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Seu Khaled tinha 83 anos e morreu em casa, ao lado dos familiares (Foto: Arquivo pessoal /Divulgação)

Venâncio Aires perdeu um personagem ilustre. Na quarta-feira, 8, morreu, aos 83 anos, Khaled Abdallah Abdel Hamid. Palestino que nasceu na cidade de Saffa, ele desembarcou no Porto de Santos (SP) em 15 de maio de 1959 e seis anos depois fixou residência na Capital do Chimarrão, onde casou e teve seus seis filhos. O corpo de seu Carlos, como era carinhosamente conhecido, foi sepultado na tarde da quinta-feira, 9 no cemitério Parque Jardim Bela Vista.

Khaled era figura conhecida no município e como citam os filhos, “era um palestino com coração venâncio-airense”. Quando ainda gozava de boa saúde, costumava ser visto pelo centro da cidade. Tinha muitos amigos e o seu gesto de caminhar com as mãos para trás do corpo e de sentar nos bancos ao lado da igreja Matriz, para conversar, se tornaram marcas registradas.

Nos últimos anos, a saúde lhe cobrou o preço de uma vida de muito trabalho, que terminou ao lado dos familiares, quando o coração parou de bater, na noite da quarta-feira, 62 anos depois de chegar no país que escolheu para viver.

50 dólares

A chegada deste palestino ao Brasil não foi nada fácil. Quando desembarcou no porto de Santos, seu Khaled tinha U$ 50 no bolso. Ele e outros árabes que vieram no mesmo navio foram até o centro de São Paulo e compraram roupas. “Foi assim que o meu pai iniciou a vida de mascate”, revelou a filha Regina.

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Seu Khaled iniciou a vida como mascate, vendendo roupas de porta em porta (Foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

Mas como seu Khaled fazia para oferecer e vender as roupas, se não falava uma palavra em Português? “Ele me disse que colocava as roupas na mala, batia na porta da casa das pessoas, colocava a mala no chão e deixava aberta. Quando as mulheres abriam a porta [pois naquela época a maioria das mulheres não trabalhava fora] ele pegava uma peça de roupa na mão e oferecia, para elas saberem que ele estava vendendo”, explicou a filha Regina.

Para fazer a cobrança, seu Khaled tinha uma estratégia: ele anotava o valor em uma caderneta e mostrava para as mulheres. “Elas respondiam em Português e como ele não entendia nada, oferecia a caderneta e a caneta para as mulheres fazerem a contraproposta e assim ele fazia as vendas”.

Desta forma, Khaled circulou por São Paulo e pela cidade de Anápolis, em Goiás, e acompanhou a construção de Brasília. Nestes seis anos que peregrinou vendendo roupas de porta em porta, usando a carroceria de caminhões como transporte, teve outro problema: a alimentação. Por causa da sua religião, tinha algumas restrições, como não comer derivados de suíno.

Então, para evitar comer algo com carne de porco, se limitou a uma dieta um tanto exótica. “O pai disse que comeu muito pão com cebola e tomou muito leite, mas como costumava almoçar sempre no mesmo restaurante, um dia o dono do estabelecimento o levou para trás do balcão, mostrou tudo o que tinha e mandou ele se servir e assim facilitou a vida dele”, recorda Regina.

A vinda a Venâncio

Depois de alguns anos no centro do país, ele decidiu vir para o Rio Grande do Sul. Khaled trabalhava como comerciante na companhia de dois tios, que também vieram da Palestina. Com o tempo, menciona Regina, eles abriram três lojas, sendo uma em Bagé, uma em Santa Cruz e uma em Venâncio. Como o negócio prosperou, decidiram que cada um cuidaria de uma loja. “E o meu pai decidiu vir para Venâncio, onde continuou trabalhando e comprou uma peça pequena para morar”.

Em 22 de fevereiro de 1969, Khaled se casou com Ribhia Hashem (que foi trazida da Palestina pelo pai) e a festa foi realizada no Grêmio Recreativo 7 de Setembro. Com ela teve seis filhos (e seis netos), todos nascidos em Venâncio Aires. “Meu pai nunca mais saiu daqui e investiu só aqui”, lembra Regina.

Ela menciona outro fato importante na vida do pai, que foi a naturalização como brasileiro. “Meu pai ganhou a cidadania brasileira das mãos do juiz Adonis Valdir Fauth, no dia 23 de março de 1988”, conta.

Nos últimos anos, acometido por problemas de saúde, seu Khaled era visto pouco pelas ruas, fazendo suas caminhadas na companhia dos filhos. Aquele andar manso, sempre com as mãos para trás e de sorriso fácil, vai deixar saudades!

Saiba Mais

Seu Khaled chegou em Venâncio Aires em 1965, se estabeleceu no município e aqui casou com Ribhia Hashem, em cerimônia realizada no dia 22 de fevereiro de 1969, no Grêmio Recreativo 7 de Setembro, e formou sua família. Em 23 de março de 1988, Khaled recebeu a nacionalidade brasileira, das mãos do juiz Adonis Valdir Fauth. Aqui nasceram os filhos Ibtsam, Nael, Regina, Graziela, Thaer e Taicir. Os filhos lhe deram seis netos, Saher, Yasmin, Tarek, Vicente, Pietra e Catarina.