A Venâncio Aires que ‘habla español’

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A jovem Venâncio Aires, nos seus recentes 130 anos de emancipação política, tem origens e influências bem variadas na formação populacional. Portugueses e africanos de forma predominante no seu início e, depois, também influenciada por imigrantes, principalmente alemães. Nas últimas décadas, a descendência dos germânicos não apareceu apenas no físico ou nos sobrenomes cheios de consoantes.

Há algo comum nas esquinas, no comércio, nos bancos e nos encontros de amigos, especialmente entre os mais velhos pelo interior: a língua. Quem nunca foi abordado por alguém falando em alemão? Ou quem não conhece uma loja com profissionais que entendam o idioma? (o que, para algumas, é até um diferencial destacado no anúncio publicitário).

Mas, nos últimos anos, outras línguas viraram sons comuns nas ruas, em especial o espanhol, influência de cerca de 450 imigrantes de países latinos que moram em Venâncio Aires (conforme informações da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social). Essas famílias têm aprendido o português, para naturalmente se adaptarem aos trabalhos e às escolas dos filhos. A diferença é que, dentro de casa, a decisão é pela manutenção da língua materna.

É que o acontece na família de Yerli Del Carmen Veloz e Walter Vallenilla, ambos com 36 anos. O casal é da Venezuela e mora em Venâncio Aires há dois anos. Ambos ‘mandam bem’ no portunhol e é possível entendê-los perfeitamente. Mas, o que é reconhecido pelo próprio casal, é que a filha, Sarai, de 11 anos, está bem à frente. O sotaque da menina, que vai para o 6º ano na Escola Monte das Tabocas, já passa despercebido em uma conversa. “Aprendi em um mês”, conta, orgulhosa.

A desenvoltura com a língua da nova pátria também está no hábito da leitura e lê apenas obras em português. Numa prova da escola, inclusive, acertou 17 questões de 22. Mas, enquanto mostra rápida adaptação ao país que deve ser sua casa também no futuro (a família quer ficar no Brasil), não esquece da origem. Por isso, defende que, dentro de casa, a família continue ‘hablando español’. “É a minha cultura e a língua materna nos ajuda a lembrar de onde viemos”, destacou a jovem.

A mãe, Yerli, também vive uma experiência interessante em relação à língua materna, já que é professora de espanhol no Colégio Oliveira Castilhos. “É um excelente intercâmbio cultural. Eu ensino, mas aprendo muito com os alunos. Tem sido uma experiência rica para mim e para eles.”

Oportunidade

Yerli Del Carmen Veloz é professora de espanhol no Oliveira, escola que tem o idioma como disciplina curricular há 10 anos, oferecida às turmas desde o nível III, ainda na Educação Infantil, até o 9º ano do Ensino Fundamental.

Segundo o diretor pedagógico, Jair Freitag, quando a escola optou por ensinar o Espanhol, foi pensando no movimento do próprio mercado. “Pelo Rio Grande do Sul ter essa proximidade com Argentina e Uruguai, esse intercâmbio maior com o Mercosul, é uma oportunidade de troca de ensino e mercado de trabalho. Além do inglês, o Espanhol abre portas, pensando nas empresas exportadoras que temos”, avaliou.

Ainda conforme Freitag, sempre houve boa aceitação dos alunos e, muitos deles, após o término regular da disciplina, procuram aprofundar o aprendizado. “De uma forma geral, não apenas aprender um novo idioma, mas essa troca cultural que acontece é fundamental.”

Isabel com a filha Emily, nascida no Brasil. Com dois anos, a pequena está aprendendo a falar português e espanhol simultaneamente (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Aprendendo duas línguas ao mesmo tempo

Enquanto Yerli e Walter têm filhos maiores e que estão aprendendo o português, outro casal de imigrantes venezuelanos vive uma situação diferente. Marilliam Isabel Rojas Acosta, 32 anos, e Adrian Alcalá, 25, estão em Venâncio há cinco meses. Antes eles moravam em Santa Cruz do Sul, onde nasceu a filha, Emily, de dois anos.

Essa brasileirinha, que está começando a falar, vai aprender os dois idiomas. “Na escolinha ela entende o português falado pelas profes. Mas se em casa eu falo português, demora para entender, porque para ela é estranho ouvir a ‘mamá’ e o ‘papá’ falando português”, explicou a mãe.

Para Isabel, o aprendizado simultâneo não prejudica o aprendizado da filha. “Vivendo em ambientes com línguas diferentes, creio que vai aprender mais facilmente agora do que depois. Isso não vale apenas para o espanhol, vale também para o inglês, que tem muitas crianças que já frequentam aulas desde bem pequenos”, avaliou.

Aspectos

A professora de História, Taís Cristina Zeidler Schuster, explica que Venâncio Aires se caracterizou, durante boa parte do século XX, como um município de muitos descendentes alemães, mas essa linguagem também foi sendo adaptada.

“Se vamos observar o interior, muitos falam o dialeto que aprenderam com seus antepassados, mas foram se distanciando aos poucos e acrescentando palavras novas, já que não sabem a pronúncia correta na língua alemã e, sim, no português.”

Ainda conforme Taís, Venâncio também tem influência de italianos e de afrodescendentes, além da recente vinda de haitianos e venezuelanos. “Para um imigrante manter sua língua materna é muito importante, pois deixar de falar é como esquecer sua identidade cultural.”

“Vemos muitos imigrantes que falam o português nas ruas, no trabalho, em escolas e outros lugares, mas em casa falam o idioma de seu país de origem. É uma maneira de preservar sua cultura para futuras gerações. Podemos observar que os venâncio-airenses também estão se ajustando para essa variedade de idiomas e culturas dos novos imigrantes.”

TAÍS ZEIDLER SCHUSTER – Professora de História

50 – é o número de imigrantes que falam francês em Venâncio, entre senegaleses e haitianos (maioria).

Você sabia?

A língua espanhola é conhecida como ‘a língua de Cervantes’ por causa do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), autor que escreveu Dom Quixote (1605), considerado por muitos o primeiro romance moderno. Essa relação de língua com determinado escritor também já aconteceu com o nosso português. Nesse caso, a referência é para Luís de Camões (1524-1580), autor de Os Lusíadas, a primeira epopeia portuguesa publicada em versão impressa, em 1572.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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