Ramadã: tradição islâmica mantida em Venâncio Aires

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Purificação do corpo, da mente e da alma, período em que aumenta a fé em Deus. Assim é descrito o Ramadã, nono mês do calendário islâmico e, também, o mais sagrado para os muçulmanos por ter sido o mês em que foi revelado o Alcorão – livro sagrado do Islã – para o profeta Maomé, por meio do anjo Gabriel. Como o calendário é regido pelo ciclo lunar, o período muda a cada ano, proporcionando que o jejum seja realizado em todas estações. Neste ano, no Brasil, a prática iniciou no dia 23 de março.

Em Venâncio Aires, a família de Regina Khaled Hamid, que tem origem palestina, pratica esse costume. Ela é natural da Capital do Chimarrão e, atualmente, reside em Santa Cruz do Sul. Regina explica que o Ramadã é considerado um dos cinco pilares do Alcorão, e que o jejum é uma obrigação de todo o muçulmano. “O período tem a intenção de permitir uma maior reflexão sobre os sentimentos vivenciados e sofridos por todos aqueles que, por força da condição financeira, muitas vezes de miserabilidade, passam por abstenção involuntária de alimentos e líquidos por longo período”, comenta.

O Ramadã é obrigatório para pessoas a partir dos 12 anos, desde que já tenham entrado na puberdade. Pessoas enfermas, grávidas, lactantes e idosos acometidos por patologia impeditiva são isentos de realizar o jejum. “Pessoas que estejam em viagem, que se desloquem por mais de 65 quilômetros, podem interromper o jejum e retomar no dia seguinte”, salienta.

Conforme a assessora judiciária, durante o mês do Ramadã também se acentuam as boas praticas, devoção e amor a Deus, solidariedade e generosidade e, ainda, se exercita a paciência e o equilíbrio emocional. Nesse mês, os muçulmanos praticam cinco orações diárias voluntárias, além da oração especial realizada à noite, que não é obrigatória, chamada de Taraweeh.

Segundo ela, na prática, a vida é normal. “A partir do sol nascer, por volta das 5h15min, o jejuando deve se abster de comer, beber (inclusive água), ter relações sexuais e realizar qualquer conduta indevida, até o pôr do sol, por volta das 18h30min (horário para o Rio Grande do Sul), quando ocorre o Iftar (desjejum)”, diz. Regina ainda esclarece que o horário para o desjejum antecipa um minuto a cada dia e que o tempo de duração é de 29 a 30 dias.

O Ramadã, segundo Regina, é o período em que as famílias se reúnem com maior frequência. “No fim do Ramadã, é celebrado o Eid al-Fitr, feriado de um dia, em que as famílias comemoram juntas e trocam presentes”, conta. Além disso, ela ainda explica que na semana anterior ao fim do jejum, é realizada uma doação de valores chamada de Zakat al-Fitr, além de arrecadação de alimentos e roupas aos mais necessitados.

No Iftar (desjejum), o muçulmano deve comer, inicialmente, uma tâmara e beber água. Após, pode fazer a ingestão de alimentos e líquidos que apetecem o jejuando até o pôr do sol. De acordo com o Alcorão, não é possível ingerir apenas bebida alcoólica, carne suína e derivados.

Experiência e legado

Regina conta que, na primeira semana do jejum de Ramadã, quando realizou pela primeira vez, se sentia exausta, com muita dor de cabeça e irritabilidade. “As pessoas pensam que têm noção do que o outro passa quando tem dificuldade na vida, mas a gente só sabe realmente o que (o outro) sente quando a gente passa pela mesma situação”, afirma.

Ela relembra que um dia estava voltando do trabalho, a pé e faminta, e viu a metade de uma banana no chão. “Lembro até hoje que não vi uma banana suja. Olhei para o alimento e pensei que se não soubesse que teria alimentos em casa, comeria aquela banana. Para mim, não parecia algo sujo, era apenas um alimento”, relata.

Ela ainda destaca outra situação na qual uma colega abriu uma bala e ela sentiu o cheiro e o sabor. “A partir dali, eu vi que quando se tem fome, tu não escolhe o que vai comer. Tu vai comer o que tiver e aquele será o melhor alimento do mundo”, conta.

Khaled Hamid ensinou aos filhos e netos a cultura e religiosidade palestina (Crédito: Arquivo Pessoal)

Regina compartilha que o legado da cultura e religião árabe aprendeu com o pai, Khaled Hamid (em memória), e com a mãe, Ribhia Saleh. Khaled veio ao Brasil em maio de 1959 e, junto da esposa, constituiu família na Capital do Chimarrão, onde criaram seis filhos. “A família é sagrada para o islã, a fé e a solidariedade guiam a vida de todo muçulmano. A consciência desse pensamento e o sentimento de amor, passado de gerações para gerações, impede a existência de crianças órfãs, de pessoas sem lar e sem educação”, observa. Ela ainda ressalta que aprendeu desde nova que o auxílio mútuo, diferença entre os homens e o amor fraternal são alicerce da vida.

A assessora judiciária destaca que tem orgulho de fazer parte de uma cultura rica em saberes, que contribui para o mundo em diversas áreas. “Mas, me orgulho, acima de tudo, de perceber que a religião me ensinou que a família é o bem maior, que o amor que aprendi, desde nova, a ter pelos filhos dos meus irmãos, é amor de uma segunda mãe, que ama, se encanta, educa e ampara, e que não há felicidade possível, em qualquer cultura ou religião, sem amor, fé e solidariedade”, complementa.

“Manter a cultura árabe no Ocidente nunca foi fácil para meus pais, nem para nós, enquanto filhos, mas com muito amor e perseverança a tradição árabe sempre andou ao lado da cultura brasileira, coexistiram dentro do nosso lar, diariamente, assim como o café árabe e o chimarrão, a macluba e o feijão.”

REGINA KHALED HAMID

Assessora judiciária

• O profeta Mohamad (Maomé) quebrava o jejum com tâmaras, o que se tornou uma tradição. Rica em nutrientes, fornece açúcar ao organismo e facilita a digestão.

    

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