“A energia elétrica de Venâncio Aires, principalmente em localidades do interior do município, é tão ruim que a gente só leva o choque quando vê a conta”. A frase, irônica, é do vereador Ezequiel Stahl (PTB), que depois de receber uma enxurrada de reclamações em relação à precariedade dos serviços resolveu sugerir uma Frente Parlamentar da Eletrificação Rural, já aprovada por unanimidade pelos colegas de Legislativo.
Stahl diz que a iniciativa tem por finalidade reunir os parlamentares na busca de informações sobre os problemas gerados a partir da deficiência da eletricidade na área rural, bem como realizar estudos em relação aos casos mais graves e apontar soluções para eles. De acordo com o vereador, o tema é cada vez mais constante nas propriedades rurais, inclusive com relatos de que investimentos deixam de ser feitos em razão dos transtornos referentes à eletrificação. “A energia elétrica não comporta a necessidade”, argumenta.
O petebista diz que, além de gerar problemas para os produtores, a situação da eletrificação também desanima os jovens, sucessores naturais das propriedades. “é preciso dar condições aos agricultores para que ficar no campo seja atrativo”, afirma. O colega Adelânio Ruppenthal (PSB) se prontificou a colaborar com os trabalhos da frente parlamentar e defendeu que os serviços da concessionária de energia deveriam ser fiscalizados de forma mais intensa. “Muitas vezes, nem é preciso instalar uma rede trifásica, mas elevar a capacidade de energia. Diversas comunidades enfrentam este problema”, reforça Ruppenthal.
CRíTICAS – Ao comentar o assunto, o vereador Ciro Fernandes (PSC) fez duras críticas à distribuidora. “Vendem uma porcaria de energia e nada acontece”, disparou. O parlamentar declarou que sabe de casos de perda de produção leiteira e se queixou que, “como representante da comunidade, me sinto impotente mediante a defasagem na prestação deste serviço”. Fernandes ainda relatou situações que chegaram ao seu conhecimento: “é pinto morrendo por causa do calor nas granjas e, quando bate um vento no interior, os moradores chegam a ficar quatro dias sem luz. é lamentável”.
Casal não consegue estocar aipim descascado
A situação da energia elétrica no interior do município é precária, de baixa qualidade e insuficiente para os produtores investirem em projetos de diversificação, como agroindústrias familiares, silos-secadores de grãos, aviários, pocilgas e tambos de leite, entre outros projetos. Além disso, os postes de luz estão envelhecidos em praticamente todas as localidades, o que facilita os problemas quando ocorrem temporais.
A precariedade no fornecimento estaria sendo enfrentada por pelo menos uma centena de famílias. Flávio Antônio e Isolaine Mallmann, moradores de Linha Grão-Pará Baixo, servem como exemplo. Há três anos, o casal inaugurou a sua agroindústria de aipim descascado e, agora, quer comprar uma câmara fria com capacidade para 30 mil quilos. A intenção é estocar o produto e comercializá-lo na entressafra, com maior margem. Contudo, dizem que não é possível porque a rede de luz que passa diante da propriedade é monofásica e o equipamento demanda de uma rede trifásica para entrar em funcionamento.
Mallmann diz que há uma rede trifásica distante 800 metros de sua residência e que seus vizinhos sofrem com o mesmo problema. Um deles quer diversificar e iniciar a produção de leite, mas não investe por conta da precariedade da energia elétrica. Há dois anos, Mallmann solicitou melhorias na rede trifásica à concessionária, pois o investimento demandaria R$ 30 mil. Hoje, de acordo com o produtor, o valor para instalação da rede se aproxima de R$ 200 mil. “A concessionária, por meio de uma carta, afirmou que não iria atender a solicitação”, lamenta, acrescentando que de outubro do ano passado até agora deixou de vender entre cinco e seis toneladas de aipim. “é muito procurado na entressafra”, comenta.
AGRICULTURA – Nas últimas semanas, o secretário municipal de Agricultura, André Kaufmann, começou a percorrer o interior para ouvir os produtores e saber as demandas em relação à energia elétrica. Ele adiantou que, nas próximas semanas, levará as reivindicações à RGE Sul, concessionária responsável pela distribuição da energia elétrica no município. “A intenção é elaborar um plano conjunto para melhorar esta situação”, comentou.
Além das precariedades, Kaufmann ouve muitas reclamações sobre o estado de conservação dos postes e dos fios de alta tensão, pois a cada temporal, boa parte dos produtores fica vários dias sem luz. Também é objetivo do secretário criar um programa de troca dos postes e fios condutores, pois isso também garante uma energia de maior qualidade. “Queremos deslocar os postes que estão no meio do mato para a beira das estradas vicinais”, disse.
Kaufmann argumentou que os produtores sempre ficam reféns desta situação e, em muitas ocasiões, perdem o que têm armazenado nos freezers, principalmente os produtores derivados de leite. “São duas situações: uma é incentivar a diversificação, precisando para isso melhorar a qualidade da energia, e a outra, é incentivar os produtores que ainda estão na lavoura ou que investiram em algum empreendimento, para que permaneçam no interior. é uma maneira de estagnarmos o êxodo rural”, justificou o secretário.
Energia de qualidade é essencial para o processo de sucessão rural
Na opinião do chefe do escritório municipal da Emater/RS-Ascar, Vicente João Fin, as dificuldades e precariedade da energia elétrica influenciam diretamente na questão da sucessão rural, que depende de três fatores. O primeiro, segundo Fin, é o acesso às propriedades, boas estradas e, de preferência, pavimentadas com asfalto; depois vem a comunicação com a disponibilidade de internet e telefonia adequada; e, por último, a questão da rentabilidade. “Isto é básico. A energia é tão fundamental quanto os outros meios produtivos. Se o agricultor tem a oportunidade de financiar um aviário, pocilga, instalações para a produção de leite ou agroindústria familiar, se não tiver a energia elétrica de qualidade, fica fadado ao fracasso, ou seja, ele não vai conseguir investir”, salientou.
Há anos, de acordo com Vicente Fin, o produtor vem enfrentando esta dificuldade e, quando o filho completa 18 anos, ele tem que tomar uma decisão: ou sai de casa e segue uma carreira de estudos no meio urbano, ou fica no interior. Fin frisa que o jovem precisa tomar esta decisão rapidamente, porque à medida que ele espera para se resolver, deixa de ser contribuinte para a aposentadoria no futuro. “Quando se pensa na permanência do jovem no interior, ele precisa ter a sua renda para isso”, observou.
Fin cita exemplos de produtores que chegaram a financiar o seu investimento, já estava vencida a primeira prestação e ainda não havia sido solucionado o problema da energia elétrica. São casos de investimentos em suínos, aves e agroindústrias familiares, onde alguns construíram as estruturas e adquiriram os equipamentos e, no momento de ligar, eles simplesmente não funcionaram. “Temos situações atuais onde jovens optaram por serem produtores e ficaram numa situação difícil, porque fizeram o investimento para dar aquele salto em ganho e não conseguem ver a unidade funcionando, porque a energia elétrica atual não é suficiente”, destacou.
Temporais deixam produtores às escuras
A precariedade dos postes e fios condutores de energia por causa da falta de limpeza, manutenção e substituição, a cada temporal, deixa os produtores preocupados. Isso ocorre porque na maioria das vezes, eles ficam sem luz durante diversos dias por conta dos danos provocados pelo temporal na rede. “Como muitos postes são bem antigos, estão localizados no meio do mato e, sem limpeza, os ventos fortes os derrubam e arrebentam os fios. A consequência é a falta de energia por diversos dias”, observa o produtor rural e empresário Arsélio Renz, morador de Linha Sexto Regimento. Ele acrescenta que mesmo os consumidores avisando a concessionária, a RGE Sul demora para resolver as situações.
Renz é proprietário de um posto de combustíveis em Vila Deodoro, e conta que em cada ocorrência de temporal, ouve as queixas dos produtores, principalmente das localidades onde a rede ainda é monofásica. “O problema seria amenizado se a concessionária deslocasse os postes do meio da mata e das lavouras para a beira das estradas e instalasse postes novos. Isso evita que eles sejam derrubados em ocorrência de um temporal”, comenta. Apesar de ainda existir muita demora para a resolução dos problemas, Renz afirma que a situação melhorou depois que a RGE Sul assumiu a distribuição em Venâncio Aires.
De acordo com ele, é comum ver as equipes realizando a limpeza, manutenção e troca dos postes de madeira por postes de concreto e de fibra. “Porém, pelo que os técnicos nos comentaram, a empresa precisa de autorização do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, o Daer, para retirar a rede que cruza pelas lavouras e pelos matos”, lembra.
O que diz a RGE Sul A Folha do Mate entrou em contato com a RGE Sul, responsável pela distribuição de energia em Venâncio Aires. De acordo com a concessionária, a transformação de redes monofásicas para trifásicas, na maioria dos casos, envolve execução de obras. As redes monofásicas são compostas de dois condutores (fios), enquanto a rede trifásica tem quatro condutores (três fases e um neutro). Além disso, os demais componentes da rede precisam ser trocados. As redes trifásicas são necessárias para clientes que possuem motores trifásicos ou se a carga total de suas instalações exigirem.
A execução dessas obras, conforme determina a regulação do setor elétrico (Resolução 414/2010 da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica), é custeada pelas concessionárias de energia e pelos clientes interessados. Por exemplo, se a carga for superior a 50 kW e/ou houver a necessidade de complementação de fases na rede de média tensão, a distribuidora calculará a participação financeira do cliente na obra. Podem ocorrer situações em que o cliente não precisará pagar nada, mas os casos têm que ser analisados individualmente.