Peter Nagel e Jacob Christmann fazem parte da história de uma das localidades mais antigas de Venâncio Aires. Foi por volta de 1860 que se estabeleceram, junto com outros
imigrantes que abriram as primeiras picadas de Centro Linha Brasil. O nome deles está lá, no monumento em homenagem aos primeiros colonizadores. Próximos, por exemplo, de Christian Heinrich Bencke, o primeiro imigrante e que, com a grafia aportuguesada, dá nome à escola da localidade.
Mas se no monumento em frente à Igreja Evangélica os nomes de Peter Nagel e Jacob Christmann estão perfeitamente legíveis, o mesmo não se pode dizer dos epitáfios em suas sepulturas. Ambos foram enterrados no fim de século XIX, em um cemitério familiar, nas terras que pertenceram aos Nagel. Hoje, dentro de uma área que pertence a outra família, a pequena necrópole se confunde, de longe, com lavouras de milho e tabaco, mas segue respeitosamente intocada pelos atuais donos.
Nesta semana de Dia de Finados, como a maioria dos vivos que lembra dos que já partiram, seus descendentes foram ao cemitério. Ao invés de lavar os túmulos e trocar as flores desbotadas, a enxada e o facão fizeram o serviço principal. É com essas ferramentas que o aposentado Eldor Adão Baron, 67 anos, de quando em quando, ‘faz um capricho’. É que o bisavó dele, Jacob Christmann, está enterrado no chão e o que resta é uma lápide de pedra de areia ilegível.
Logo atrás, está a lápide de Peter Nagel, essa sim mais legível. Ainda que os escritos sejam em alemão, está claro que o imigrante nasceu em 1834 e faleceu em 1890. Ele era bisavô de Nadir Nagel Baron, 73 anos, esposa do Eldor.
NA MEMÓRIATodos os anos, o casal faz um pequeno mutirão às vésperas dos Finados. Capinam, arrancam o mato e depositam flores, mesmo que sejam naturais e não durem muito tempo. “São a nossa família. Se não fossem eles, a gente não estaria aqui”, destaca o aposentado. Segundo ele, por questões de saúde e financeira, não transferiram os restos mortais dos antepassados para outros cemitérios – o que é prática comum em muitas localidades. “Seria o certo, mas a idade vai chegando. Se não temos condições, vamos fazendo assim, do jeito que pode”, diz Baron.
Nadir, por exemplo, fez isso com o irmão Ilário, falecido aos 11 anos em 1961. Há algum tempo, ela solicitou a transferência dos restos dele para o túmulo dos pais, que estão sepultados no cemitério evangélico número 2 de Centro Linha Brasil. “É visitar nosso passado, né, e guardar a memória deles”, conclui a aposentada.
O pequeno cemitério onde estão enterrados Peter Nagel e Jacob Christmann não tem entrada, nem portão. O acesso é por uma lavoura, pertinho da estrada que fica entre Centro Linha Brasil e Linha Esperança. Nessa época do ano, geralmente o caminho é feito desviando dos pé de milho.
Conforme Nadir Nagel Baron, são 8 pessoas enterradas no local. Além dos imigrantes, ela cita os nomes de Walter e Wendolino Nagel, que seriam netos de Peter, e uma filha dele, da qual não lembra o nome. Destes, apenas a certeza da memória, porque não há indícios de sepulturas.
À direita, há uma grande lápide, praticamente coberta pela vegetação, mas cuja inscrição é bem nítida. Trata-se de Lina Pumpmacher, nascida em 1852 e falecida em 1920.Um pouco à frente, dois espaços menores. Sem lápides e com apenas pedras formando retângulos, sugerem que crianças estejam enterradas lá. Mas, quanto à isso, não há certeza de nada.
Um pouco de história sobre as origens dos cemitérios
Quando se pensa em cemitério em Venâncio Aires, a primeira lembrança geralmente é o Municipal, localizado no bairro São Francisco Xavier, além do Parque Jardim, da Vila Rica e da Ponte Queimada. O cemitério de Linha Ponte Queimada, aliás, seria o primeiro no formato “coletivo” do município, já que surgiu na área da primeira sesmaria de Venâncio.
Segundo a historiadora Angelita da Rosa, a prática de ter um espaço só para os mortos é muito antiga. “Vem de um hábito milenar, de ter um espaço sagrado para aqueles que fazem a partida da vida terrena. Uma terra onde nada é possível plantar e onde ficam as pessoas que você quer lembrar. No nosso caso, em que o povoamento começa no início do século XIX, possivelmente foi na segunda metade desse período.”
Mas, antes de ter uma comunidade religiosa e que, a princípio, teria o cemitério próximo ou do lado, muitas famílias enterravam os parentes nas próprias terras. “Isso era comum em muitas localidades do interior e que ficavam afastadas”, conta Angelita. De acordo com a historiadora, não há um dado que indique quantos cemitérios familiares existiram ou têm no município. “Muitos existiram e desapareceram sem ser conhecidos por outros, que não fossem da própria família.”