Marcelo acorda todos os dias sem saber onde vai dormir. Essa incerteza não o incomoda, afinal, ele é um aventureiro da rua. Todos os dias ele caminha. Mesmo sem querer, acaba desvendando avenidas, estradas e ruas de Venâncio Aires. “Eu já andei por todas elas”, conta ao apreciar a longa Júlio de Castilhos, onde acabará de sentar para descansar e apreciar uma boa dose da sua bebida.
Questionado sobre qual é a rua que mais gosta, ele responde “tudo depende das pessoas”. São as pessoas que deixam seus caminhos mais iluminados ou mais escuros. E ele não se refere a beleza estética, e sim a beleza interior. O que ele – um homem negro, de estatura média e franzino para sua altura – aprecia nas pessoas é o bom coração, um gesto de bondade, e não a estupidez ou o olhar de pena. Afinal, ele é uma pessoa como qualquer outra. “Sou uma pessoa como tu e como ela”, aponta para as repórteres de rua.
Ele resume a sua vida como um passeio nas calçadas. é nelas que ele escreve sua trajetória, linha após linha. Sempre com vírgulas e entre elas, nunca com um ponto final. Afinal, ele tem uma meta: reencontrar sua família. Com um olhar, talvez, perdido nas lembranças, ele afirma que sua família sempre está com ele, seja no coração ou no pensamento. “Eu vou reencontrar ela”, garante com um sorriso no rosto.
Andarilhos como Marcelo, estão mais próximo de reencontrar suas famílias, graças a uma iniciativa da Administração de Venâncio Aires. As Secretarias Municipais da Saúde e da Habitação e Desenvolvimento Social iniciam hoje um plano de ressocialização. O objetivo principal é prestar auxílio para os moradores de rua que não têm família.
A secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, Claidir Trindade, explica que a maior preocupação é recuperar a dignidade dos moradores. “Eles vivem perambulando pelas ruas, sem família. Muitas vezes com os laços familiares já rompidos e é exatamente isso que gostaríamos de resgatar. Entrar em contato com a família e fazer com que se sintam pertencentes a sociedade novamente”, destaca.
O método de trabalho foi definido em reunião realizada na última semana. A ação inicia hoje, através de um primeiro contato com os moradores de rua. Servidores municipais vão abordar as pessoas para fazer um cadastro e realizar o encaminhamento inicial. Após, serão oferecidos serviços como: confecção de documentos e atendimentos junto ao Caps AD, Cras Centro e no Cadi.
Quando necessário, eles serão encaminhados para receber tratamento de saúde na rede pública, principalmente os casos que envolverem dependência de álcool ou outras drogas. “Tudo isso para restabelecer o contato dos moradores de rua com seus familiares, que é o principal objetivo do plano”, ressalta Claidir.
Em 2009, a Prefeitura criou um albergue para o acolhimento destes moradores. A maior parte relutou em receber o atendimento e seguir o tratamento de desintoxicação química, retornando para as ruas.