Quando a Folha do Mate virou cupido

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São quase 50 anos de imprensa. Quase 50 anos registrando fatos, contando histórias, provocando debates e promovendo campanhas sociais. Com tanto tempo de estrada, muito se registrou nas páginas da Folha do Mate desde 1972 e, pelo alcance que tem, sempre acaba contribuindo para o protagonismo do que conta em Venâncio e na região.

Mas tem uma história em especial que ainda não contamos. É uma história de amizade, de companheirismo e de amor, que só virou realidade por causa do jornal venâncio-airense. Na matéria a seguir, veja como a Folha do Mate se tornou protagonista, ou melhor, o cupido que deu início ao namoro de Celia Kuhn e João Ripplinger.

A Celia antes do João e o João antes da Celia

João Zeno Ripplinger, 62 anos, e Celia Kuhn, 74, começaram a namorar em 2017. Esse tempo, considerando a experiência de vida de ambos, ainda pode ser considerado ‘pouco’. Para os mais jovens, talvez já seja uma ‘eternidade’. Mas o que é o tempo quando se está apaixonado? Aqui, ele começou a contar há cinco anos, com um ‘empurrãozinho’ da Folha do Mate. Só que para entender essa história de amor, é preciso conhecer a trajetória anterior de cada um. Uma com casamento, filhos, netos e a viuvez. A outra, com a solteirice convicta.

A Celia antes do João casou aos 23 anos, em 1970, com o Bruno Kuhn (1945-2007). Ela é natural de Linha Grão-Pará, mas logo após o casamento se mudou para Linha Travessa, de onde o marido era natural. Em 1973, o casal trocou o interior pela parte urbana – embora naquela época, onde eles construíram a casa (futura rua Silveira Martins proximidades da Conde D’Eu), havia apenas um trilho cortado pela sanga do Cambará, ainda aberta e com pequenas pontes e pinguelas improvisadas. “Eram meia dúzia de casas, com muito mato de eucalipto, guanxuma e gravatá ao redor”, lembra Celia.

Com Bruno, ela teve três filhos: Leandro, hoje com 50 anos, Jeferson, 45, e Eduardo, de 35 anos. Para ajudar a criar os meninos, Celia trabalhou na tabacaleira Flórida (prédio que existia na esquina das ruas General Osório e Assis Brasil) e por mais de 20 anos na lancheria do Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), onde se aposentou.

Em outubro de 2007, dias após completar 62 anos, Bruno não resistiu a um infarto. Lamentavelmente, poucos anos depois de ficar viúva, Celia ainda perderia a mãe, a sogra e uma tia que lhe ajudou a criar. “Foram quatro perdas seguidas, isso é muito triste. Nesses anos que eu estava viúva, eu tinha minhas amizades, saía para os jogos de bingo e os filhos e netos sempre vinham. Mas ainda assim me sentia muito sozinha.”

Quando a solidão ‘batia’, Celia sempre lembrava de um pedido da mãe: que encontrasse alguém para dividir a vida novamente. O problema é que a filha era ‘exigente’ e um possível candidato deveria atender a sete requisitos: ser solteiro, ter casa, carro, estar aposentado, não beber, não fumar e não ser mulherengo. “A mãe ria e dizia que isso era impossível. E eu jamais pensei que ele estaria tão perto”, conta.

João

O João antes da Celia era o que se chama de ‘solteiro convicto’ e garantiu que, até então, um namoro ou casamento não fizeram falta. A história dele na rua Silveira Martins também começou em 1973, no mesmo ano em que os Kuhn se mudaram. “Eu tinha uns 14 anos e até ajudei na mudança deles”, lembra o aposentado. Naquele tempo, ele já estava longe da escola há muitos anos. Como a família era muito humilde e numerosa, 11 filhos ao total, quando saíram de Linha Felipe Nery, interior de Santa Cruz, a ordem para os mais velhos era trabalhar. “Um turno eu ajudava a cuidar dos caçulas e no outro tinha que arrumar um serviço. Comecei capinando terreno.”

Aos 16 anos foi contratado como frentista no antigo posto de combustíveis Klein & Schultz (na esquina das ruas General Osório e Emilio Michel). Ficou lá durante 30 anos, até se aposentar. Já na vida adulta, ele seguiu morando no mesmo endereço, junto com as irmãs Lourdes e Criselde, também solteiras.

Nessas décadas de convívio como vizinhos, João diz que sempre houve muito respeito e amizade entre as famílias. “Sempre nos respeitamos e nos ajudamos. Isso é verdadeiro. E depois que a Celia ficou viúva, jamais imaginei teríamos uma história juntos.”

Parceiros nas tarefas e passatempos, eles gostam de dançar e dividem as funções na hora de lavar a louça (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“Estamos muito felizes juntos, porque o amor não tem idade. Para ser feliz, não importa a idade.”

CELIA KUHN – Aposentada, 74 anos

Entre empréstimos e devoluções do jornal

Foi em 2015 que João, Lourdes e Criselde receberam em casa mais um irmão, que se mudou provisoriamente para a residência. Roque, que sofreu um grave acidente e perdeu uma das pernas, estava separado e por isso foi acolhido pelos irmãos.

O acidente e a situação dele, que ficou muito tempo acamado, sensibilizaram Celia. A vizinha, leitora voraz da Folha do Mate (é assinante desde 1994), tinha no jornal uma companhia diária e entendeu que ele também poderia ser um bom passatempo para Roque, como fonte de leitura e informação. “Fiquei com muita pena dele, tanto tempo deitado. Então pensei: isso não precisa ficar só comigo, vou emprestar a Folha do Mate para ele ter uma ocupação e ler as notícias.”

Assim, toda manhã, Celia deixava o jornal enrolado em meio à grade que divide os dois terrenos e, no fim do dia, ela o pagava no mesmo local. A logística só mudava quando chovia. Para não molhar o jornal, Celia o levava até a área dos Ripplinger e, mais tarde, João fazia o mesmo, às vezes batendo à porta, para entregar a Folha nas mãos de Celia.

Os vizinhos Celia Kuhn e João Ripplinger começaram a namorar depois dos empréstimos e devoluções da Folha do Mate sobre a grade que divide as casas (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Iniciativa

Foram cerca de dois anos de vai e vem do jornal e, num desses dias de ‘devolução presencial’, Celia convidou o vizinho para entrar. “Pode entrar, João, somos vizinhos há tanto tempo, vamos conversar um pouco.” Assim, devolver a Folha do Mate para a vizinha, seguido de alguns minutos de conversa, foi virando rotina. Até que um dia, decidida, Celia tomou a iniciativa. “Eu sou viúva, tu é solteiro, os dois estão sozinhos. Por que não ficamos juntos?”

A coragem para fazer a pergunta partiu da promessa feita à mãe e do comentário de um dos filhos, há alguns anos. “O Leandro um dia me disse: mãe, o João é um cara legal né?”

A proposta de Celia não surpreendeu João, porque ele também já nutria um carinho especial por ela nos últimos tempos. O aposentado não tinha dúvida do sentimento, mas estava receoso sobre uma possível reprovação dos filhos dela. “Eu sou tímido e na verdade achava que os filhos não iam querer, por isso nunca falei nada. Mas eu já gostava dela.”

Assumidos

Dizem que namorar escondido é mais emocionante e, durante um tempo, eles não comentaram com ninguém. Mas num fim de tarde de devolução da Folha do Mate, um dos filhos chegou em casa e flagrou os dois sentados lado a outro. “O Jeferson me olhou e perguntou: ô, mãe, vocês estão namorando? Daí a gente assumiu”, relata Celia.

No início do namoro, cada um ainda morou na própria casa, mas em cerca de um ano, João se mudou definitivamente para a residência de Celia. “O João não casou, nem teve filhos. Mas desde que estamos juntos, ele ganhou três filhos, três noras e três netos [Arthur, Pedro e Maria Eduarda]. E todos adoram ele”, destacou Celia. Segundo ela, a neta caçula, inclusive, tem para com João um certo favoritismo: só quer comer o feijão que ele prepara.

Parceria

Como os dois estão aposentados, passam boa parte do dia em casa. João é o cozinheiro oficial e cuida do pátio. A casa eles limpam juntos, sempre às quintas-feiras, e lavar a roupa também não é exclusividade de ninguém. Com a louça, João lava e Celia seca; e ambos se dividem no cuidado com os periquitos, codornas e faisões nos fundos de casa.

Entre os passatempos, gostam de dançar, na área dos fundos mesmo, ao som de bandinhas e música gauchesca. João é fã de filmes de ação e dos clássicos ‘bang bang’, mas Celia fica em frente à TV apenas pela parceria. “Não gosto muito da violência, mas faço companhia.”

Outro ponto em comum é a leitura da Folha do Mate. Enquanto Celia diz que lê absolutamente tudo, João é um pouco mais seletivo, e tem preferência pelo esporte. Mas o que ambos fazem do mesmo jeito, é ler o jornal de traz para frente.

Como Celia integra o Clube de Mães e a Sociedade de Damas do Grão-Pará, pelo menos dois fins de semana do mês são de compromissos, os quais sempre têm a companhia de João. O casal também gosta de ir a bailes e festas de comunidade, principalmente para dançar.

A saúde dos dois, de forma geral, vai bem. “Sempre tem uns probleminhas, sempre tem o remedinho da pressão. Mas são coisas normais da nossa idade. Quando a gente dança, por exemplo, vamos devagarinho, por causa da labirintite”, comentou Celia, entre risos.

Comemoração dupla

• Celia e João programaram sair para dançar nesta noite, mas o frio já espantou a ideia. Então, provavelmente, eles irão almoçar fora neste domingo de Dia dos Namorados. “A gente sempre compra presente e é surpresa um para o outro”, conta Celia.

• Outra data importante em junho, ou melhor, datas, são os respectivos aniversários. Celia completará 75 anos dia 23 e João chegará nos 63 no dia seguinte. Se não chover, a ideia é fazer uma viagem com a família para a Serra. “Se não, vai ter festa em casa mesmo.”

Um casal apaixonado e apaixonante

Quando esta repórter perguntou a João o porquê da opção pela longa vida de solteiro, foi Celia quem respondeu, com um piscar de olhos: “Ele esperou por mim.” Com tanta cumplicidade, não tem como não concordar. Embora eles já se conhecessem há anos, tivessem uma amizade e um respeito mútuo, sentimentos que, sabemos, podem evoluir para um amor conjugal, Celia ressaltou, mais de uma vez, que tudo aconteceu por causa da Folha do Mate. O jornal, que talvez fosse só um pretexto para se verem, virou um elo sobre aquela grade ou literalmente o cupido, cuja flecha disparava todos os dias, acertando um e outro.

Além desse detalhe inusitado, foi uma entrevista muito bonita e carregada de emoção, ao relembrarem suas trajetórias individuais (e que nunca serão esquecidas), e da alegria pela história que agora estão construindo juntos.

No fim, perguntei a eles o que mais gostam um no outro. Celia falou do companheirismo e do respeito do amado. Já João, fitando os olhos azuis da namorada, resumiu em uma única palavra: “tudo!” Tem declaração mais bonita que essa para um Dia dos Namorados?



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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