalho infantil

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Nesta quarta-feira, 12, é celebrado o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, data que busca conscientizar as pessoas sobre a violação dos direitos das crianças e os efeitos prejudiciais do trabalho infantil no desenvolvimento físico e emocional. Em Venâncio Aires e região, a cadeia produtiva do tabaco se destaca pelas iniciativas educacionais voltadas a filhos de produtores rurais.

Consultora do Instituto Crescer Legal, do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), a advogada e socióloga Ana Paula Motta Costa trabalha há mais de 30 anos com projetos e estudos na área de violação de direitos de crianças e adolescentes. Desde 2014, atua junto à cadeia produtiva do tabaco, com pesquisa, intervenção e trabalho de capacitação de produtores rurais. “É uma iniciativa muito importante, que têm trazido muitos efeitos e servido de exemplo para outras cadeias produtivas”, comenta a doutora em Direito, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

ana paula motta costa
Advogada e socióloga Ana Paula Motta Costa atua na área de violação dos direitos das crianças e adolescentes (Foto: Arquivo pessoal)

De acordo com a pesquisadora, o trabalho infantil é a expressão de uma série de problemas sociais e indica a falta de desenvolvimento social. Entre os principais motivos para o trabalho infantil está a necessidade financeira. Além disso, Ana Paula cita a questão cultural que valoriza o trabalho infantil em detrimento do estudo. “Em alguns contextos sociais, as pessoas trabalham desde cedo em trabalhos manuais e pouco intelectualizados. Outras pessoas aprendem sobre o seu futuro, o trabalho, a partir do estudo. Para que uma sociedade mude, ela precisa investir mais em preparação intelectual, em estudo, para que haja, num contexto a médio prazo, um maior desenvolvimento social como um todo.”

“O trabalho infantil não é um problema individual daquelas pessoas que trabalham desde cedo, que se expõem a riscos, que têm danos psicológicos. É um problema da sociedade como um todo. A sociedade melhor, que a gente quer construir no Brasil, precisa de mais igualdade nas condições das pessoas. E, para isso, a gente precisa que as crianças estudem e não trabalhem.”

ANA PAULA MOTTA COSTA – Advogada, socióloga e pesquisadora da área de direitos das crianças e adolescentes

Folha do Mate – Quais os prejuízos para uma criança ou adolescente que precisa trabalhar antes do tempo?

Ana Paula Motta Costa – O primeiro prejuízo é a redução do tempo de escolarização. Com o tempo, o trabalho vai ganhando um significado maior do que a escola, porque ele traz uma renda mais imediata, solução para problemas mais imediatos. E a escola é um projeto de futuro, então ela não se coloca como uma alternativa imediata, como algo viável nesse momento – “preciso de dinheiro hoje, não daqui há tanto tempo, quando eu tiver uma formação melhor”. Com o tempo, a escola vai perdendo e o trabalho vai ganhando sentido. Isso além das outras dificuldades, como a falta de escola de Ensino Médio, no meio rural, as dificuldades de acesso, com relação ao transporte. Com o tempo, a escola vai reduzindo a sua importância. E isso é um prejuízo muito grande, porque está diretamente relacionada com a condição social de que uma pessoa vai ter quando adulta, ao grau de escolaridade que ela conseguiu atingir. Será melhor o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] de uma sociedade, se ela tiver um nível de escolaridade maior.

Também há impactos na saúde física e mental?

O trabalho infantil também traz prejuízos de falta de vivência do tempo da idade. Criança tem que brincar, estudar, conviver, aprender a resolver problemas nos grupos, nas escolas. Criança tem que ser criança. Adolescente tem que ser adolescente. Assumir responsabilidades de adulto é algo que faz com que essas etapas sejam queimadas, seja do ponto de vista emocional como também físico. Várias doenças relacionadas ao esforço de trabalho vão aparecer mais tarde e, quando o corpo não está com a formação adequada, ele é mais prejudicado. Estudos também apontam a relação direta entre acidentes de trabalho, quando o sujeito é adulto, e começou a trabalhar cedo. Esse aprendizado manual sem intelectualidade, sem desenvolvimento de aprendizados, acaba levando a uma precariedade maior, um trabalho não digno na fase adulta. O trabalho na infância queima etapas, reduz a possibilidade da criança se desenvolver melhor e ainda pode causar danos na fase adulta com resquícios nos acidentes de trabalho.

Quais os desafios para erradicar o trabalho infantil?
Eu creio que são as mudanças culturais, o convencimento da população de que trabalho na infância não é bom e que isso tem seus efeitos negativos para a sociedade como um todo e para cada criança e família. Ao longo dos últimos anos houve avanços na questão cultural, mas ainda existem aquelas pessoas que pensam que é por meio do trabalho que vão resolver o problema da criança, como se o trabalho substituísse o ócio, e com o ócio viessem outros problemas, como violência. Na verdade, o trabalho tem que ser substituído pela escolarização, pelo investimento na criança, no seu desenvolvimento.

Um desafio também muito importante é a oferta de alternativas para adolescentes. No meio rural isso é muito importante. Existe oferta de trabalho, de tráfico de drogas, de muitas outras possibilidades de ir para a cidade e engrossar as camadas mais periféricas, de pobreza. A gente precisa ofertar alternativas para os adolescentes. Também é um grande desafio a distribuição de renda e a escola universalizada. Se a gente tivesse no Brasil uma condição de escola de turno integral, por exemplo, e uma condição de renda familiar melhor, nós também indiretamente iríamos incidir no contexto do trabalho infantil.

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Juliana Bencke

Juliana Bencke

Editora de Cadernos, responsável pela coordenação de cadernos especiais, revistas e demais conteúdos publicitários da Folha do Mate

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